É consenso entre agentes de mercado que as boas práticas ambientais e sociais são tão ou mais importantes hoje para uma grande corporação que os próprios resultados financeiros. Até porque uma comprovação de irregularidade pode inclusive custar boa parte dos lucros de uma empresa.
Por isso, a Sociedade Americana Missionária da Igreja Batista (ABHMS, na sigla em inglês), acionista da gigante americana da proteína animal Tyson Foods, anunciou nesta segunda-feira, dia 8, uma proposta a ser votada na assembleia anual de acionistas da empresa, marcada para o dia 8 de fevereiro.
A entidade vai colocar em pauta a criação de uma comissão independente para investigar as acusações de que crianças, especialmente migrantes, foram vistas trabalhando em turnos noturnos em plantas da Tyson.
Em setembro do ano passado, grandes veículos de imprensa dos Estados Unidos, como o The New York Times, noticiaram que o Departamento de Trabalho abriu um inquérito para apurar as alegações, que foram levantadas pela The New York Times Magazine.
As reportagens citam também a Perdue Farms, outra grande produtora de carnes nos Estados Unidos, nas investigações sobre uso de trabalho infantil. Juntas, as duas empresas respondem por um terço da carne de aves consumida naquele país.
Em setembro, respondendo à matéria do NYT, a Tyson alegou que não evitaria assumir suas responsabilidades no caso da Packers Sanitation e que colaboraria com todas as investigações. Além disso, a companhia disse que estava com 40% de sua força de trabalho de limpeza em plantas de abate contratada diretamente, e que pretendia ampliar essa proporção.
No documento em que pede a inclusão da formação da comissão independente, a ABHMS cita que o Departamento de Trabalho encontrou sete casos de trabalho infantil em plantas da Tyson nos estados de Arkansas e Tennessee.
“Segundo as investigações, as crianças trabalhavam durante a noite em funções perigosas, inclusive com o uso de produtos químicos cáusticos e limpeza de equipamentos de processamento de carnes”, diz a sociedade no documento.
Uma outra investigação do Departamento de Trabalho chegou à Packers Sanitation Services, com mais de 100 crianças trabalhando em serviços de limpeza em várias plantas de granjas nos EUA. A empresa foi multada em US$ 1,5 milhão, mas a investigação não chegou às grandes corporações.
A entidade, que conta com o apoio de mais seis acionistas da Tyson na apresentação do tema, alega que mesmo com as investigações em andamento, há uma preocupação sobre a dimensão do problema dentro da empresa. “Há um temor de que essas descobertas sejam só o começo”.
A associação lembra de um compromisso já assumido pela Tyson Foods em 2021, e que até agora não foi cumprido.
Na época, segundo a Sociedade Batista, a pandemia de Covid-19 provocou uma “relação abusiva” da companhia com seus funcionários, especialmente com os negros.
Ao ser contestada por esse abuso, a Tyson se comprometeu a montar uma Auditoria de Equidade Racial. O grupo independente seria formado até o final de 2022. “De abril de 2023 até agora, os investidores não receberam qualquer atualização sobre a Auditoria, o que nos faz questionar o comprometimento da Tyson com o tema”, diz a ABHMS.
Já em agosto do ano passado, a mesma entidade arquivou uma proposta relacionada ao trabalho infantil, alegando que esse ponto é sintoma de um padrão mais amplo de relações trabalhistas abusivas na empresa.
“A proposta - baseada no argumento de enorme risco reputacional e financeiro - para a Tyson e seus acionistas significa um convite para examinar profundamente o modelo de negócios e fazer as alterações necessárias para contribuir com um futuro mais igualitário e sustentável, sem crianças precisando trabalhar ilegalmente e com riscos à saúde”, diz a associação.
Na proposta, ao falar como investidora, a ABHMS lembra que a própria prática de trabalho infantil já traz grandes riscos materiais. Mas em um cenário mais amplo, as más condições de trabalho já afetam a lucratividade de uma grande empresa.
“As más condições de trabalho estão diretamente ligadas a menor produtividade, maior rotatividade de funcionários, mais lesões trabalhistas, e a um declínio geral da performance financeira”.
A Sociedade Batista não chega a citar nominalmente os resultados da Tyson, mas o ano de 2023 foi bastante difícil para a companhia.
As vendas tiveram quedas marginais, mas a empresa registrou prejuízo operacional de US$ 463 milhões no quarto trimestre de 2023, ante lucro de US$ 766 milhões no mesmo período de 2022. Em todo o ano passado, o prejuízo foi de US$ 395 milhões, contra lucro de US$ 4,4 bilhões em 2022.
A ABHMS ressalta que em resposta aos questionamentos, a Tyson alega que encerrou o contrato com a Packers Sanitation Services em algumas de suas plantas, mas sem apontar quais. A entidade inclusive cita a JBS como contraponto, já que a companhia brasileira cortou todas as relações com a empresa acusada de empregar trabalho infantil.
Na sua conclusão, a entidade afirma que a Tyson não consegue tratar de forma mais efetiva o problema das relações de trabalho como uma origem da utilização ilegal de crianças nas suas plantas.
“A empresa não consegue comunicar o que tem feito para melhorar as condições de trabalho, e não deu qualquer indicação de que está conduzindo as políticas de igualdade racial”, finaliza.