Enquanto nas demais regiões do Brasil a colheita da safra 2022/23 de soja já terminou há um bom tempo, nos campos de Roraima as colheitadeiras estão a pleno vapor.

A abertura oficial do período de colheita aconteceu há apenas uma semana, comum evento na fazenda Rancho Grande, na zona rural do município de Boa Vista, capital do Estado.

Nas próximas semanas, segundo previsão de Geraldo Falavinha, presidente da Aprosoja Roraima, os produtores devem retirar de 120 mil hectares de lavouras cerca de 400 mil toneladas do grão. A Conab estima que a produção deve ficar em 360 mil toneladas – ainda assim, 26,3% superior às 285 mil toneladas colhidas na safra anterior.

Assim como os resultados, o calendário diferente do resto do Brasil permite aos empresários locais chamarem a atenção para as vantagens competitiva de serem a única região agrícola brasileira situada no Hemisfério Norte. E, com isso, promoverem uma onda de investimentos no agronegócio legal.

“Aqui vivemos uma realidade diferente de outras regiões”, afirma ao AgFeed o secretário estadual de Atração de Investimentos, Aluízio Nascimento. “Temos ajuda do clima, com grande incidência de sol o ano todo e colhemos quando o resto do país está na entressafra, com preços mais alinhados ao mercado dos Estados Unidos”.

Nascimento, também produtor rural, é quem contabiliza a safra de novos negócios relacionados à produção agrícola. Segundo ele, apenas nos últimos anos grandes grupos nacionais – como Amaggi, Brasil BioFuels (BBF) e Oleoplan – e locais destinaram mais de R$ 4,2 bilhões em recursos privados para projetos no Estado.

Os negócios têm três eixos principais. Além da produção agrícola, bioenergia e infraestrutura para armazenagem e escoamento, além de serviços, estão entre as oportunidades que têm recebido maior atenção das empresas. E, consequentemente, dinheiro.

A produção de energia a partir de fontes renováveis recebeu cerca de metade desse montante. Aqui, a oportunidade deriva de uma necessidade. Roraima é o único estado não conectado ao sistema integrado de distribuição de energia no País. “Então, optamos por incentivar alternativas”, afirma Nascimento.

A principal delas é o gás natural, que vem do Amazonas, em  arretas próprias da Eneva, que investiu R$ 1,8 bilhão no projeto. Mas as fontes de origem vegetal ocupam espaço cada vez maior na matriz energética do Estado e, recentemente, começaram a operar usinas termelétricas abastecidas por biomassa de acácia e por óleo de palma.

A planta que utiliza a madeira de um reflorestamento a base de acácia pertence à Oxe Energia, que tem entre os investidores o fundo XP Infra III, da XP Investimentos. O projeto, de R$ 365 milhões, prevê um total de quatro plantas, com árvores advindas de uma área de 24 mil hectares de acácia, além de outros 10 mil hectares de eucalipto. Será capaz de gerar 20% da energia consumida em Roraima.

No município de São João da Baliza, local em que o Grupo BBF (Brasil BioFuels) cultiva mais de 15 mil hectares de palma de óleo, inaugurou no ano passado a primeira usina termelétrica híbrida – pode funcionar tanto a base de biomassa quanto de óleo vegetal. Os insumos usados pela unidade são obtidos a partir do processamento do óleo de palma feito pela BBF no mesmo local.

O investimento, de R$ 166 milhões, foi financiado com aporte de um Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro). Os planos da BBF para o estado preveem aumento do cultivo sustentável da palma em 100 mil hectares adicionais até 2026.

O óleo resultante do seu processamento deve ser utilizado como matéria-prima para produzir mais de 500 milhões de litros anuais de Combustível Sustentável de Aviação (SAF) e Diesel Renovável (RD) em uma primeira biorrefinaria para produção de biocombustíveis avançados que está em construção na Zona Franca de Manaus.

O terceiro maior projeto de bioenergia é o da Palmaplan, do grupo gaúcho Oleoplan, pertencente ao empresário Irineu Boff, e deve levar cerca de R$ 100 milhões para Roraimópolis, no Sul do Estado, gerando energia suficiente para abastecer 35 mil famílias.

Soma-se a isso a construção do linhão Manaus-Boa Vista, com investimento de R$ 3,2 bilhões, que aumentará, em 2025, a oferta de energia no Estado.

Saídas pelo Sul e pelo Leste

Empresários locais, como Geraldo Falavinha, dono da maior empresa agrícola de Roraima, também têm aumentado suas apostas. Através do braço agroindustrial do seu grupo, a Serra Verde, construiu um complexo para esmagamento e processamento com capacidade para mil toneladas de soja por dia.

O investimento pode chegar a R$ 500 milhões, com foco nos mercados nacional e internacional. Foi erguido em um terreno de 300 mil metros quadrados às margens da BR-174, rodovia que liga a capital Boa Vista com Manaus, ao sul, e com a Venezuela, ao norte. O grupo Falavinha também é sócio em uma usina de etanol de milho, inaugurada em 2020.

Os produtores do Estado jogam suas fichas na posição geográfica de suas lavouras. Se antes pareciam isolados no Norte do País, com dificuldades logísticas para escoarem sua produção, hoje acreditam ser privilegiados por terem a possibilidade de acessar com maior facilidade e a menor custo/tempo mercados como o americano, caribenho e europeu.

De acordo com Nascimento, novos investimentos permitirão a utilização de duas rotas estratégicas nesse sentido. Uma é pelo Sul, através da hidrovia que une o Rio Branco, que corta Roraima, ao Rio Negro e, a partir dali, o Amazonas.

Ponto central nessa rota é o porto de Caracaraí, a 130 quilômetros de Boa Vista. É ali que a maior trading brasileira de commodities agrícolas, a Amaggi, deve construir um terminal para embarcar os grãos que serão levados, por via fluvial, até Itacoatiara (AM), onde mantém um porto voltado a exportação.

A Amaggi vem investindo há anos na produção de grãos no Estado. Há dois anos, adquiriu por R$ 26 milhões, em leilão promovido pelo governo estadual, um conjunto de silos com capacidade para 27 mil toneladas.

O investimento no novo terminal hidroviário deve ficar em R$ 160 milhões, segundo informações do governo de Roraima. O secretário Nascimento afirma que a rota fluvial deve representar uma economia próxima de US$ 30 por tonelada de soja transportada, com a substituição de caminhões, que teriam de rodar 750 quilômetros até Manaus, por barcaças.

Além disso, os mesmos comboios que levam soja trarão, no sentido contrário, fertilizantes para as lavouras do Estado.

Nascimento aponta entusiasmo semelhante com a rota Leste, que conecta Boa Vista, por rodovia, ao Atlântico. Mais precisamente, ao porto de Georgetown, capital da Guiana.

São 680 quilômetros, dos quais pouco mais de 200 já pavimentados. O governo estadual mantém conversações com o país vizinho para ampliar o trecho com asfalto – outros 120 quilômetros estão em obras de pavimentação, tocadas pela empreiteira brasileira Queiroz Galvão.

Em Georgetown, dois novos terminais estão sendo construídos pelas petroleiras Exxon, dos EUA, e CGX, do Canadá. Por contrato, elas precisam disponibilizar também instalações para sólidos e graneis.

A expectativa de Nascimento é que essa rota esteja inteiramente disponível em seis anos. “É o caminho mais curto para a Europa e o Canal do Panamá”, diz o secretário.

Segundo ele, saindo de Boa vista, seriam cerca de 12 horas de caminhão e mais 4 dias e meio até o canal, enquanto uma carga que sai de Sorriso, no Mato Grosso, via Paranaguá (PR), levaria 44 horas na estrada e mais 13 dias no mar.

“Então, teremos condições de acessar grandes clientes internacionais”, diz Nascimento. Hoje Roraima já exporta para a própria Guiana, Suriname e alguns países caribenhos, mas em pequenas quantidades.

Cerrado do Norte

O atual boom de investimentos não é a primeira tentativa de consolidar Roraima como um importante polo de produção. Na primeira década do milênio, uma primeira carga de recursos foi aplicada no Estado, sobretudo por agricultores vindos de estados do Sul, como o próprio Nascimento.

Os investimentos foram minguando à medida em que ganhavam volume as disputas fundiárias, envolvendo a falta de titulação de terra e as discussões em torno da demarcação de reservas indígenas, como a da Raposa Serra do Sol, uma das maiores do país.

O secretário diz que, hoje, esse é um assunto do passado. Segundo ele, desde que o grupo político que atualmente lidera o Estado – liderado por empresários ligados ao agronegócio, como o próprio governador, Antônio Denarium, agropecuarista e sócio de um frigorífico – reformas nas leis de terras e ambiental eliminarem entraves para a regularização e a escrituração de propriedades rurais, oferecendo mais segurança jurídica a investidores.

“Tivemos mais de um milhão de hectares titulados nos últimos quatro anos”, afirma Nascimento. “A questão fundiária pacificada. Resolvemos aceitar as condições que tínhamos e trabalhar com elas”.

O secretário afirma que os produtores se concentraram na aprovação de uma legislação ambiental que ampliou a capacidade de uso das terras nas demais áreas.

Para isso, a nova lei ambiental valeu-se de um dispositivo previsto no Código Florestal Brasileiro. Pelo fato de o Estado ter mais de 65% de sua área hoje destinada a reservas indígenas ou ambientais, foi possível autorizar a utilização de até 50% das propriedades para produção, diferentemente dos outros estados do bioma amazônico, onde o máximo permitido é de 20%.

Roraima tem uma área total equivalente a 22,5 milhões de hectares. Desse total, cerca de 17% são formados pelo que localmente se chama de “lavrado”, áreas de campos, mais planas, com vegetação típica de Cerrado.

Hoje, apenas 200 mil hectares estão efetivamente sendo utilizados. Por esse motivo, ele tem intensificado contatos com cooperativas de produtores, sobretudo no Sul do País, numa tentativa de levá-los a produzir no Cerrado do Norte. “Em quatro anos, esperamos chegar a 1 milhão de hectares”.

A soja, atualmente, é a maior cultura, com 120 mil hectares. Em 2018, eram 36 mil, um crescimento de mais de 220%. O arroz inundado, que já foi a principal cultura, ocupa 15 mil hectares. O rebanho bovino, nesse mesmo período, saltou de 780 mil cabeças para 1,15 milhão, com três novos frigoríficos abertos.

Isso demonstra a velocidade da expansão na região, onde um hectare custa entre R$ 4 mil e R$ 9 mil.

A produtividade também está em alta. Com mais luz do que na maiorias das regiões produtivas, colhe-se hoje em torno de 60 sacas de soja por hectare, um pouco acima da média nacional e cerca de 20% a mais do que se colhia há cinco anos.

Nascimento, orgulhoso, exibe foto de um boné com imagem que representa um selo de indicação geográfica da soja produzida no Estado. Distinção única no País, ela aponta que o grão da região possui, mais óleo e proteína que os colhidos mais ao sul, segundo certificado pelo Ministério da Agricultura e a Embrapa.

“Somos a melhor fronteira agrícola”, afirma Nascimento. Tem cada vez mais gente pagando para ver.