Assim como ocorreu no passado com a soja e o milho transgênicos, produtores e empresas de semente da América Latina apostam no avanço da biotecnologia para seguir aumentando a produção.

Na semana passada o Paraguai foi mais um país a aprovar o cultivo e a venda do primeiro trigo transgênico comercial do mundo, o HB4, desenvolvido pela argentina Bioceres e que tem parceiros no mercado brasileiro.

"No Brasil o processo começou com consulta pública, tivemos primeiro a aprovação do consumo do trigo com esta tecnologia e em abril deste ano foi concluída a aprovação do plantio comercial", explicou Alexandre Garcia, head de sementes da Bioceres, em conversa com o AgFeed, logo após participar de um painel sobre biotecnologia no World Agri-Tech, South Summit, em São Paulo, esta semana.

Ele afirma que campos experimentais estão sendo cultivadas, em parceria com algumas empresas, principalmente em áreas de Cerrado – Goiás e Minas Gerais, mas também na região Sul do Brasil – Paraná e Rio Grande do Sul.

"Por enquanto as sementes estão em fase de testes, não pode vender, porque para isso é necessário um registro no Ministério da Agricultura, o que demanda dois anos de testes”, diz Garcia.

Segundo ele, estão sendo escolhidas quais variedades serão registradas. "A área não foi tão extensa porque aprovação saiu em abril, era necessário importar as sementes, no próximo ano o trabalho de campo vai ser bem mais robusto”, avalia.

O plantio comercial de lavouras de trigo transgênico, por parte dos produtores rurais, Garcia acredita que deve ocorrer em 2026, desde que as sementes da safra 2025 já sejam vendidas, após todas as etapas regulatórias.

O tema é polêmico porque, ao longo do processo de aprovações no Brasil e na Argentina, diversas entidades se posicionaram contra o avanço da tecnologia, alegando falta de estudos sobre os riscos para a saúde humana.

O fato é que quando a soja transgênica chegou no Brasil – hoje representando quase a totalidade da produção por aqui – também veio pela rota dos argentinos.

Na época, foi chamada de "soja maradona”, que começou a ser multiplicada no Rio Grande do Sul, pela proximidade com a Argentina, onde já estava aprovada.

No Brasil o processo de aprovação foi longo e polêmico também para a soja, no início dos anos 2000, mas a consolidação do plantio e consumo entre os principais players mundiais acabou levando a uma adoção abrangente mundialmente.

A Bioceres prefere não comentar o potencial de mercado para o trigo transgênico, alegando que vai depender muito do resultado de cada variedade.

"O apelo para o produtor é você conseguir cultivar o trigo em condições que antes eram limitantes, como por exemplo, fazer uma segunda safra com o cereal no Cerrado", destaca o executivo da Bioceres.

Já nas regiões tradicionais de trigo, como no Sul do Brasil, a tecnologia promete oferece uma maior possibilidade de manter a produtividade em condições climáticas desfavoráveis, como falta de umidade e alta temperatura.

Parceria com a Embrapa

No Brasil os testes da Bioceres são feitos por meio de parceria com a Embrapa e também com a TMG, empresa que apresentou os pedidos de autorização junto aos órgãos regulatórios.

O AgFeed conversou sobre as perspectivas da nova tecnologia com o chefe geral da Embrapa Trigo, Jorge Lemainski. Ele está otimista com o crescimento da produção no Brasil, que poderá ser autossuficiente em trigo em até 5 anos e acredita que a biotecnologia tem um papel fundamental neste processo, já que facilita o plantio nas áreas de Cerrado.

Lemainski, porém, tem prazos mais cautelosos em relação ao início do plantio em larga escala nas lavouras.

"Em 2022 fizemos o ensaio localizado no Distrito Federal para selecionar indivíduos com o gene introgredido, HB4, do girassol e este ano estamos testando 5 cultivares da Embrapa", explicou.

Jorge Lemainski disse que a expectativa é de que no prazo de 3 anos a Embrapa possa realmente atestar os resultados sobre o gene HB4 em tais ambientes, verificando a capacidade que vem sendo observada de produzir bem, com menos água.

Somente depois disso o próximo passo seria produzir sementes em maior volume para que os produtores rurais possam adquirir e plantar nas diferentes regiões. "É uma questão para 4 ou 5 anos", estimou. A Embrapa diz que a área experimental em parceria com a Bioceres está concentrada no DF e que “é muito pequena ainda”.

Mercado argentino

O trigo HB4 foi desenvolvido pela Bioceres na Argentina a partir de um gene de girassol, que levou à característica de maior resistência à seca.

O país tem enfrentando estiagens severas nos últimos anos, especialmente no período em que predominou o fenômeno La Niña, com quebras de safra consecutivas.

Na Argentina estão cultivados pelo menos 50 mil hectares do trigo geneticamente modificado "mas ainda em sistema 100% fechado, chamado de identidade preservada”, disse Garcia.

A demora em expandir a produção e a comercialização se deve ao processo de aprovação nos países que importam o trigo argentino. Os maiores compradores, Brasil e Indonésia, já aprovaram o uso da farinha de trigo com cereal transgênico.

"Mas nos EUA, por exemplo, existe um entendimento de que em todo o país que compra 5% ou mais precisa estar aprovado. Todos que compram 5% do Brasil e da Argentina já aprovaram, mas tem alguns que compram 4%, que estamos esperando”, informou.

Para sair do sistema fechado, a empresa estaria aguardando o sinal verde de países como Filipinas e Marrocos. "Mas acreditamos que no ano que vem este trigo já estará saindo direto para o consumidor”, prevê Garcia.