Governo federal e setor privado desenham uma proposta de financiamento específica para os insumos biológicos no Plano Agrícola e Pecuário 2023/2024.
A ideia é ampliar as linhas de crédito para esse setor que cresce dois dígitos e movimenta entre R$ 3 bilhões e R$ 5 bilhões por ano.
Com o financiamento, deve crescer também no País a taxa de utilização dos bioinsumos não químicos, hoje em 20% nas grandes culturas brasileiras e em 55% em algumas lavouras.
Os recursos com juro controlado (e barato) para a aquisição de insumos biológicos até estiveram disponíveis nas linhas do Plano de Agricultura de Baixo Carbono (ABC).
Mas, de acordo com a indústria e produtores, poucos viram “a cor do dinheiro”, já que o financiamento não saiu no atual Plano Safra.
Além disso, a criação de uma linha específica para os bioinsumos poderia se transformar em um problema burocrático para os bancos libertadores de crédito agrícola.
“Essa questão vai ser levada ao Plano Safra, é uma determinação do ministro e da política do governo federal que preza pela sustentabilidade”, afirma Luis Rangel, secretário-executivo na Câmara Setorial de Insumos do Ministério da Agricultura.
“Toda nova política pública gera, no entanto, expectativa ao mercado e o fato de ter mais recursos com esse rótulo só cria uma obrigação acessória a mais para o banco e seus programas de compliance, o que pode gerar um efeito inverso”.
Principal representante da indústria nas negociações, a CropLife Brasil tem a mesma posição em relação ao programa de financiamento para os bioinsumos.
A entidade prepara arcabouço técnico e estudos para fomentar o crescimento do financiamento para o setor e desatar o possível nó gerado nas instituições bancárias.
“Os desafios são a questão financeira e não ter risco”, comenta Amália Borsari, diretora-executiva de Biológicos da CropLife Brasil.
Na atual safra, os poucos recursos liberados para o fomento do setor foram para agricultores comprarem equipamentos e produzirem os bioinsumos nas propriedades rurais, processo denominado de “on farm”.
Outra demanda da CropLife Brasil, é que o financiamento atinja também o setor regulado, ou seja, as grandes companhias.
A unanimidade sobre o necessário crédito agrícola para os bioinsumos se forma com a avaliação dos produtores. Guilherme Rios, assessor técnico da Comissão Nacional de Política Agrícola da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), reforça que essas linhas de custeio só foram oferecidas no Plano ABC e no Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf).
“A criação de linhas específicas - e o governo neste ano tratará essa questão de agricultura sustentável - é para financiar uma alternativa barata e eficiente”, diz.
“Dados mostram que o Brasil economiza US$ 16 bilhões só com fixação de nitrogênio nas lavouras com a troca de adubos nitrogenados químicos por insumos biológicos”.
Polêmica "on farm"
A produção de defensivos, fertilizantes, estimulantes e outros insumos de origens vegetal ou animal ocorre há muito País e ganhou força com o controle biológico de pragas, principalmente em lavouras orgânicas e nos canaviais de usinas.
Mas essa produção “on farm” é um ponto de divergência entre elos da cadeia.
Do lado dos agricultores, a CNA defende mais liberdade e mais segurança jurídica para o produtor fabricar seu próprio bioinsumo. Do outro, a CropLife Brasil pede maior regulação no setor e mais rigidez na fiscalização.
“A produção ‘on farm’ sempre existiu e o modelo de negócio foi se aperfeiçoando. Há questões (da indústria) como o risco não medido, a falta de controle de qualidade, e se existe contaminante” explica Rangel, do Mapa.
“Por outro lado, não é bem verdade que não remunera a tecnologia e não tem proteção de dados. O modelo de negócio tem que ser discutido e, se necessário, revisto”.
Outra demanda da indústria, além da regulação da produção nas fazendas, é justamente a propriedade intelectual sobre os produtos, o que dificulta o patenteamento de produtos de origem natural.
Enquanto alguns sustentam que o uso de um produto originado em um vegetal ou animal já existente não pode ser patenteado, a CropLife Brasil cita todo o processo de pesquisa e descoberta da eficiência por trás do insumo.
“Há a necessidade de manter esse recurso e da pesquisa ativa e o Brasil está bem atrás nessa questão de propriedade intelectual. Não adianta ser país de bioeconomia se não tiver retorno”, afirma Amália Borsari, da CropLife Brasil.
Outros Gargalos
Problema menor que a falta de crédito, outro entrave no setor é o caminho dentro do governo para o registro de novos produtos.
Apesar de as regras de registro passarem pelo mesmo crivo triplo - Ministério da Agricultura, Anvisa e Ibama - uma nova fórmula de um bioinsumo enfrenta prazo menor do que a de um insumo químico para chegar ao mercado.
Desde o começo da primeira década deste século, explica Rangel, a pressão da Embrapa e de empresas deu certo e surgiu uma legislação “infralegal, ao ponto de que hoje um bioinsumo chega ao mercado em 90 dias, enquanto que um químico demora 3 anos, para genéricos a 8 anos para novos”, afirma.
“Tem um pouco de gargalo, mas um produto de defesa vegetal biológico no Brasil tem um ‘fast track’ determinado por decreto e resoluções normativas e não há necessidade de todo pacote toxicológico do químico”, completa Amália, da CropLife Brasil.
Mesmo com os problemas inerentes a quaisquer lavouras, o mercado de bioinsumos tem um caminho de forte crescimento. A consultoria IHS Markit projeta altas de 35% no setor até 2025 e de 25% para o período 2025 a 2030.
O Brasil, líder global também em bioinsumos, deve gerar uma receita de R$ 17 bilhões anual em 2030, um crescimento exponencial sobre o R$ 1 bilhão de 2020.