“Não vender açúcar orgânico para os Estados Unidos torna nosso projeto inviável.” É assim que um preocupado Leontino Balbo Júnior, criador da Native, empresa do grupo sucroalcooleiro Balbo que é uma das maiores produtoras de açúcar orgânico do Brasil, resume a perspectiva atual de seus negócios sob a sombra da taxação proposta pelos Estados Unidos, que pretendem adicionar um imposto de 50% sobre todos os produtos importados do Brasil a partir do dia 1º de agosto.

Hoje, a Native comercializa seus produtos em 74 países de diferentes continentes, mas o principal mercado ainda é o americano.

Somente no ano passado, a Native enviou, para clientes dos Estados Unidos, 44 mil toneladas de açúcar orgânico, volume que representa mais da metade de toda a sua produção, estimada em cerca de 88 mil toneladas.

A cana é processada na Usina São Francisco, localizada em Sertãozinho (SP), unidade dedicada exclusivamente à industrialização da cana-de-açúcar para produção orgânica e com capacidade de moagem de 1,5 milhão de toneladas por safra.

"Os Estados Unidos têm um mercado tão pujante e crescente de orgânicos que temos de vender 50% de toda a nossa produção de açúcar orgânico como ingredientes para chocolates, sorvetes e iogurtes orgânicos", explica Balbo.

Os americanos importam a maior parte do açúcar orgânico que consomem.

No ano passado, os Estados Unidos trouxeram 268 mil toneladas de açúcar orgânico de outros países, sendo que 44% do total (cerca de 117,9 mil toneladas) vieram do Brasil, quase metade das 249,6 mil toneladas de açúcar orgânico brasileiro produzidas na safra 2024/2025.

Logo após o Brasil, Paraguai, Argentina e Colômbia aparecem com fatias menores do bolo, segundo informações da Organic Trade Association (OTA), entidade global do mercado de orgânicos.

Ao mesmo tempo, também em 2024, o mercado de orgânicos certificados pelo USDA, o departamento de agricultura dos Estados Unidos, movimentou US$ 73 bilhões nos Estados Unidos, segundo Balbo.

“E esse mercado está crescendo 5% ao ano, enquanto que o mercado de alimentos convencionais dos Estados Unidos cresce 2,5%, ou seja, ele está crescendo duas vezes mais que o mercado de alimentos convencionais”, calcula.

Em termos de açúcar, segundo Balbo, isso significa um aumento de demanda anual de 15 mil toneladas e, em quatro anos, 60 mil toneladas.

“Nós, da indústria de açúcar orgânico, fizemos investimentos em fábrica de açúcar, conversão de mais fazendas. foram centenas de milhões de reais nos últimos cinco anos para nos preparar para atender isso e são investimentos cujo retorno se dá em médio e longo prazo”, estima Balbo, que agora vê o retorno ameaçado pelas mudanças comerciais.

No curtíssimo prazo, o criador da Native espera que seus clientes nos Estados Unidos continuem adquirindo açúcar.

"Até setembro ou outubro, não deve acontecer muita coisa. Nossos distribuidores fazem um trabalho de inteligência de mercado e procuram saber como os outros fornecedores estão de estoque. Ficamos sabendo que não há estoque dos outros países", afirma. "Ou seja: se as indústrias de alimentos não quiserem parar, vão ter que pagar."

O criador da Native conta que os distribuidores estão abordando as indústrias e ouvindo a seguinte resposta: “Por três ou quatro meses, vamos pagar, mas depois não sabemos o que vai acontecer", afirma.

Além da taxação de 50% proposta pelo governo americano, os Estados Unidos também fizeram uma alteração recente nas cotas especiais, resultando em mais de US$ 85 milhões em tarifas adicionais sobre as importações de açúcar orgânico.

Até então, o país vinha permitindo a entrada de até 250 mil toneladas de açúcar orgânico sem a necessidade de pagamento de imposto de importação.

Para 2026, o governo americano não vai abrir essa cota, fazendo com que os produtos brasileiros sejam taxados. “Imaginando que já tem esse imposto e que vão colocar 50% em cima, nosso cálculo é de que a taxa chegue a 98%”, estima Balbo.

Outros países concorrentes do Brasil no açúcar orgânico, como Paraguai e Colômbia, também serão taxados, mas com menor intensidade, já que ambos enfrentam tarifas recíprocas de apenas 10%.

“Se aumentar em 50%, vai aumentar o preço do açúcar orgânico em US$ 400 lá nos Estados Unidos. Nossos concorrentes vão aumentar em US$ 200 o preço deles, aumentar a margem deles brutalmente e vão ganhar muito dinheiro, porque hoje a margem está baixa, eles vão passar a ter uma margem alta e o importador do produto deles vai pagar US$ 200 a menos”, estima Balbo.

Assim, as dúvidas para o médio e longo prazo se intensificam. Balbo diz que ainda não é possível estimar o impacto financeiro que a taxação pode trazer à Native e ao Grupo Balbo como um todo.

No ano passado, o faturamento da Usina São Francisco foi de mais de R$ 2 bilhões, segundo Balbo. Só com a comercialização de produtos orgânicos foram R$ 528 milhões, totalizando 111 mil toneladas de vendas – somando açúcar, café, álcool orgânico neutro e demais produtos de varejo.

"A gente vai depender das informações que os nossos distribuidores vão estar coletando junto a esses clientes. Acredito que, no fim de setembro e no começo de outubro, eu tenha uma fotografia bem mais precisa", afirma.

Balbo teme, no entanto, que o portfólio da Native, com mais de 100 itens, seja afetado com a retração das importações americanas. Hoje, a empresa dos Balbo não vende apenas açúcar, mas também cafés, chás, sucos, azeites, cereais e massas, entre outros produtos.

Sem as vendas para os Estados Unidos, as despesas da Native com seu portfólio aumentariam consideravelmente. “Pela falta do mercado americano, se faltar 40 ou 45 mil toneladas de açúcar, o nosso custo fixo de todos os outros produtos vai explodir”, explica Balbo, que não descartaria, nesse cenário, a redução do portfólio da Native.

A indústria brasileira de alimentos, que poderia ser uma eventual substituta da americana nas vendas, praticamente não compra açúcar orgânico, segundo Balbo. “Tenho até vergonha de falar. A indústria consome 6 milhões de toneladas de açúcar de cana de uma forma geral, mas só consome 12 mil toneladas de açúcar orgânico das usinas produtoras do Brasil", estima ele.

"A gente bate na porta de Nestlé, Danone, Unilever, Cacau Show, Kopenhagen e os caras batem com a porta na cara. Açúcar orgânico simplesmente não existe no Brasil”.

Já que o mercado americano e o nacional não colaboram, a Europa poderia ser um mercado importante para a Native, que já deteve 70% do consumo local europeu.

Hoje, no entanto, a empresa abocanha apenas 4% do mercado, por ter sido prejudicada, segundo Balbo, por um acordo bilateral entre Colômbia e União Europeia, em que o açúcar colombiano deixou de pagar imposto.

“A Colômbia nos varreu da Europa e nós perdemos o acesso, porque eles não pagam imposto e nós temos que pagar 414 euros por tonelada de açúcar orgânico.”

Balbo critica a falta de ação do governo federal tanto na defesa dos produtos brasileiros fora do país quanto na concorrência interna dos orgânicos com produtos convencionais.

“Os brasileiros foram expulsos da Europa em função desse acordo bilateral de comércio, a gente fica esperando esse Mercosul trazer resultado e ele só patina. Para nós, produtores, está sendo muito ruim o que se obteve até agora com o Mercosul e países como Chile e Colômbia que não estão participando e estão se beneficiando enormemente disso”, pondera.

“Em contrapartida, por aqui, a Native compra maracujá de assentamentos e fabrica um produto com 70% de polpa, por exemplo. Só que concorremos na prateleira do supermercado com produtos que têm um terço da quantidade de fruta dentro e pagando o mesmo imposto que a gente”, complementa.

“Se houvesse uma política de incentivo ao consumo de orgânico, com ele pagando 25% a menos de imposto, o orgânico recolheria por quilo mais imposto que o convencional, mas ao mesmo tempo estaria incentivando o consumo, tornando o orgânico mais acessível”.

Aposta na sustentabilidade

Dividindo mercado no Brasil com empresas como Jalles Machado, Goiasa e Adecoagro, a Native foi pioneira em fabricar açúcar orgânico no País, em 2000, após receber certificação do governo federal três anos antes.

A marca foi uma aposta pessoal do engenheiro agrônomo Balbo Júnior em uma produção nos canaviais que fosse mais sustentável, sem a necessidade de queimar plantas e utilizar defensivos químicos, com pesquisas que começaram dez anos antes da certificação, em 1987.

Hoje, são cerca de 20 mil hectares de cultivo de terras para açúcar orgânico considerando as operações da Usina São Francisco (13,4 mil hectares) e da Usina Santo Antônio (6,4 mil hectares), também pertencente ao Grupo Balbo.

Assim que recebeu a certificação orgânica oficial, a Native logo chamou a atenção da indústria americana de orgânicos, que precisava do insumo e não conseguia obtê-lo dos produtores locais – ainda hoje, os Estados Unidos tem uma produção anual de apenas 20 mil toneladas de açúcar orgânico.

"Hoje a cana nos Estados Unidos nem é crua, ainda é a cana queimada. Toda a cana nos Estados Unidos ainda é queimada", explica Balbo.

As parcerias com as companhias americanas foram feitas já prevendo a expansão de demanda. “Começamos a planejar a conversão de mais fazendas de cana para poder atendê-los”, diz Balbo.

“É um casamento perfeito entre fornecedor e cliente há quase 30 anos”, complementa. Agora, a união pode ficar trincada com a batalha comercial entre Brasil e Estados Unidos.

Resumo

  • Uma das maiores produtoras de açúcar orgânico do Brasil, a Native, teme os efeitos da taxação proposta pelos Estados Unidos
  • Mais de 50% da produção anual de açúcar orgânico da Native em 2024 foi enviada ao mercado americano
  • Continuidade de tarifas pode comprometer portfólio da empresa a médio e longo prazo