Com 65% de market share entre as seguradoras privadas que oferecem apólices aos produtores rurais brasileiros, a espanhola Mapfre também sofreu com os problemas climáticos dos últimos anos e a limitação de recursos dos programas oficiais que subsidiam o seguro rural, mas espera tempos melhores já a partir desta safra que está terminando.

A quebra de mais 20 milhões de toneladas na safra de soja 2021/2022, por exemplo, não deixou saudades para os agricultores e muito menos para as seguradoras, que chegaram a pagar três vezes mais indenizações do que arrecadaram com prêmios naquele ano.

Segundo disse ao AgFeed o head comercial de Agronegócio da Mapfre, Afonso Arinos, a empresa sofreu menos porque tem resseguradora própria, o que trouxe mais segurança, e por já ter um portfólio mais diversificado, com 70 culturas em diferentes regiões do país.

"O mercado estima que o faturamento obtido pelas empresas nos cinco anos que antecederam 2021 foi totalmente perdido com o resultado negativo daquela safra, impactada pelo La Niña”, afirma Arinos. “Isso fez com que muitos até deixassem de atuar no segmento agro”.

Na própria Mapfre a sinistralidade atingiu 350% em 2021, ou seja, para cada R$ 1 arrecadado, foram pagos R$ 3,50. Neste período houve um prejuízo próximo de R$ 1 bilhão.

"Foi uma pancada no setor, mas conseguimos enfrentar este período porque a Mapfre já atua no seguro rural no Brasil desde o início, há 20 anos. Nascemos trabalhando com agro na Europa e já estávamos preparados para momentos assim”, disse o executivo.

Em 2022 a empresa diz ter fechado com sinistralidade de 101%, o que ainda assim, é um resultado negativo, pagando mais indenização do que recebendo o pagamento de prêmios.

Já em 2023 a conta voltou para o campo positivo, à medida que houve uma supersafra e os problemas climáticos ficaram concentrados no Rio Grande do Sul. O índice de sinistralidade baixou para 52%, segundo a empresa.

Um dos efeitos do período de mais sinistros foi o encarecimento do seguro ao produtor rural. Arinos admite que readequação das taxas, recalibradas pelo risco maior, foi uma estratégia para seguir ofertando o seguro em todas as regiões.

Segundo ele, antes de 2021 era possível encontrar taxas de 4%, no ano seguinte a “catástrofe", subiram para até 8% e atualmente, já seria possível contratar por 5,5%, o que sinaliza um retorno gradual para os níveis históricos.

Expansão geográfica

Um dos desafios do setor de seguros é conquistar clientes fora da região Sul, onde está a maior demanda por apólices e também a maior ocorrência de surpresas climáticas, que afetam a produção agrícola.

Arinos diz que a estratégia recente de estabelecer parcerias regionais e criar novos canais de distribuição de seus produtos já vem trazendo resultados.

"Há dois anos a região Sul representava 75% dos negócios. Hoje já baixou para 58%, principalmente pelo avanço no Sudeste e Centro-Oeste”, destacou.

A região Centro-Oeste, que tem Mato Grosso, estado líder na produção de grãos do Brasil, ainda representa menos de 20% do faturamento da Mapfre e o plano é chegar em 50%, segundo Arinos.

Para atingir esta meta, a parceria com revendas como a AgroGalaxy e com programas de relacionamento multimarcas como o Clube Agro é uma das estratégias.

"Também estamos próximos das associações que representam os produtores rurais de maior porte do Centro-Oeste”, diz Arinos. “Estamos desenvolvendo produtos específicos para eles. Não fazia mais sentido oferecer o mesmo modelo que vale para a agricultura do Sul”, revela o head de agro da Mapfre.

O executivo diz que a empresa também está cada vez mais próxima de traders e instituições financeiras que oferecem ferramentas mais modernas de crédito, assim como das agfintechs.

"O mercado passou a ter uma nova consciência sobre o risco do campo e isso é positivo para o nosso setor”, afirmou.

Incertezas na safra 2023/2024

Apesar do descompasso recente, na visão da Mapfre há uma demanda crescente pelo seguro rural no Brasil, em parte consequência desta maior consciência sobre os riscos, que se intensificou após as quebras de safra mais expressivas.

Em 2022 a receita da empresa com seguros ligados ao agronegócio ficou em R$ 1,144 bilhão, o que representou um crescimento de mais de 50%, segundo a superintendente de Seguros Rurais da Mapfre, Catia Rucco.

De janeiro a maio de 2023, de acordo com a empresa, a arrecadação já supera R$ 534 milhões em prêmios.

"No primeiro semestre de 2023 os resultados melhoraram porque a safrinha de milho foi excelente, mas o cenário para os próximos meses ainda traz incertezas em função da queda nos preços das commodities e também do eventual efeito que o El Niño possa trazer", afirma Rucco.

Ela acredita que haverá crescimento em 2023, mas em ritmo menor do que o registrado no ano anterior.

O head comercial, Afonso Arinos, afirma que a perspectiva ainda assim é otimista, porque muitos produtores estão contratando o seguro pela primeira vez e “é um mercado que não vai se retrair, muito pelo contrário".

Ele lembra que atualmente apenas 22% da área cultivada tem seguro no Brasil e que em países como Índia e Estados Unidos este índice chega a 80%.

"No mercado brasileiro de seguros para automóveis, são 50%. Portanto, acreditamos bastante neste potencial de expansão, com seguro rural podendo chegar a 40% nos próximos 10 anos”, disse Arinos.

Modelo de subvenção

As contratações para a safra de verão começaram em julho e há outro elemento de incerteza neste segmento, que é o limite de recursos disponibilizado pelo governo federal para subsidiar o seguro rural.

Catia Rucco concorda com o que vem sendo dito por agentes de mercado em relação ao orçamento de 2023, de pouco mais de R$ 1 bilhão, disponibilizado pelo Ministério da Agricultura. "Devem se esgotar no próximo mês”, confirmou a dirigente.

Ela garante, no entanto, que isso não interrompe as contratações. O produtor faz o seguro e é informado de que, caso o governo não faça uma complementação orçamentária, ele mesmo tem que arcar com 100% do valor do prêmio, o que tem ocorrido com uma certa frequência, já que a demanda supera o valor oferecido em subvenção.

Atualmente, 90% dos seguros contratos utilizam o programa de subvenção do governo. Por isso, há uma expectativa do setor sobre qual será a política adotada no orçamento de 2024.

Em entrevista recente, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse estar "estarrecido ao ser informado de um prejuízo de R$ 3 bilhões entre as seguradoras nos últimos anos".

Ele prometeu iniciar estudos para reformular o modelo de seguro rural no Brasil, que está demandando cada vez mais recursos públicos e ainda assim não atenderia o setor.

Na opinião do head de agronegócios da Mapfre, um dos caminhos seria buscar inspiração em modelos internacionais capazes de incentivar as seguradoras para que atuem em diferentes regiões, assumindo o risco de forma pulverizada.

Arinos se refere ao fato de que algumas empresas acabam oferecendo seguro somente em áreas de menor risco, com taxas mais baixas, o que não seria bom para o produtor rural nem para o mercado como um todo.

"Poderia haver por exemplo um modelo tributário diferenciado para as regiões com maior risco”, afirmou o executivo.