Antes mesmo do lançamento do programa “Combustível do Futuro", feito pelo governo federal na última quinta-feira (14/9), para incentivar a produção de energia renovável no Brasil, o agronegócio já vinha avançando em ritmo acelerado nesta área.
O projeto do governo traz incentivos ao uso de etanol, com perspectiva de aumento da mistura do biocombustível na gasolina, propõe o avanço da produção de diesel verde e da redução das emissões de carbono em setores como a aviação. Mas as medidas, porém, devem ter impactos ainda maiores.
Um dos setores em destaque é a produção de biogás, que tem potencial para assumir uma parcela importante na matriz energética brasileira nos próximos anos.
Um levantamento feito pela Associação Brasileira do Biogás (Abiogás) em julho revela que o agronegócio tem potencial para produzir até 113 milhões de metros cúbicos normais (Nm³) de biometano por dia.
Se este potencial for bem aproveitado, o biogás pode gerar mais de 170 mil gigawatts-hora por ano de energia elétrica e substituir 40,8 bilhões de litros de diesel, de acordo com a entidade.
Para se ter uma ideia mais exata deste potencial, em março, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou que o Brasil bateu a marca de 190 GW de capacidade instalada em todo o país, em todas as matrizes.
Segundo a Abiogás, no total, contando inclusive os projetos ligados à saneamento básico, serão 81 novas usinas instaladas até 2029, com investimento total de R$ 11 bilhões. Atualmente, são seis plantas de biometano autorizadas pela ANP, com produção de 470 mil m³ por dia.
Deste total de usinas, cerca de 50% utilizarão resíduos de saneamento, mais de 40% estão ligadas ao setor sucroenergético, 5% usam produção agrícola em geral e 1% tem matéria-prima proveniente do setor de proteína animal.
A capacidade instalada de biometano deve sair de 1,2 milhão de Nm³/dia em 2023 para 6,6 milhões de Nm³/dia em 2029.
Sobre o projeto de lei "Combustível do Futuro", a presidente da Abiogás, Renata Isfer, ressalta o fato da proposta incluir o chamado "Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (SAF)".
“O biogás é considerado uma opção promissora na produção destes combustíveis, com dois projetos-piloto em desenvolvimento no Brasil”, diz Isfer.
Outro ponto destacado pela presidente da Abiogás é a adoção da metodologia de Análise de Ciclo de Vida (ACV) para produção de biometano a partir do descarte de baterias.
O projeto prevê que essa análise seja adotada do poço à roda, que leva em conta toda a emissão de carbono desde a produção de veículos leves.
Para Isfer, essa etapa do poço à roda é crucial, mas “o objetivo final do Combustível do Futuro deve abranger todo o ciclo de vida, desde a produção até o descarte de baterias”.
Segundo ela, neste contexto, o biometano tem papel fundamental ao aproveitar os resíduos, ao transformar um passivo ambiental em ativo energético.
De Itaipu para as pequenas granjas
Enquanto grandes empresas divulgam projetos de biogás, pequenos pecuaristas conseguem inclusive ampliar de forma exponencial a produção por adotar uma pequena usina na propriedade.
O caso mais recente aconteceu no Paraná. A Granja Angst, localizada na cidade de Toledo e que tem apenas três hectares de área, inaugurou nesta sexta-feira, o biodigestor e a unidade produtora de biometano, inclusive com a presença do governador Ratinho Jr.
A presença das autoridades públicas se justifica porque o projeto se beneficiou do programa Renova PR, que tem um orçamento de R$ 1 bilhão para financiar projetos de energia renovável em propriedades rurais.
A usina da Granja Angst teve investimento de R$ 1,2 milhão, financiado com juros subsidiados e prazo de 10 anos, com dois anos de carência.
A Bley Energia foi responsável pelo desenvolvimento do projeto. Cícero Bley, fundador da empresa, trabalhou em Itaipu durante 13 anos, e lá, começou a desenvolver um centro de estudos voltado para o biogás.
Ele se aposentou em 2016 e resolveu entrar na incubadora da Biopark, parque de inovação localizado também em Toledo.
“Depois de aposentado, sofri com o etarismo. Mas resolvi montar a empresa e tentar a incubadora. Fui aprovado, passei pelo processo de educação do Biopark, e agora estou fazendo o trabalho que Itaipu não consegue fazer”, conta Bley.
A Bley Energia trabalha só com biogás e, segundo seu fundador, mais três projetos devem sair até o final do ano.
Para o futuro, o potencial é ainda maior. Isso porque o biogás produzido pela Granja Angst tem compromisso de venda para a Primata Cooperativa Agroindustrial, também de Toledo. “Somente na Primata, tem cerca de 180 projetos para tocar”, diz Bley.
O grande interesse tem um componente econômico importante. Segundo Bley, por conta da legislação que limita o volume de dejetos a serem gerados na atividade pecuária, a Angst tinha um limite de 1700 suínos na propriedade.
“Agora, eles já estão com 7,8 mil suínos. Na produção de leite, passaram de 28 para 100 vacas. E ainda abriram uma área de criação de tilápias, na água utilizada na limpeza da granja, com 60 mil peixes”.
Isso porque os dejetos deixam de ser despejados nos rios ou usados somente como adubo. “Agora, esse biometano será usado como combustível nos caminhões que transportam ração da cooperativa para a granja”, afirma Bley.
Projetos em larga escala
Em maio, a JBS anunciou investimentos de R$ 54 milhões em um projeto para transformar o gás metano gerado pelas suas atividades industriais em biogás. A primeira fase envolve as nove maiores unidades da Friboi.
Segundo a JBS, o biogás poderá ser utilizado para geração de vapor nas caldeiras, de energia elétrica ou como combustível da frota de transporte da companhia. O principal objetivo é chegar ao nível de emissão zero de carbono até 2040.
Mauricio Moraes e Adriano Correia, sócios da PwC, uma das maiores empresas de consultoria e auditoria do mundo, afirmam que a demanda global por energia renovável é uma grande oportunidade para o agronegócio.
“A produção aumentou muito nos últimos cinco anos, mas ainda está muito aquém do potencial”, afirma Correia, que é sócio da área de energia da consultoria.
Moraes, que é sócio da área de agronegócios da PwC, afirma que os produtores de açúcar e etanol saíram na frente na produção, por conta do CBios, que acaba remunerando o biogás gerado a partir de subprodutos da cana de açúcar, como a vinhaça e a torta de filtro.
“Algumas usinas utilizam o biogás para gerar energia de consumo próprio, mas outras já estão gerando receita adicional com o produto. E se a conta fechar, como já tem fechado, teremos um volume cada vez maior de investimentos na produção”, diz Moraes.
A Raízen, controlada pela Shell e pela Cosan, já tem duas plantas de produção de biogás. Recentemente, durante painel na XP Expert, o CFO da Jalles Machado, Rodrigo Penna de Siqueira, citou o investimento em uma nova planta de biogás da companhia.
Segundo Correia, o biogás tem potencial também para substituir o gás natural de petróleo importado atualmente da Bolívia. “Só com o potencial de produção do agro, e de mais alguns aterros sanitários, isso já seria possível”.
Por outro lado, as oportunidades são tantas, especialmente para o setor sucroalcooleiro, que os investimentos em biogás podem ficar para depois, em alguns casos.
A própria Raízen anunciou recentemente que vai desacelerar seus projetos em biogás. Segundo Ricardo Mussa, CEO da companhia, é preciso entender melhor se o produto pode ser melhor utilizado para outros fins que não a geração de energia elétrica.
Além disso, a empresa quer focar seus esforços no etanol de segunda geração, que também é produzido com subprodutos da cana.