Hannover (Alemanha) - Em 2019, se alguém mencionasse o termo “Inteligência Artificial” (IA) nos corredores da feira Agritechnica, provavelmente estaria falando de cinema, ficção científica ou simplesmente tendo um delírio futurista.
Quatro anos, uma pandemia e diversas guerras depois, foi justamente a chegada da IA na produção agrícola o fato novo, a maior tendência apontada na retomada do evento – que é considerado um dos mais relevantes em máquinas e tecnologias no mundo, realizado na semana passada em Hannover, na Alemanha.
Em cada estande, das grandes montadoras às startups estreantes, as soluções de IA integradas ao maquinário foram onipresentes, apontando a rápida evolução do setor e o caminho que ele vai percorrer nos próximos anos.
Antes de mais nada, é necessário relembrar que Inteligência Artificial é o ramo da ciência da computação que se concentra no desenvolvimento de agentes ou sistemas inteligentes, que podem perceber seu ambiente e tomar ações para atingir seus objetivos.
A IA capacita uma máquina ou programa de computador a realizar tarefas que normalmente exigiriam inteligência humana. Um dos maiores exemplos é o “aprendizado de máquina” (do original em inglês machine learning), um tipo de IA dotada de algoritmos que interpretam e evoluem com base em dados sem serem explicitamente programados.
Mas é a “visão computacional” o tipo de Inteligência Artificial que saltou na frente e mais tem sido empregado no setor de máquinas e tecnologias agrícolas. Isso acontece porque essa tecnologia baseada em IA torna possível que os sistemas leiam, entendam e tomem decisões a partir de imagens e vídeos – uma ferramenta essencial na agricultura moderna que seja para a coleta e processamento de dados ou mesmo para a aplicação de insumos, entre outras funções.
Um dos principais destaques da IA na feira foram as soluções de “pulverização seletiva” que identificam plantas daninhas e outras pragas e aplicam defensivos agrícolas apenas nas áreas afetadas.
Diminuindo a intensividade do uso de agroquímicos é possível baixar custos e promover a sustentabilidade. É a tal “Produtividade Verde”, que foi o tema central da edição deste ano da feira.
A gigante mundial John Deere, por exemplo, demonstrou ali o seu sistema WeedSeeker, que já pode vir embarcado nas tradicionais máquinas verdes presentes em todo o mundo. A americana Trimble – recentemente adquirida pela AGCO – apresentou o sistema GreenSeeker, que usa sensores para medir a saúde das plantas e determinar quais deverão receber manejo fitossanitário.
A alemã Claas, por sua vez, levou à feira o sistema FieldScan, que utiliza imagens aéreas para identificar invasoras e outras pragas.
Nesse segmento, que já está sendo disputado por grandes players mundiais, até mesmo uma agtech brasileira conseguiu destaque. A SaveFarm, que é parte do grupo Eirene Solutions, apresentou uma solução de IA que otimiza a aplicação de agroquímicos, transformando os equipamentos tradicionais em “pulverizadores inteligentes”.
O sistema SaveFarm possui sensores com câmeras de alta resolução que são instalados nas barras dos pulverizadores. Eduardo Marckmann, CEO da empresa, disse ao AgFeed que a tecnologia é compatível com todos os tipos de pulverizadores existentes no mercado e gera uma economia de até 95% no uso de pesticidas em períodos pré-plantio das culturas.
Com o apoio da Inteligência Artificial, já treinada para isso, é realizada uma leitura de superfície do solo. O operador da máquina consegue acompanhar todo o processo, receber diagnósticos e parametrizar a operação através de uma interface gráfica instalada na cabine.
De acordo com Marckmann, a tecnologia pode ser usada tanto em lavouras de grãos, como soja e milho, mas também em algodão, cana-de-açúcar e até bosques de eucalipto.
“O sistema se adapta a qualquer cenário e pode ser usado em diferentes etapas da plantação, identificando as ervas daninhas inclusive em meio à cultura já crescida no solo. Nosso objetivo é fomentar a agricultura de precisão, utilizando a tecnologia como aliada dos produtores rurais”, explicou o CEO.
A presença na Agritechnica, revelou ele, faz parte do plano da Savefarm de iniciar seu processo de internacionalização. “Nós visitamos a feira em 2019 e agora retornamos como expositores, para demonstrar a tecnologia que desenvolvemos aqui no Brasil, ao lado dos grandes players do mercado mundial de agricultura de precisão. A expectativa é ampliar nosso mercado de atuação e encontrar novos parceiros comerciais principalmente na Europa e na Ásia”, projetou.
Robótica autônoma leva prêmios
Além das soluções de pulverização seletiva, a IA também está sendo usada para desenvolver robôs agrícolas que, entre outras funções, realizam trabalhos de análise e correção de solo, semeadura, irrigação, aplicação de fertilizantes, colheita e seleção de grãos e frutas.
Por contarem com operação autônoma, essas tecnologias têm o potencial de, ao mesmo tempo, aumentar a eficiência da agricultura e reduzir a necessidade de mão de obra humana.
Responsável pela organização da Agritechnica, a DLG (Sociedade Agrícola Alemã) reconhece e premia os “conceitos mais pioneiros e visionários” de máquinas agrícolas através do “DLG-Agrifuture Concept Winner”.
Este ano o júri selecionou os cinco vencedores, que foram homenageados em cerimônia oficial a partir de uma lista de indicações online feita anteriormente por especialistas.
“A DLG apoia ideias de futuro que apontem o caminho para uma produção agrícola global do futuro, com um horizonte de tempo de cinco a dez anos”, disse ao AgFeed Hubertus Paetow, presidente da DLG. “O prêmio busca possibilidades técnicas e destaca conceitos com chances realistas de implementação no médio prazo”.
Uma das vencedoras foi a empresa crop.zone, com seu conceito de herbicida híbrido elétrico Dual.Volt.24M, tecnologia que permite a dessecação das culturas e o controle de plantas daninhas sem uso de produtos químicos.
O processo de tratamento começa com a aplicação de uma solução eletrolítica (volt.fuel) para aumentar a condutividade da planta. Em seguida são aplicados até 5.500 volts, eliminando as invasoras.
Outro conceito de futuro destacado foi a AgTech CoPilot – uma infraestrutura 'plug-in' inteligente para tecnologia agrícola híbrida. Desenvolvido pela Universidade de Ciências Aplicadas de Kiel (Alemanha), o novo sistema integra tratores, drones e robôs em uma rede colaborativa. De acordo com os criadores, é a “personificação da agricultura de precisão, garantindo uma agricultura eficiente e sustentável”.
A Sociedade Agrícola Alemã abriga o maior centro de testes de máquinas agrícolas da Europa, o chamado “Centro de Testes DLG para Tecnologia e Insumos Agrícolas”, localizado em Gross-Umstadt (Alemanha).
O objetivo, diz Hubertus Paetow, é “preencher a lacuna entre a teoria e a prática” através de mais de 40 grupos de trabalho compostos por agricultores, acadêmicos, empresas e organizações que compartilham, de maneira contínua, o avanço do conhecimento em agricultura de precisão.
“Durante muito tempo, o objetivo principal dos agricultores, inclusive eu, era fornecer alimentos suficientes a uma população crescente. Hoje, os mercados não só impõem as mais altas exigências à quantidade, ao preço e à qualidade do produto final, mas também à sustentabilidade”.
Para o presidente da DLG, não existe uma solução simples para isso. “É preciso conhecimento, habilidade e inovação para provocar mudanças”, concluiu. A IA entra nesse pacote.