Ninguém tem bola de cristal para saber como vai estar o boi gordo daqui a dois anos, mesmo que se tente fazer, ao menos, projeções especulativas sobre perspectivas exportadoras baseadas no histórico dos principais mercados. Mas com o bezerro em liquidação, a história é outra.

Empurrado pela queda brusca das cotações do animal gordo – que referencia toda a cadeia da pecuária de corte –, o valor das crias desmamadas também entrou em queda livre. No balanço dos investimentos do setor, perde o empresário rural que vive no início da cadeia, gerando bezerros para comercializar com os pecuaristas cujo negócio é engordar e terminar boi, para vender aos frigoríficos.

Estes, por sua vez, se perdem na venda, têm chance de recuperar o capital no futuro, graças às boas oportunidades na reposição da boiada. Tanto que há invernistas, na última ponta do ciclo, que estão aproveitando o momento para entrar na fase anterior.

O ciclo de recria, engorda e terminação dura cerca de dois anos. Assim, o bezerro de 240 kg de hoje no Sudeste e Centro-Oeste ou o terneiro de 180 kg, no Sul, virarão bois em 2025, quando deve estar pesando entre 600 e 400 kg, respectivamente.

No atual cenário, portanto, tem quem não esteja gostando de ver os filhotes desmamados perdendo valor, como criadores do porte de Carlos Eduardo Dias Flores, de Alta Floresta (MT). Ele vendeu crias nelore, no ano passado, por até R$ 3,5 mil. Agora está conseguindo R$ 2,5 mil. “E ainda está bom, perto do mercado”, diz o dono da fazenda Marca 40.

Pois é nesse “mercado” que Luciomar Machado, de Pontes e Lacerda, no Sudoeste do Mato Grosso, comprou, na semana passada, uma “bezerrada” mesclada de 240 kg por R$ 1,9 mil a cabeça. Há 15 dias, estava a R$ 2,3 mil.

Hoje já está a R$ 1,8 mil na sua região, seguindo a rabeira do animal pronto entre R$ 245 a arroba para boi comum, como é chamado o animal usado para abastecer o mercado interno, ou de R$ 255 de boi China, voltado para a exportação. Nos dois casos, os preços estão em baixa.

“É justamente nisso que pensei, comprar agora e trabalhar ajustado, aproveitando que o milho está bem mais barato e o farelo de soja deverá cair mais também”, avalia Machado, não sem antes confirmar para o AgFeed: “Perdi tempo em vender a soja e acredito que possa recuperar o capital perdido com esses animais”.

Nessa conta de bezerro de hoje para boi de amanhã, ainda um tanto obscura, entra a ajuda substancial da nutrição dos animais, custo importante no negócio da engorda. Aqui também o pecuarista desse segmento pode ter algum ganho.

Além de não estar se esperando um inverno muito seco, o que pode garantir que sobrem pastos até setembro no Centro-Oeste, reduzindo gastos com suplementação, a safra de milho nas alturas fez despencar a saca para até R$ 55 (cotação deste dia 25, no futuro de julho na B3), mais ainda com o adicional do farelo de soja e do caroço de algodão em recuo também.

Já na região Norte do estado São Paulo, no Norte do estado, a situação é diferente, mas também com viés positivo para quem faz engorda. Juca Alves, produtor de Barretos e fornecedor regular do Minerva, acredita que o valor dos bezerros cairá mais ainda, porque o frio pode chegar mais forte e “a ventania está secando muito rápido os pastos”. Daí, criador de bezerro precisa vender.

Se não acontecer esse fator climático, o pecuarista acredita que a queda do preço do bezerro virá porque, segundo argumenta, tem muito gado no pasto, de produtor que está segurando para não “entregar de graça para o frigorífico”. Como há limitação de estoque nas fazendas, não vai caber bezerro e boi junto. Então, os criadores vão ter que vender também.

Em Barretos (SP), tem bezerro de genética (ou seja, descendente de animais com origem registrada) mais ou menos a R$ 1,6 mil – ou até menos se for de origem comum –, contra pouco mais de R$ 2,1 mil de pouco tempo atrás.

Mas nem só de bezerro barato vive o produtor da recria. Há os custos adicionais de manutenção da propriedade, por exemplo, para os quais Juca Alves chama a atenção. Tanto que ele admite não estar comprando nada atualmente.

Como cada caso é um caso, em Santana do Livramento, na fronteira gaúcha-uruguaia, Dartagnan Soares Carvalho afirma que vai testar a recria só de machos em parceria com outro produtor. Em sua propriedade, ele faz ciclo completo de genética hereford e bradford.

“Quem tem uma boa entrada de comida, vai migrando da cria para a recria aqui no Sul”, conta o pecuarista, que viu os terneiros e terneiras perdendo de R$ 5 a R$ 6 por quilo em pouco tempo, indo bater em R$ 10 e R$ 9,50.

Nessa toada, do Sul ao Norte, tem gente até mesmo vendendo vacas, normalmente reservadas para o processo de cria, para o abate. É o caso de Marcos Jacinto, de Canarana, no Leste do Mato Grosso. Segundo ele, não está compensando mantê-las depois do último ciclo de desmame com a perda de capital do resultado dessas matrizes, os bezerros baratos.

Jacinto está no ciclo completo, de modo que vai mitigando os riscos atuais e futuros com as pontas da recria e da invernada. Mas afirma que perder cerca de R$ 5 por quilo de um bezerro custando R$ 10 atualmente, é muita coisa.

Dias Flores, do Marca 40, que afirma ainda estar conseguindo um valor acima da média do mercado, também ao menos comemora o fato de ter feito os gastos necessários na fazenda na época certa (de bezerro a R$ 3,5 mil).

Contudo, muitos não estão na mesma situação, especialmente aqueles que arrendaram parte da propriedade para agricultores, o que não é o caso dele.

Francisco Manzi, superintendente da Associação dos Criadores do Mato Grosso (Acrimat), observa as duas pontas do negócio, a do recriador, que pode aproveitar o momento, e a do criador, que está meio apurado: “É isso mesmo”.