Logo na entrada do estande da Syngenta Digital na Agrishow, em Ribeirão Preto, um veículo com formas quadradas e longas “pernas” serve de chamariz aos visitantes desde a segunda-feira, 1 de maio.

Batizado de Mineral Rover, esse robô agrícola vem trabalhando em segredo há quase três anos em campos de testes da companhia suíça de defensivos agrícolas em Uberlândia (MG) e Holambra (SP), no desenvolvimento de tecnologia para identificação de daninhas, especialmente em lavouras de soja.

Na grande feira da indústria de máquinas, porém, ele deixou o anonimato, ganhou lugar na vitrine e recebeu uma missão bem diferente: servir de chamariz para o lançamento de um novo posicionamento da empresa no concorrido mercado da agricultura digital.

Na Agrishow, a Syngenta Digital apresentou ao mercado a Cropwise, uma plataforma que integra sete diferentes soluções e aplicativos desenvolvidos pela empresa e disponíveis ao agricultor brasileiro.

Inaugura, assim, sua terceira fase de atuação em um segmento considerado crítico pelos grandes grupos químicos que dominam o mercado mundial.

Desta vez, numa estratégia mais próxima à de concorrentes como Bayer, Basf e Corteva, que já há alguns anos adotaram o conceito de plataforma digital – FieldView, xarvio e Granular, respectivamente.

“Um dos pontos mais críticos para o produtor rural é ter uma visão integrada do seu negócio e operar de forma integrada”, afirma Henrique Agostinho, diretor global de Produtos para Agricultura Digital da Syngenta.

“Nossa proposta foi pensar em soluções para problemas que ocorrem ao longo de todo o ciclo das culturas, todas conectadas em tecnologia”.

O lançamento da Cropwise no Brasil se dá cerca de três anos depois de a plataforma ser oferecida em mercados menores, como Argentina, Hungria e Alemanha.

Atualmente, segundo a empresa, ela já é operada em 20 países, com mais de 80 milhões de hectares monitorados. No Brasil, são cerca de 6 milhões de hectares e mais de 10 mil propriedades, de acordo com a Syngenta, utilizando pelo menos um dos produtos agora reunidos pela plataforma.

Mariana Lobatto, gerente de marketing de Produtos da Syngenta Digital, define a Cropwise como um “pool de diferentes soluções e tecnologias”, montado a partir de uma série de aquisições de startups feitas nos últimos anos.

Uma das mais estratégicas é a mineira Strider, adquirida em 2018 num movimento que marcou a primeira fase da jornada digital da companhia. A segunda, em 2020, foi a estruturação da Syngenta Digital como uma unidade de negócios para a área.

“Foi uma evolução, resultante de gente pensando em inovação para o agro ao redor do mundo”, diz Mariana, que assim como Agostinho saiu da Strider para assumir uma posição global na Syngenta.

Henrique Agostinho, diretor global de Produtos de Agricultura Digital

Na gênese da Cropwise estão a Strider e outras seis startups. O desenvolvimento hoje é compartilhado por grandes centros de engenharia de software em quatro países – Brasil, Índia, Espanha e Estados Unidos.

O de Belo Horizonte, no Brasil, é, segundo Agostinho, um dos mais relevantes. “E nem poderia ser diferente. Como uma das regiões mais importantes para o agro, temos muita energia sendo dedicada a criar soluções nessa área”.

Para cada país de operação a Cropwise oferece diferentes opções de produtos, de acordo com as necessidades dos agricultores locais. Todas as soluções são próprias, desenvolvidas pela Syngenta Digital, diretamente ou através de aquisição.

“Isso não quer dizer que não estejamos conectados a parceiros externos”, afirma Mariana. O John Deere Operation Center, ambiente digital da fabricante americana de máquinas, por exemplo, já “conversa” com algumas soluções Cropwise.

Modelo de negócios

Assim como vários dos concorrentes, a Syngenta Digital adotou para a Cropwisse o modelo SaaS (Software as a Service), em que o produtor contrata licenças de usos de um ou mais produtos por determinado período (em geral um ano-safra).

Os valores são calculados por hectare coberto pelo serviço, mas podem variar conforme o número de soluções contratadas ou o tamanho da propriedade rural em questão.

“Hoje conseguimos oferecer produtos que auxiliam o produtor da seleção da semente ao plantio de precisão, detecção de nematoides, identificação problemas de manejo ou execução de operações de pulverização, por exemplo”, diz Mariana.

“No agro, em cada etapa do ciclo pode-se perder um pouquinho a mais. Se conseguirmos ajudar o produto a ter mais eficiência em cada etapa, o ganho final será maior”.

Das sete soluções oferecidas no lançamento, algumas – como o Cropwise Imagery, que usa imagens de satélite para identificar áreas com anomalias, o Protector, para melhorar o diagnóstico, ou o Spray Assist, que ajuda a definir parâmetros de aplicação de defensivos – já haviam sido lançadas de forma isolada. Ainda há outras ainda em versão beta.

A Syngenta Digital não fornece nenhum número sobre metas de crescimento ou investimento na plataforma. Mesmo sobre futuros lançamentos há pouca informação.

Mariana Lobatto, gerente Marketing de Produtos da Syngenta Digital

Ao AgFeed, Mariana adiantou que no Brasil há demanda por desenvolvimento de soluções de softwares de gestão (ERP) para propriedades rurais.

Nessa área, já há parceria formada com duas empresas especializadas no setor, ambas criadas em regiões com grande potencial produtivo: a Nectar, de Rio Verde (GO), e a SAA, de Primavera do Leste (MT).

A ideia é criar ferramentas que permitam, por exemplo, integrar informações de estoque de defensivos com tomada de decisões de aplicação.

“Identificada a necessidade de uma aplicação, o software já verifica no estoque da propriedade e, havendo disponibilidade, cria a prescrição e já dá baixa automaticamente”, explica.

Alphabet em campo

O robô exibido na entrada do estande, assim, mostra como, neste momento, a Syngenta Digital deve acelerar na corrida das plataformas de agricultura digital.

Para apresenta-lo, a empresa precisou de autorização da Mineral, startup criada dentro da Alphabet, corporação que abriga todas as empresas do grupo Google.

Antes apenas um projeto em avaliação, no início deste ano a Mineral foi elevada pela Alphabet ao status de empresa associada, mas ainda com boa parte de suas operações mantidas sob sigilo.

A Syngenta é uma das poucas parceiras publicamente declaradas da Mineral, mas há poucos detalhes de como as duas empresas contribuem mutuamente.

Ao AgFeed, Mariana confirmou que equipes da Mineral frequentam os campos de teste da Syngenta no Brasil desde 2020, acompanhando o incessante trabalho dos dois Rovers trazidos para cá.

Os robôs trabalham incessantemente na captura de dados em grande escala para “alimentar” as ferramentas de inteligência artificial da Mineral.

“Eles são capazes de produzir 64 fotografias por segundo, potencializando o treinamento rápido e de qualidade do modelo computacional criado pela Mineral para identificação de plantas daninhas”, diz a executiva.

Segundo ela, ainda é difícil definir como será a aplicação exata dessas informações, “se vai virar produto ou uma funcionalidade dentro de outro produto”. Ou mesmo se a Cropwise, no futuro, usará a inteligência da parceira em suas ferramentas. Por enquanto, o Rover é uma imagem que chama a atenção. Cumpriu a missão que lhe foi destinada.