No final da tarde de segunda-feira, o governo argentino resolveu suspender de forma temporária o registro de exportações para novos embarques de grãos. A medida foi tomada porque nesta terça-feira, Javier Milei promete anunciar uma série de medidas econômicas.
Já projetando uma desvalorização do peso após os anúncios, o governo tomou a decisão para proteger os importadores e exportadores, algo que já é corriqueiro no país, conforme explicou ao AgFeed o economista argentino Roberto Troster. Na prática, a medida quer evitar que as empresas paguem os impostos conhecidos como retenciones em pesos com o “dólar antigo”, e perder dinheiro quando o câmbio mudar de patamar.
Sempre que há a expectativa de uma queda no preço do peso argentino frente ao dólar e outras moedas, os governantes tomam a decisão.
Na safra 2020/21, por exemplo, o antigo presidente Alberto Fernández, suspendeu o “registro de Declarações de Vendas Estrangeiras” para o milho local.
Milei tomou posse no domingo como presidente da Argentina, e esse deve ser o primeiro pronunciamento com o anúncio de medidas econômicas já enquanto presidente.
No passado, as decisões parecidas de governos de suspender o registro das exportações duravam poucos dias, até a poeira baixar. Segundo informações da Reuters, o governo de Milei fará seus primeiros anúncios envolvendo um profundo ajuste fiscal e aumento dos gastos sociais.
Nos cálculos de Troster, o peso argentino pode desvalorizar cerca de 30% após os anúncios. “Se uma empresa antecipa o contrato acaba perdendo 30% ‘na veia’, e tem alguns economistas projetando uma desvalorização ainda maior. O governo age certo ao suspender, mas isso é algo que acontece direto no país”, afirmou o economista.
De acordo com uma reportagem do jornal argentino La Nación, somente na segunda-feira foram registradas as exportações de mais de 1,7 milhão de toneladas de grãos, um “volume significativo”, segundo disseram fontes consultadas pelo veículo.
O ritmo desses registros estava acelerando nos últimos dias. Até agora em dezembro, foram 6,7 milhões de toneladas de milho registradas, sendo 1,6 milhão de toneladas referentes à safra 2022/23 e 5,1 milhões já da safra atual.
Além disso, foram registradas mais 1,2 milhão de toneladas de farelo de soja, com metade sendo da última safra e metade desta e 190 mil toneladas de oleaginosas do produto. Para o grão da soja, foram 450 mil toneladas para a nova safra. No trigo, foram 360 mil toneladas registradas em dezembro até agora, segundo informações do La Nación.
A previsão da consultoria AZ Group é de que os argentinos exportem na safra 2023/24 mais de 59 milhões de toneladas de milho e um volume semelhante de soja.
Em entrevista ao AgFeed, o novo titular da área de agricultura do governo, Fernando Villella, prometeu retirar as retencionoes porém não acredita que será possível adotar a medida nos primeiros meses do governo.
Além da suspensão do registro das exportações, o governo de Milei também anunciou uma restrição à compra de dólares no país. Segundo Fábio Silveira, economista e sócio-diretor da consultoria MacroSector, esse bloqueio ao mercado de dólar deixa a situação econômica local ainda mais incerta. “Sabemos como começa, mas não sabemos como termina”.
Ele ressalta que quando esse mercado é bloqueado e a circulação de dólar fica restrita, os preços acabam caindo, junto com a cotação do peso. “A Argentina está numa situação econômica desesperadora, pois há uma inflação muito alta que corrói o poder de compra das famílias e das empresas, consequentemente isso fragiliza a atividade econômica”,diz.
A grande questão, segundo Silveira, seria quando essa medida se encerraria. Diferente da restrição às exportações, que geralmente é de curtíssimo prazo, a do dólar é mais incerta.
Ele lembra que a Argentina depende da exportação de grãos, principalmente a soja, para ver dólares entrando na economia, algo que só deve acontecer no primeiro trimestre do ano que vem, no auge da safra 2023/24.
“Estamos muito perto de ter uma inflação ainda mais alta lá na frente se não for feita uma comunicação adequada da saída desse bloqueio. A receita em dólar no país depende da exportação de soja, e o que o governo fará? Confiscar parte disso?”, indaga o economista.