Atibaia (SP) - Um dos mais experientes diplomatas brasileiros, Rubens Barbosa tem uma rara capacidade de analisar cenários internacionais. E, com experiência em negociações envolvendo nossas posições no mercado de commodities agrícolas, possui um olhar apurado para as influências geopolíticas sobre o setor.
Atual presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), o ex-embaixador brasileiro em Londres e Washington, hoje observa com especial atenção o conflito envolvendo Ucrânia e Rússia e as eleições presidenciais na vizinha Argentina. Nessas duas frentes, principalmente, é que se joga uma parte relevante do futuro da cultura do trigo no Brasil. E, na visão de Barbosa, ele é promissor.
Para ele, caso se confirmem as expectativas e o País passar de uma produção 10 milhões de toneladas anuais para 20 milhões nos próximos anos, existe um cenário muito positivo para os produtores.
“O País pode se tornar um grande exportador de trigo, e veremos o grão utilizado para diferentes usos como o etanol, não só para a produção de pão, massas e biscoitos”, disse Barbosa ao AgFeed durante o 30º Congresso Internacional da Indústria do Trigo, realizado na quinta-feira, 26 de outubro, em Atibaia (SP).
“O cenário interno do trigo é muito promissor para novos investimentos, moinhos e armazéns. Haverá uma expansão no setor como um todo e também na indústria e exportação”, comentou Barbosa.
O aumento da produção interna deve levar o País a se tornar autossuficiente na produção do trigo até 2030, o que nos tornaria menos afetados com o cenário externo.
Fora das fronteiras brasileiras, o mercado de trigo está estremecido. Tanto pela guerra envolvendo a Rússia e da Ucrânia, que já perdura há quase dois anos e que compromete cerca de 35% das exportações globais do grão, e agora pela incerteza eleitoral na Argentina.
O país vizinho aguarda o segundo turno das eleições presidenciais, que envolvem o deputado de extrema-direita Javier Milei e o atual ministro da economia, Sérgio Massa.
Quando falamos especificamente do trigo, o Brasil tem uma relação muito próxima com os platinos. Para se ter uma ideia, de janeiro a julho deste ano, 79% das exportações argentinas de trigo vieram para cá, algo em torno de 1,3 milhões de toneladas.
Apesar de Massa ter ficado em primeiro lugar no primeiro turno, as primeiras pesquisas apontam um cenário equilibrado para os próximos votos.
O destino do país está em cheque em muitos aspectos e o agro não ficou de fora. O governo atual, de que Massa faz parte, estabeleceu uma série de impostos de exportação para o país, numa tentativa de aumentar a arrecadação.
As retenciones, como são chamadas, giram em torno de 10%, e a expectativa é que se Massa for eleito, o imposto deve continuar.
Já Milei se mostrou contrário aos impostos, algo que, na ponta do lápis, pode ser visto como melhor para os produtores.
Na avaliação de Rubens Barbosa, os produtores argentinos estão aguardando o resultado eleitoral para decidir vender ou não os produtos. “A eleição vai definir se vai ser retirada essa retenção, e isso vai influir no ânimo dos produtores locais”, diz.
Independente disso, ele acredita que a safra deste ano do trigo argentino deve ser melhor que nos últimos anos, que sofreram com condições climáticas.
“Com os impostos postergados ou não, e passada a seca, a produção argentina deve aumentar novamente, e deve atingir neste ano 15 milhões de toneladas”, diz.
No Brasil, ele vê um mercado menor nesta safra com a produção interna somada a uma concorrência vista pela Rússia nas exportações.
Mesmo com o conflito no Oriente Médio envolvendo Israel e o Hamas, o que não altera o mercado de trigo, segundo Barbosa, a guerra envolvendo esse concorrente e a Ucrânia ainda é uma realidade.
“O conflito criou uma instabilidade grande por causa da necessidade de escoamento da safra ucraniana e das restrições que a Rússia passou a ter. A situação melhorou porque houve escoamento com um corredor, o que foi suspenso e posteriormente abriu de novo”, afirmou Barbosa, explicando o motivo da incerteza do mercado.
Além dos conflitos, ele acredita que o mercado internacional de trigo vai “continuar instável” também por conta da demanda da China e das incertezas climáticas na Austrália.