O discurso foi carregado de forte teor nacionalista, bem aos moldes da antiga guerra fria que, durante décadas, moldou um mundo dividido entre Estados Unidos e União Soviética.
“Os inimigos da América estão marchando”, proclamou a governadora do estado do Arkansas, Sarah Huckabee Sanders. “Eles são inteligentes, são brutais e não vão deixar de ameaçar nosso país”, disse em discurso na terça-feira, 17 de outubro. E então listou grupos terroristas, como Hamas, e nações “inimigas”, com Irã, Rússia, China e Coreia do Norte à frente.
O palavrório introduziu o anúncio de uma decisão local que materializa uma questão cada vez mais nacional nos Estados Unidos: a proibição da propriedade, por empresas e cidadãos de determinados países estrangeiros – no caso do Arkansas, são nove –, de terras em áreas rurais.
O governo do Arkansas foi além. Apoiada em uma lei com esse objetivo, assinada naquele momento, comunicou que a gigante da biotecnologia Syngenta, controlada pela chinesa ChemChina, tem até dois anos para vender uma propriedade de pouco mais de 65 hectares que possui no estado, registrada em nome de sua subsidiária Northrup King Seed Co.
A área é destinada a pesquisas com sementes e tem valor estimado de US$ 1,12 milhão. Não é um ativo tão valioso quanto o princípio embutido na decisão, inédita na história dos Estados Unidos. E também quanto as eventuais consequências que pode trazer, não apenas ao agronegócio.
A Syngenta se vê, assim, no meio de um tiroteio geopolítico que pode se alastrar por outros estados e outras indústrias. Na mesma cerimônia, a governadora anunciou que também drones e outros equipamentos fabricados na China estão com seu uso proibido no território do estado.
“Sementes são ciência”, disse Sanders. Em uma entrevista coletiva ela alegou que as empresas estatais chinesas, como a ChemChina, filtram descobertas feitas nos Estados Unidos de volta para sua terra natal, "roubando pesquisas americanas e dizendo a nossos inimigos como atacar fazendas americanas".
Sementes são também um mercado bilionário nos Estados Unidos e é estimado em mais de US$ 11 bilhões. A americana Corteva lidera, seguida da alemã Bayer. A Syngenta e a também alemã Basf vêm a seguir e os chineses certamente podem perder milhões de dólares caso o problema se alastre.
Em resposta ao anúncio do governo de Arkansas, a Syngenta emitiu nota afirmando-se "decepcionada" e dizendo que nenhum executivo chinês participou da compra da propriedade, que ocorreu em 1988. "Nossos funcionários em Arkansas são americanos liderados por americanos que se preocupam profundamente em ajudar os agricultores de Arkansas", completou.
Quase metade dos 50 estados dos EUA que restringem a propriedade estrangeira de terras agrícolas. Onze deles promulgaram leis no ano passado, movidos por discursos como esse.
Dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) indicam que existiam, no final de 2021, aproximadamente 16 milhões de hectares, o equivalente a 3,1% do total de terras agrícolas do país, registradas em nome de de entidades estrangeiras. A China representa menos de 1% desse total.