A combinação de preços de commodities mais baixos e custos em patamares ainda elevados fez o número de pedidos de Recuperação Judicial explodir este ano, não apenas entre os produtores pessoa física, mas também entre as empresas que vendem insumos e produtos agropecuários.
A Serasa Experian detalhou com exclusividade ao AgFeed seu primeiro levantamento com foco em pedidos de Recuperação Judicial (RJ) no agronegócio. A partir de 2024, os dados passarão a integrar o boletim trimestral sobre inadimplência no setor, lançado este mês.
O Head de Agronegócios da Serasa, Marcelo Pimenta, explica que foram analisados três grupos diferentes: produtores rurais que utilizam CNPJ, empresas do agro que não são produtores e os casos mais recentes de RJs solicitados por produtores rurais pessoa física, desde que a legislação brasileira abriu esta possibilidade, em 2020.
O salto mais significativo foi registrado no grupo de pessoas físicas, que representa a maioria dos produtores rurais no Brasil e que avançou 300% se considerado janeiro a setembro deste ano, na comparação com os 12 meses de 2022.
Os primeiros pedidos de recuperação foram feitos logo após a lei, em 2021, mas no ano passado chegaram a 20 e, até setembro de 2023, já são 80, o que indica que o avanço será ainda maior quando forem contabilizados os números do último trimestre.
Nos segmentos de produtores rurais analisados (pessoa jurídica e pessoa física) houve uma maior incidência de pedidos de RJ entre os grandes produtores rurais e também entre aqueles que não têm propriedade rural declarada, que usariam terras de terceiros. São considerados grandes produtores aqueles que têm mais de 15 módulos fiscais, de acordo com critério do Incra.
"No caso dos produtores pessoa física, a questão dos arrendatários é mais forte ainda. A participação deles no maior número de pedidos até supera bastante os grandes proprietários", destacou Frederico Poleto, Head de Ciência de Dados Agro da Serasa Experian, que também conversou com o AgFeed.
Na opinião de Marcelo Pimenta, este aspecto se conecta com dados divulgados no boletim da Serasa no início da semana, que mostraram uma piora na inadimplência dos arrendatários a partir do primeiro trimestre de 2022.
"Percebemos dois movimentos, um deles é que os custos aumentaram bastante em 2022, seguido da queda no preço das commodities este ano, o que estrangulou bastante a margem. O arrendatário é travado também em sacas por hectares, ele tem que pagar o arrendamento da terra, e percebemos problemas com ele que ainda não foram recuperados", afirmou Pimenta.
No grupo de produtores rurais “pessoa jurídica", que representam a minoria, ainda há chances de 2023 "empatar” com o ano passado. A Serasa observou um crescimento ano a ano, a partir de 2017, chegando no pico de 145 pedidos de Recuperação Judicial em 2019.
Depois disso, o número começou a cair e, no ano passado, foram registrados 90 pedidos. De janeiro a setembro deste ano, já foram contabilizadas 78 solicitações, portanto, basta repetir o terceiro trimestre (com 13 pedidos) para também superar o ano passado.
Os estados que mais tiveram RJs de produtores pessoa jurídica foram São Paulo, Mato Grosso, Paraná e Minas Gerais. Arrendatários e grandes produtores tiveram a maior representação entre os pedidos.
Se avaliados os "CNAEs” destas empresas, as principais atividades envolvidas nos pedidos foram soja, pecuária, cana-de-açúcar, café e cereais. Mas a Serasa também avalia o perfil de produção por meio de imagens de satélite – adquiriu este ano a empresa Agrosatélite. Neste caso a primeira atividade é pastagem/pecuária e depois aparecem soja, cana e café.
Sobre o aumento mais expressivo entre as pessoas física, Marcelo Pimenta diz que "de certa forma faz sentido, porque a lei é recente e agora que os produtores estão aprendendo a usar os instrumentos de recuperação".
De qualquer forma, do lado do credor, ele acredita que faltou uma análise mais apurada, de ver quem ele está colocando dentro da carteira.
"Indústria de RJs"
O Head de Agronegócios da Serasa ressalta que boa parte dos pedidos de Recuperação Judicial poderiam ter sido "previstos” pelos credores, algo que ficou claro nesta pesquisa feita pela empresa.
O executivo se refere ao chamado "Score médio" dos produtores rurais que optaram pela RJ. O índice calculado pela Serasa vai de zero a 1.000 -- quanto maior a pontuação, mais baixa é a probabilidade de inadimplência.
"O zero é chance de inadimplência altíssima. Quem pediu RJ, um ano antes de fazer o pedido, já tinha em média um score de 300", explicou Poleto.
Segundo a Serasa, o score da “população de produtores rurais pessoa jurídica", fica em torno de 450, quer dizer, estes produtores que entraram na RJ já tinham um perfil pior do ponto de vista de crédito do que a média do setor.
"Entre o produtor pessoa física esta curva é mais indicativa ainda. Muitas vezes o mercado fala na indústria de RJ, diz que é difícil antecipar estes acontecimentos, mas não é isso que o número diz”, afirma Marcelo Pimenta.
“Quem pede RJ já de partida tinha score mais baixo e dá para perceber uma piora quando se olha o gráfico 60 dias antes do pedido, até 3 meses antes. Esse já era um crédito ruim, mas foi concedido”.
O score médio do produtor pessoa física é melhor do que daqueles que usam CNPJ, fica um pouco abaixo de 800, segundo a Serasa.
"O produtor que pede RJ já tem de partida uma nota menor e o movimento se acentua três meses antes do pedido. Isso não deveria estar acontecendo. Gestões mais formais de crédito deveriam estar monitorando todos os meses, no caso do agro, a questão socioambiental e a nota de crédito. Se cair 10% num mês, 10% no outro, isso tem que ser alerta imediato para o credor tomar alguma ação em relação ao produtor, assim poderia se antecipar e minimizar perdas", destaca Pimenta.
Empresas “não produtoras” batem recorde de RJs
No terceiro grupo analisado pela Serasa estão as indústrias de produção e revenda de insumos, agroindústrias e comércio atacadista, serviços de apoio à agropecuária, além de indústrias e revendas de máquinas agrícolas.
Nestes segmentos também está aumentando o número de pedidos de Recuperação Judicial, em movimento semelhante aos produtores rurais pessoa jurídica, mas acentuando a alta recentemente.
O pico também foi registrado em 2019, com 245 pedidos, depois houve um período de queda. Em 2022, porém, as RJs atingiram 176 empresas.
Já entre janeiro e setembro deste ano a Serasa contou 263 pedidos, o que representa alta de 49% em relação ao ano passado e um novo recorde anual para a série histórica – mesmo antes de o ano acabar.
O aumento nas RJs deste perfil de empresa ocorreu em diferentes estados, principalmente em Santa Catarina, Minas Gerais, Paraná e Goiás.
Os executivos do Serasa não sabem dizer o tamanho da dívida que estas empresas acumulam, o que dificulta ter certeza de qual o setor que mais está pesando nos pedidos de recuperação do ponto de vista financeiro.
Segundo Poleto, a Serasa tem acesso ao valor da ação judicial, que muitas vezes é algo simbólico, muito distante do valor real das dívidas.
De qualquer forma, se considerado o número de pedidos de RJ apresentados, a maior participação ficou com agroindústria e comércio atacadista (o que incluiria empresas que vendem ração, por exemplo), serviços e revendedores de insumos.
Pimenta evitou fazer projeções para os próximos meses, mas acredita que ainda há uma tendência de aumento no número de RJs entre os arrendatários, em função "de uma pequena crise climática e atraso no plantio de soja, que vai afetar produtividade e a receita fica cada vez menor".
Para os demais segmentos, a expectativa é de que haja pelo menos uma estabilidade.
Para que o cenário melhore, recomenda que haja uma renegociação dos contratos, principalmente de quem arrenda terras, com o objetivo de buscar um alongamento do prazo das dívidas.
Em paralelo, sugere ao produtor que siga travando seu custo e sua receita. Aos credores, a recomendação "é basicamente utilizar as ferramentas de crédito que existem hoje porque elas capturam comportamentos que podem estar associados a quem pede Recuperação Judicial".