No ecossistema global AgTech, David Friedberg dispensa apresentações. De certa forma, ele foi o responsável por colocar o universo das startups de tecnologia voltadas para o agronegócio no radar dos grandes investidores – e das multinacionais que dominam segmentos como o de defensivos e máquinas agrícolas.
Para quem não o conhece, a primeira e principal referência é a venda da agtech The Climate Corporation, em novembro de 2013, para a Monsanto por US$ 1,1 bilhão – hoje o Climate Fieldview, produto da empresa, está no centro da estratégia digital da Bayer Crop Science.
O negócio fez da plataforma digital de monitoramento e gerenciamento agrícola o primeiro unicórnio do setor e descortinou o potencial de se fazer bilhões com o desenvolvimento de novas tecnologias relacionadas com o meio rural.
Pouco mais de uma década se passou e cada passo de Friedberg, celebridade do Vale do Silício, é acompanhado com atenção por quem aporta recursos e inteligência nessa área.
Investidor ativo em diversas frentes, nos últimos anos ele colocou seu faro para oportunidades a serviço da The Production Board (TPB), firma de investimentos em venture capital que fundou e que recebeu aportes de gigantes como a Alphabet (holding dona do Google), os bancos de investimentos BlackRock e Allen & Co. e a Koch Disruptive Technologies, ligada a um dos maiores grupos industriais americanos.
A TPB tem participações em dezenas de startups e em algumas empresas mais maduras. E um pé bem fincado no Brasil, País que há quase duas décadas está no radar de Friedberg. A empresa é sócia da Lavoro, onde o empreendedor é integrante do conselho de Administração e visto como uma espécie de mentor.
Foi ele, por exemplo, que abriu as portas do mercado de capitais americano para a companhia controlada pela Patria Investimentos e a convenceu a fazer seu IPO na bolsa eletrônica Nasdaq, em 2022.
No início deste ano, novamente, Friedberg se moveu. Em uma publicação em sua conta na rede social X, ele informou que, depois de um longo período atuando apenas nos bastidores, assumiria o posto de CEO na Ohalo, startup que está na lista de investidas do TPB.
E o movimento colocou o mercado em alerta. O que o teria motivado a voltar à linha de frente de uma empresa ainda sem produtos ou receita?
Em entrevista exclusiva ao AgFeed, Friedberg respondeu, sem, no entanto, entregar totalmente o jogo.
“Temos investimentos em várias outras companhias, mas a Ohalo tem um potencial tão impressionante para mudar a produtividade e a rentabilidade dos agricultores, de uma forma tão rápida, que achei que fazia sentido colocar mais esforço e tempo e focar na empresa. Acredito que ela pode se tornar uma das mais importantes do mundo e vou me dedicar a concretizar esse potencial”.
Estará vislumbrando um novo unicórnio? Friedberg prefere não dar muitos detalhes sobre os próximos passos da startup. O pouco que ele conta é que “a Ohalo utiliza edição genética para reimaginar completamente a agricultura, criando novas variedades de plantas em culturas importantes que não eram anteriormente viáveis, aumentando significativamente os rendimentos e a produtividade e, em última análise, ajudando os agricultores a produzir mais alimentos utilizando muito menos terra, recursos e capital”.
A próxima revolução
A Ohalo utiliza a tecnologia de edição de genes CRISPR, que tem permitido avanços em áreas que vão da produção de vacinas a tratamento de doenças genéticas raras. Na agricultura, é vista como uma alternativa menos demorada que as técnicas de cruzamento tradicionais e menos polêmica que a transgenia, que envolve a introdução de genes de espécies diferentes para induzir células a executarem determinada função.
No caso do CRISPR, a edição é feita com genes da própria célula. “Há muitas abordagens possíveis ao se fazer isso. Temos algumas ideias e temos testado ao longo de quatro anos. Fizemos investimentos de dezenas de milhões de dólares e no último ano as coisas começaram a funcionar”, diz.
De fato, o investidor assume o comando da investida logo após a Ohalo receber os primeiros sinais verdes da área regulatória do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) em torno de pesquisas da companhia com edição genética de batatas.
O USDA considerou que as edições genéticas realizadas pela startup – que resultaram em plantas com maior concentração de nutrientes como beta-caroteno e com menor teor de glicose e frutose – são dispensados de regulamentação. Ou seja, estão liberados para comercialização.
A divulgação dessas primeiras “vitórias”, de certa forma, atravessou os planos de Friedberg. “Não temos falado muito sobre o que fazemos e não há muito o que eu possa compartilhar agora, mas temos alguns produtos revolucionários em desenvolvimento”.
Grandes culturas, como soja e milho, estão na mira, mas ele desconversa. Diz que os desenvolvimentos nessa área estão em fase inicial e que estão priorizando outros produtos mais avançados, já na reta de chegada ao mercado.
Mais detalhes, diz, somente quando o verão chegar ao hemisfério norte. “Estamos quietos, por enquanto. Se começamos a falar muito, outras companhias passam a nos observar com mais atenção. O silêncio, agora, nos ajuda”.
Os bolsos de Friedberg em AgTech
Formado em astrofísica, Friedberg desenvolveu seu lado empreendedor ao liderar a área de corporate venture no Google, onde trabalhou por cerca de três anos e se desenvolveu ao lado de amigos como Larry Page, o fundador da empresa de tecnologia.
Page foi um dos primeiros investidores do TPG e ajudou Friedberg a atrair outros gigantes em uma captação de US$ 300 milhões feita em 2021.
A decisão de Friedberg de voltar à cadeira de CEO de uma startup demonstra sua crença no papel que a edição genética deve representar para o futuro da agricultura – e, portanto, de seus negócios.
Dez anos depois da Climate, ele enxerga quatro principais avenidas – ou “bolsos”, como ele chama – para investimentos em AgTech, com oportunidades distintas em cada uma delas.
O bolso da edição genética hoje lidera suas atenções, à frente de ferramentas baseadas em software, insumos biológicos e máquinas e equipamentos autônomos e com visão computacional.
Suas teses de investimentos em geral conversam entre si e convergem em determinado momento. Na área de software, por exemplo, ele acredita que há uma “comoditização” na capacidade de desenvolvimento de novos programas e de sensores para geração de dados.
“Tudo isso resulta em uma grande e barulhenta cacofonia para os produtores”, avalia.
“Os agricultores não querem ser gestores de TI, não querem ter esses amontoados de dados em ferramentas diferentes. Eles querem poder fazer as coisas sozinhos, de uma maneira fácil, com tecnologias preditivas e simples”.
E, sobretudo, diz, integrando todos os dados. “Imagine eles olhando dados do drone em um app, os das máquinas agrícolas em outro, os testes de solo em um terceiro e tentando entender o que tudo isso significa”.
Ele prossegue: “O desafio real é como integrar todos os diferentes elementos de uma operação agrícola para entender o que os microrganismos estão fazendo no solo, o que a genética das plantas indica, o que as condições ambientais apontam e colocar isso tudo em um único ambiente muito específico para o produtor. É aqui que o valor está”.
Sua visão é a de que o papel de integrador desse segmento pode ser ocupado por um ator próximo ao produtor: o consultor agronômico ligado ao revendedor de insumos.
“Produtores colocam todas as suas economias no solo todos os anos. Em todas as decisões de investimentos que fazem, gostam de ter alguém com quem conversar. O software pode ajudar, mas acho que precisa ser parte da oferta que a revenda oferece ao produtor como um conselheiro especializado”.
A estratégia Lavoro
A crença de que software e distribuição de insumos podem caminhar muito próximos é, segundo Friedberg, parte da razão que levou o TPB a investir na Lavoro.
“A oportunidade é muito significativa. Produtores brasileiros estão muito atrás em termos de adoção de certas tecnologias e acredito que o melhor modelo é trazê-las junto com os revendedores. Ao invés de eles terem de ouvir 50 pitches de 50 diferentes provedores de serviços, eles falarão apenas com o RTV que já conhecem e que vai ajudá-lo na adoção da tecnologia”.
A integração tecnologia/distribuição, acredita, não deve ser feita via aquisição, mas como uma ampla parceria de negócios. Friedberg disse já ter observado alguns varejistas tentando desenvolver softwares proprietários, sem sucesso.
“Vimos aqui nos Estados Unidos e as experiências foram terríveis, não funcionou para o varejista nem para o produtor”, afirma.
O modelo imaginado por Friedberg começa, aos poucos, a ser implantado na Lavoro. Nos últimos meses, duas agtechs do portfólio do TPB desembarcaram, ainda de fora tímida, no Brasil para fazer parte da oferta da rede de distribuição junto a seus mais de 60 mil clientes.
A primeira delas é a Pattern Ag, com sede na Califórnia. A empresa é especializada na análise do DNA do solo, ajudando o produtor a compreender a sua composição e como atuar para impedir a proliferação de doenças e melhorar a sua fertilidade.
“Hoje, produtores de todo o mundo gastam milhares de dólares em produtos quando sequer sabem se têm um problema. Não podem ver, mas têm medo e compram químicos como se fosse um seguro”, afirma Friedberg.
“Eles compram fertilizantes sem fazer sequer um teste químico. É o maior investimento que um produtor faz. É incrível, não se vê isso em nenhuma outra indústria”.
Os relatórios da análise da Pattern Ag, diz o investidor, trazem informações sobre a presença de microrganismos e nutrientes no solo, “em um nível que o produtor nunca conseguiu saber antes”.
Com isso, o agricultor poderá fazer compras mais assertivas, deixando de gastar com o que não precisa e aumentando o gasto com o que lhe trará maior retorno.
“A Pattern Ag pode ajudar Lavoro a aconselhar melhor o produtor e vender mais produtos, ganhando a sua confiança. Essa é a maneira dessa indústria continuar se desenvolvendo”, afirma.
O mesmo vale para a Stenon, startup baseada na Alemanha, também investida do TPB. Ela faz análises químicas do solo, em tempo real, utilizando um instrumento semelhante a uma pá, mas que funciona como um laboratório portátil.
A ideia é evitar o vai-e-vem de amostras de solo, que percorrem longas distâncias até os laboratórios tradicionais, encarecendo e fazendo com que os resultados demorem a chegar ao produtor.
“Vamos distribuir esses equipamentos para os agrônomos RTVs da Lavoro e eles poderão ajudar os produtores a tomar decisões melhores sobre fertilizantes”, afirma Friedberg.
O Brasil no caminho
As oportunidades do agro brasileiro despertam a atenção de Friedberg há alguns anos. Ele já esteve no Brasil inúmeras vezes, as primeiras ainda nos seus tempos de Google.
Em 2005, a gigante da internet comprou uma empresa mineira, a Akwan, especializada em tecnologias de busca. O objetivo da Google era transformá-la em uma frente de engenharia no País e o então chefe de desenvolvimento corporativo foi enviado ao Brasil para dar início ao projeto.
Anos depois, já na Monsanto – onde atuou por três anos após a venda da Climate – ele fez novas incursões por aqui para conhecer melhor o mercado e os produtores locais.
Além disso, como investidor, Fridberg diz ter uma longa relação com a gestora brasileira Valor Capital Group.
“Anos atrás, me juntei ao time da Valor em alguns investimentos no Brasil. Eles me falaram da Lavoro e da oportunidade de ajudá-la a ir para o mercado e ser bem-sucedida com acesso às nossas tecnologias”, conta.
A conversa prosperou, a TPB estruturou a SPAC (sigla, em inglês, que identifica companhias criadas com a finalidade específica de negociar ações no mercado) que permitiu a listagem da Lavoro na Nasdaq e abriu caminho para sinergias entre os sócios.
“A Lavoro se tornou estratégica para o TPB e as empresas do TPB podem ser úteis, melhorando a qualidade do serviço do varejo. Isso se mostrou uma ótima combinação”, diz Friedberg.
O empreendedor vislumbra ainda outras possibilidades. Na área de biológicos, ele vê o Brasil como um centro de desenvolvimento de soluções para o mundo. E acredita que a Lavoro, que tem investimentos nessa área, está bem posicionada para participar desse mercado.
“Quando fazemos pesquisas no solo, descobrimos novos microrganismos e, a partir do melhor conhecimento deles, poderemos desenvolver novos produtos para incrementar a produtividade”, imagina.
Na área de sementes, Friedberg, com o boné da Ohalo, também estica o olho para o Brasil e a Lavoro. “Estamos muito ativos em trazer novas tecnologias para o mercado e o Brasil é um grande objetivo, obviamente. No futuro vamos falar muito a respeito”.