Há muitos caminhos para investir e crescer. Erasmo Battistella, presidente do grupo gaúcho Be8, não se incomoda em fugir das rotas mais óbvias e seguir por trilhas alternativas, mas com recompensas atraentes.
“Nosso foco é acelerar projetos e olhar para mercados que oferecem oportunidades”, disse Battistella em entrevista ao AgFeed.
Por isso, a companhia - consolidada como uma das grandes produtoras de biodiesel do país quando ainda era conhecida pela marca da BSBIOS - vem ampliando suas apostas em diversificação de mercado, além de priorizar estratégias de negócio que fogem da receita tradicional seguida pelo agro brasileiro.
Somente este ano Battistella anunciou mais de R$ 3 bilhões em investimentos. Os mais recentes são exemplo dessa visão original: a construção da primeira usina de etanol em grande escala no Rio Grande do Sul e de uma planta no Paraguai, com foco em ampliar a produção de biodiesel a ser exportado para uso na aviação e transporte marítimo.
Os projetos, com prazo de maturidade previsto entre os anos de 2025 e 2027, irão turbinar o faturamento da companhia, que prevê mais do que dobrar de tamanho em quatro anos.
A Be8 faturou R$ 9,6 bilhões em 2022, crescimento de 9% em relação ao ano anterior. A previsão é chegar R$ 25 bilhões já em 2027.
“Podemos até triplicar a receita”, afirma Battistella. Além do biodiesel e do etanol, a companhia investe também na produção de farelo de soja, de trigo, gluten vital e glicerina.
A rota para o Paraguai contou com incentivos oficiais. A Be8 obteve em fevereiro deste ano uma concessão que deu características de zona franca ao terreno de 384 hectares onde irá instalar a biorrefinaria Omega Green.
Localizado na cidade portuária de Villeta, a cerca de 45 quilômetros da capital Assunção, o projeto receberá R$ 1 bilhão em investimentos. A previsão é que entre em operação em 2025 e atinja a capacidade anual de até 800 mil litros de SAF, Combustível Sustentável de Aviação, já em 2027.
Segundo Batistella, já há acordos fechados para a venda de 90% da produção projetada junto a grupos como Shell e BP, além de uma grande companhia chilena, não revelada.
“Recebemos um convite para operar no Paraguai, numa região de zona franca que nos ofereceu além de segurança jurídica, condições mais favoráveis para a nossa operação”, explica Battistella.
Segundo ele, além dos custos menores com energia e mão de obra, as condições tributárias deixam o biocombustível produzido no país vizinho 40% mais competitivo que o brasileiro.
O projeto é considerado estratégico para o governo do Paraguai, que estima em US$ 8 bilhões o retorno com exportações, além da geração de empregos diretos e indiretos.
“Essa planta será construída num modelo flex, com capacidade para produzir biodiesel a partir de mais uma matéria-prima”, explica Battistella. A princípio, serão processados ali soja e gorduras animas, matérias primas abundantes em território guarani.
Em janeiro, a empresa já havia adquirido o complexo La Paloma, para o esmagamento de soja e a produção de biodiesel também no Paraguai.
Com capacidade de produzir 7 milhões de litros de biodiesel por ano, a base de óleos vegetais, o complexo tem capacidade de esmagar 50 mil toneladas de soja por ano, produzindo cerca 38 mil toneladas de farelo, casca de soja e óleo vegetal.
Etanol de trigo gaúcho
Outro investimento que foge à regra da agricultura brasileira será realizado no Rio Grande do Sul. Em cerimônia realizada no início de agosto e que contou com a presença de autoridades federais e do estado, a Be8 anunciou a construção de uma usina de etanol em grande escala do Rio Grande do Sul.
A unidade receberá investimentos da ordem de R$ 556 milhões e poderá suprir até 23% das necessidades de etanol do estado, que hoje importa 99% de sua demanda.
A usina será flexível para a produção de etanol anidro (que pode ser adicionado na gasolina) ou hidratado (consumo direto) e terá capacidade de 220 milhões de litros.
O início das obras de terraplanagem na área de 80 hectares está previsto para começar no primeiro trimestre de 2024 e as operações para o terceiro trimestre de 2025. A expectativa é que a nova fábrica possa processar 525 mil de toneladas por ano de cereais.
“O Rio Grande do Sul tem um desafio imenso, por possuir 8% da frota do país e não produzir um litro sequer de etanol”, afirma Battistella, lembrando que até a oferta de etanol na bomba dos postos de combustíveis já é rara no estado.
“O frio não permite o cultivo de cana e o milho não evoluiu porque a produção local é praticamente toda usada como matéria-prima para produção de proteína animal”, explica.
Por isso, a usina de etanol da Be8 no Rio Grande do Sul irá produzir a partir de um mix de matérias-primas, entre elas grãos finos como trigo e triticale – além dos mais tradicionais milho e sorgo.
A estratégia, nesse caso, é ampliar a relação com os agricultores gaúchos, que produzem muita soja no verão, mas ainda subutilizavam suas terras para plantio de uma segunda safra, de inverno. Com a demanda maior por trigo e triticale, acredita Battistella, a área de cultivo aumentaria nesse período.
A opção pelo etanol de trigo já movimentou pelo menos mais um investimento no estado. Orçada em R$ 100 milhões, uma planta construída pela CB Bioenergia na região de Santiago, na fronteira com a Argentina, deve começar a operar em 2024, mas em escala bem inferior à planta projetada pela Be8.
Além do etanol, a planta permitirá à Be8 obter receita com outros produtos de alto valor agregado. Do processamento do trigo, por exemplo, será extraído também o gluten vital.
Muito utilizado na indústria alimentícia para o enriquecimento de farinhas para fabricação de produtos como o panetone, o gluten vital tem sua demanda – de cerca de 30 mil toneladas anuais - atendida quase que 100% por importação. A estimativa é que a planta produza até 35 mil toneladas por ano, capacidade suficiente para suprir o mercado interno e ainda exportar.
A Be8 também vai oferecer ao mercado o farelo residual da produção do etanol. Conhecido como DDGS (Distiller’s Dried Grains with Solubles) ou Grãos Secos de Destilaria com Solúveis (em português), é um importante coproduto do processo de fermentação de grãos, com grande potencial de utilização para produção de rações animais. Serão produzidas 155 mil de toneladas por ano.
Mais demanda por biodiesel
Um terceiro investimento, esse mais convencional, será feito no Paraná. Em junho, a Be8 anunciou, junto ao governo do estado, a intenção de viabilizar investimento de R$ 1,5 bilhão para a construção de uma esmagadora de soja na cidade de Marialva, onde a Be8 já possui uma unidade de produção de biodiesel.
A nova planta terá capacidade de processamento de 5.000 toneladas por dia de soja para produção de óleo, farelos e casca de soja e será destinada à indústria de rações.
O projeto prevê a construção de uma estrutura física de 96.000 m² em área que abrigará armazéns graneleiros, planta de recebimento e beneficiamento de grãos de 20.000 toneladas por dia.
“Em 18 anos de atuação, nosso foco sempre foi o biodiesel”, afirma Battistella, para quem esse é um mercado em ampla expansão e que continuará sendo o foco principal da companhia.
A empresa fez sua primeira exportação para a Europa em 2013. Agora, dez anos depois, estreou a rota de exportação de biodiesel em escala comercial para os Estados Unidos.
Outros mercados foco de exportações são África do Sul, Bangladesh, Bélgica, China, Coreia do Sul, Eslovênia, Espanha, Índia, Itália, Letônia, Países Baixos e Paquistão.
Battistella vislumbra um aumento significativo de demanda, sobretudo depois da decisão recente das maiores companhias de transpor marítimos de implementar políticas de redução de emissões de carbono da sua frota.
Um dos principais pontos será a adição de biodiesel, na proporção de 30%, ao combustível fóssil que hoje movimenta os navios. E a empresa quer se apresentar como um potencial fornecedor, não importando a origem do produto.
Até mesmo da Suíça, onde a companhia negocia e opera biocombustíveis de segunda geração com a produção de biodiesel a partir de óleo de cozinha usado (UCO, na sigla em inglês).
A Be8 quer se posicionar cada vez mais como uma empresa de soluções para a transição energética. Battistella tem sido ativo participante dos principais fóruns nacionais e internacionais para debater políticas de estímulos nesse sentido, com a maior utilização dos biocombustíveis na matriz energética. Há muitos caminhos nesse sentido, como ele demonstra na prática.