Após um dia de agenda cheia entre Brasília e São Paulo, onde esteve acompanhado do vice-presidente da República Geraldo Alckmin e de empresários do setor, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, recebeu o AgFeed na sala VIP de um espaço de eventos da capital paulista.

No mesmo local, tinha acabado de encontrar o empresário e aliado Blairo Maggi, além do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Havia um clima de tensão no ar, após Fávaro ter anunciado que não visitaria a Agrishow, principal feira do setor de máquinas agrícolas do país.

A decisão reflete um momento de divisão entre lideranças do agronegócio, que perdura desde a eleição presidencial do ano passado. Ministros da agricultura e até o presidente da República tradicionalmente são os convidados de honra da cerimônia de abertura da feira, que deveria ter acontecido nesta segunda, 1º de maio.

Este ano, no entanto, Fávaro diz ter recebido do presidente do evento, Francisco Maturro, a recomendação de ir ao evento apenas no segundo dia para evitar constrangimentos com a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro, convidado pelo governador e lideranças locais.

Interpretada como um “desconvite”, a recomendação resultou no cancelamento da ida do ministro à Agrishow. E posteriormente, com a repercussão negativa do episódio, na não realização da própria cerimônia de abertura por decisão dos realizadores.

“O Brasil ainda está rançoso, ácido, às vezes até inconsequente”, afirmou Fávaro na entrevista exclusiva ao AgFeed. A pacificação do setor é uma das bandeiras da gestão do ministro, assim como a venda de uma imagem mais positiva do agronegócio brasileiro no Exterior, com a implantação de medidas de incentivo à produção sustentável no campo.

Em todas essas frentes, um dos principais instrumentos para ação de Fávaro é o Plano Safra. A equipe do ministro garante que uma coisa já é certa: o Plano Safra 2023/2024 terá volume total de recursos maior e taxas de juros mais baixas do que foi oferecido ano passado durante a gestão de Jair Bolsonaro. O plano passado ofertou R$ 340 bilhões e este ano as lideranças do agro têm solicitado que o valor fique acima de R$ 400 bilhões.

Na entrevista, além de um desabafo sobre a questão da Agrishow, Fávaro explica alguns dos condicionantes para que o produtor rural possa optar por ter redução na taxa de juros ou aumento do limite do financiamento estabelecido em cada linha de crédito. Confira a seguir:

Quando assumiu o ministério em janeiro, o senhor falava sobre algumas prioridades para a gestão. Uma delas era desenvolvimento sustentável e outra era "a pacificação do agro". Neste tema está mais difícil avançar?
Estamos em busca desta pacificação. O que eu tenho dito é que para nós – para mim como ministro, e para o presidente Lula – a eleição acabou. Todos aqueles homens e mulheres que quiserem olhar para frente, trabalhar pela agropecuária brasileira, somar esforços para que sejamos cada vez mais competitivos, terão um ambiente muito favorável dentro do nosso governo e serão muito bem-vindos. E depois a nova eleição é lá em 2026 e todo mundo dentro da democracia tem direito de escolher seu candidato, pedir voto, apoiar inclusive financeiramente aqueles que queiram. É normal e princípio da democracia, mas agora é trabalhar.

Nem todo mundo parece ouvir essa mensagem…
Eu venho fazendo este chamamento e com muito boa aceitação, todos os dias. Na quarta-feira [26 de abril], por exemplo, reuni 34 entidades dos mais variados setores, que estiveram juntas na mesma sala, mostrando suas dificuldades, pleiteando melhorias no Ministério da Agricultura (Mapa). No dia seguinte, fizemos um café da manhã com toda a diretoria e o presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), que veio trazer as propostas ao Ministério de um novo Plano Safra. Elas serão muito bem-vindas , vamos incorporar às propostas do Mapa. Em seguida, fizemos um evento convidando todos os ex-ministros da pasta para que pudessem mostrar a parlamentares, entidades de classe e jornalistas que estavam presentes, que este agro forte, que gera emprego e gera muita abundância de alimentos para o Brasil e para o mundo, não é obra de uma pessoa só.

"O Brasil ainda está rançoso, está ácido, às vezes até inconsequente"

Eles foram receptivos?
Cada ex-ministro teve a oportunidade de contar um pouco como foi no seu tempo, quais os desafios, quais foram as dificuldades, e quais os incrementos que pode fazer com sua equipe para trazer o agro até agora. No final convidei todos para que, neste período que estou no ministério sejam meus conselheiros, que me ajudem, estejam do meu lado. Portanto há um esforço muito importante e muito receptivo para que possamos superar estes momentos que o Brasil vive de animosidade, de ranço, que se instalou na sociedade. E, assim, possamos trazer de volta a alegria do povo brasileiro, o respeito à diversidade, o respeito a quem pensa diferente de você. Este é um desafio, mas que vou cumprir com muita determinação e estou feliz pelos resultados já alcançados.

O episódio da Agrishow mostra que ainda há muito o que fazer no aspecto da pacificação. Como evitar outros episódios como esse?
Reforço o que eu estava dizendo: o Brasil ainda está rançoso, está ácido, às vezes até inconsequente. Eu conversei com o governador Tarcísio pessoalmente e já tinha falado longamente por telefone sobre este episódio. Ele reiterou que era importante eu estar lá. Mas quero deixar claro que não foi uma questão de birra, de dizer que, se disseram isso, agora não vou de jeito nenhum. Não, não é isso. O que eu demonstrei para ele e a todos os outros que me pediram para ir é que a gente poderia perder o controle da situação. As coisas, como foram postas, não estavam mais sob o controle do governador ou do presidente da feira. Daqui a pouco iriam dizer assim: se vem é porque veio e pode ser hostilizado e se não vem é porque não veio. Então achei melhor a gente cumprir este momento com tranquilidade.

“Não foi uma questão de birra, de dizer agora não vou de jeito nenhum.(...) As coisas, como foram postas, não estavam mais sob o controle do governador ou do presidente da feira.”

O que aconteceu de verdade?
O fato real é que o presidente da feira me ligou pedindo para que eu não fosse na abertura. Disse que um dia importante para eu ir era o dia 2, um dia depois de ter sido aberta (fala rindo), porque no primeiro dia iria lá o ex-presidente, iria o governador, mas no dia 2 tinha um evento muito mais importante do que a abertura... Eu entendi muito bem o recado. Compreendi, me coloquei no meu lugar e por isso decidi não ir à feira. Mas desejo que a Agrishow continue sendo o grande sucesso das feiras comerciais brasileiras, que venda muito, que gere oportunidade, que gere informações aos produtores, cumprindo este belo papel na agropecuária brasileira.

No pilar da sustentabilidade, vem aí o Plano Safra. O senhor tem dito que todo o plano desta vez será ABC (no modelo da linha existente Agricultura de Baixo Carbono). Teremos realmente todas as linhas de custeio com “prêmios" para o produtor que tiver boas práticas?
Todas, exatamente, isso é importante desmistificar. Quando eu digo que todo o plano safra será de baixo carbono é importante explicar para as pessoas, para que ninguém entre em colapso, em aflição, dizendo assim: e agora? O que vão me impor a fazer para que eu possa acessar recursos do plano safra? Não, não se preocupe, nós não queremos punir ninguém, ao contrário. Queremos é premiar a nossa agropecuária, porque é um reconhecimento.

Como será esse reconhecimento?
O trabalho está sendo feito junto com o Ministério do Meio Ambiente e com a ministra Marina Silva, e toda sua equipe, é o que nós vamos demonstrar. Hoje só é considerado ABC quem toma crédito para uma linha específica do Plano Safra chamada ABC. É por exemplo quando se toma recursos para fazer uma recomposição de uma APP [Área de Preservação Permanente], quando se toma para fazer recomposição de uma reserva legal. Então, são muito poucas linhas de crédito. Mas ABC é muito mais que isso. A imensa maioria dos produtores brasileiros tem boas práticas de sustentabilidade, práticas de redução de carbono e de neutralização de carbono. Desta vez, então, o Plano Safra vai premiar isso. Você tem tal prática? Então vai ter um pouquinho menos de juro ou vai ter um pouco mais de limite.

“Desta vez, então, o Plano Safra vai premiar as boas práticas de sustentabilidade. Você tem? Então vai ter um pouquinho menos de juro ou vai ter um pouco mais de limite”

Para ter este juro menor e limite por transação mais alto, que tipo de práticas poderão ser consideradas?
Eu, por exemplo, sou produtor. Agora eu avancei mais ainda, tenho plantio direto, faço o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Então, vai haver um benefício porque você já faz boa prática de neutralização de carbono. Outro exemplo, porque ainda não definimos as regras: se eu utilizo 20% de [insumos] biológicos nos tratos culturais e estes 20% forem comprovados por notas fiscais, vou ter mais uma taxinha de juro mais barato ou ampliação do crédito. O mesmo vale se eu tenho rastreabilidade na minha propriedade. Se eu demonstro tudo a todo o mercado, é uma melhoria também. Então nós vamos criar induções para que cada vez mais os nossos produtores tenham todas as melhores práticas de sustentabilidade. O plano será um indutor para que, num futuro muito próximo, na nossa expectativa, a agropecuária brasileira seja reconhecida mundialmente como uma produção sustentável, que respeita o meio ambiente.

O senhor esteve com o vice-presidente Geraldo Alckmin, que acabou ficando responsável pelo Plano Nacional de Fertilizantes, embora o Ministério da Agricultura também tenha sido chamado para fazer parte. Teremos o anúncio em breve deste plano?
Estamos trabalhando, temos um grande desafio. Tem muita coisa acontecendo, está para sair. Mas ele vai estar conduzindo, para que nós tenhamos sucesso na busca não da autonomia, mas na diminuição da dependência da importação de fertilizantes.

Como avalia o que foi feito até agora?
Acho que mais do que a pacificação do agro, a prioridade é a retomada do reconhecimento mundial de que o Brasil é um grande produtor de alimentos e que faz isso com o uso de boas práticas no campo. Nós não podemos deixar o Brasil mundialmente com a "pecha" de que produz muito alimento em detrimento da floresta amazônica, que desmata tudo, que destrói tudo, o que não é verdade.

Como mudar essa imagem?
Nós vamos trabalhar muito o legado que já existe. Encontrei um ministério muito bem gerido pelos ex-ministros que me antecederam, pelas equipes técnicas, com gente muito competente, que não terá mudanças nesta linha de atuação. O ministério vai continuar cumprindo seu papel, desenvolvendo planos safra cada vez mais eficientes e buscando a melhoria das políticas públicas para atender todo o setor. Por outro lado, vamos trabalhar na produção sustentável.

Essa será a marca da sua gestão?
Ao final do meu período no ministério, quero ser reconhecido como um ministro contemporâneo, que conseguiu demonstrar isso ao mundo que nossa tarefa é nada além (de fazer) com que estas boas práticas que já são adotadas pela maioria dos produtores se ampliem para a totalidade da produção brasileira, com rastreabilidade, com critérios bastante técnicos de produção, com a incorporação de novas tecnologias, de algoritmos a favor da produção, com ganho de competitividade e produtividade. Esse é o legado que gostaria de deixar.