O agronegócio tem dado trabalho para o mercado de fusões e aquisições (M&As) nos últimos anos, com a consolidação de 53 negócios, entre revendas agrícolas e empresas de biológicos, somente entre 2022 e 2023
Os dados são de um levantamento feito pela assessoria Hand, especializada nestes tipos de transação. A onda agora, segundo a empresa, seriam as sementeiras.
De acordo com um novo estudo ao qual o AgFeed teve acesso com exclusividade, a Hand indica pelo menos 45 empresas de sementes com alto potencial para receber investimento ou ser adquiridas. O número surgiu após uma triagem de mais de 3 mil CNPJS vinculados ao setor de sementes, dos quais 104 têm faturamento anual superior a R$ 30 milhões.
Nomes como Sementes Jotabasso, Casa Bugre, Atto Sementes e Agristar do Brasil fazem parte desta lista.
“Estas empresas não são listadas na bolsa, nunca receberam um aporte de um fundo de investimento, nem pertencem a um grande grupo empresarial. São negócios que já têm faturamento relevante, que nunca tenham passado por M&A e, geralmente, se trata de um grupo familiar”, avalia José Venâncio, sócio da Hand e responsável pela área de fusões e aquisições.
Ele cita o caso da Boa Safra como modelo de inspiração a outros agricultores envolvidos com a multiplicação de sementes, já que a empresa se tornou líder em participação de mercado no segmento de sementes com 8,5% de market share após abertura do IPO, em 2021.
Em conversas anteriores com o AgFeed, o CEO da Boa Safra, Marino Colpo contou que fundou a empresa em 2009, junto com a irmã, Camila. É um modelo diferente de grupos mais tradicionais, familiares, que muitas vezes mostram resistência em buscar capital fora, por afirmarem já serem “capitalizados” o suficiente para financiar sua expansão.
No caso de Marino Colpo, ele estudou nos Estados Unidos, era muito próximo do mercado financeiro e já criou a Boa Safra mirando um IPO mais à frente. Os pais de Colpo, até então, não atuavam como sementeiros.
De qualquer forma, é um exemplo bem sucedido, que inspira as novas gerações. A Boa Safra, inclusive, está em quite period – o período de silêncio que as companhias de capital aberto adotam, devido aos próximos passos para um possível follow on na bolsa.
No ano passado, o AgFeed mostrou um estudo da Hand semelhante a este, que identificou 85 empresas do setor de biológicos que estaria "no ponto" para fusões e aquisições.
Oportunidade à vista
Fatores como a sucessão familiar e o potencial das sementeiras em pesquisa e desenvolvimento contribuem para a efervescência no mercado de sementes.
Mesmo assim, o empresário rural que se ocupa do dia a dia da fazenda não necessariamente está desperto para este cenário de consolidação. José Venâncio alerta aos interessados em se colocar na vitrine do mercado, de que este é o momento para se organizar e atrair as atenções dos investidores.
Os interesses podem estar atrelados à expansão da governança corporativa, melhorias na estrutura da empresa e abertura de mercado.
“A primeira pergunta é: quanto vale a sua empresa? A sociedade entre private equity e empresário rural, se bem costurada, é explosiva. Existe uma janela de oportunidade para ele vender o ativo e gerar liquidez. Pode ser a hora certa para ele liquidar esse patrimônio e ganhar dinheiro com isso”, comenta o sócio da Hand.
Embora a soja seja o carro-chefe quando o assunto é M&As em sementeiras, as oportunidades à vista também contemplam a genética de milho, trigo, sorgo, feijão, algodão e outras culturas como arroz, aveia, centeio, hortifruti e culturas forrageiras.
Ao olhar para este leque de produtos, Venâncio considera que a estratégia de regionalização também faz sentido na consolidação das sementeiras.
“Esse é um bom período para o produtor poder se preparar para isso. Despertar para esse movimento e sair na frente, pois a consolidação está acontecendo em toda essa cadeia, em várias culturas”, diz.
Genética na tomada de decisão
Fator relevante para se avaliar na hora de adquirir ou se fundir a uma empresa é o potencial da genética das sementes, que precisa se manter relevante no futuro. Para isso, a área de pesquisa e desenvolvimento – chamada de P&D – também pesa no momento de olhar o fôlego do negócio a médio e longo prazo.
A “alta tecnologia”, por si só, sempre foi um diferencial para as sementeiras. A Boa Safra, por exemplo, diz que conseguiu manter o crescimento em receita em 2023, apesar das dificuldades financeiras dos produtores na atual safra, devido a procura cada vez maior por sementes tratadas, que tem maior valor agregado.
Além disso, conta a favor do segmento a regulamentação da chamada TIMP - Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão - no Brasil. Publicada pela Comissão Técnica de Biossegurança (CTNBio), em 2018, a Resolução Normativa nº 16 (RN16) engloba novas tecnologias de melhoramento de semente, como a edição gênica – diferente dos organismos geneticamente modificados (OGM).
Quem está dentro dos laboratórios já observa as mudanças e elas podem ser o impulso para ampliar portfólio lá na ponta, nas prateleiras. É o que avalia Ceci Castilho Custódio, doutora em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e pós-doutora no Royal Botanic Gardens, na Inglaterra.
“Nesse momento, a chegada das técnicas inovadoras de melhoramento de precisão que foram normatizadas pela CTNBio como não OGMs promete sacudir as sementeiras. (Elas são) muito menos burocráticas para obtenção de autorizações para escala comercial de cultivares a um custo reduzido em comparação aos OGM”, explica a doutora.
Pela perspectiva dela, as companhias investem muito pouco em pesquisa e desenvolvimento no Brasil, sendo que “os materiais genéticos das empresas de sementes são um grande tesouro”. “A valoração muda quando uma empresa incorpora em seus produtos algo inovador que é único no mercado. As empresas nacionais não costumam apostar muito nessas inovações, mas quando o fazem, mudam sua visibilidade”, diz.
A doutora é orientadora de um recente estudo publicado pelo Programa de Pós-graduação em Agronomia da Unoeste, a respeito de uma análise inédita de sementes de braquiária, desenvolvida pela pesquisadora Giovana Ferraresi Guimarães. Este é um exemplo prático de como a ciência pode aquecer o mercado e apontar os rumos para fusões e aquisições.
“A pesquisa fornece subsídios sólidos para a conservação de sementes de forrageiras tropicais, que são muito importantes no mercado sementeiro interno e externo do Brasil, pois somos os maiores produtores e exportadores dessas sementes”, pontua Ceci Castilho Custódio.
Já com as técnicas inovadoras de melhoramento de precisão, ela acredita que aumentem as chances de instituições de pesquisa, universidades e empresas de melhoramento de menor escala obterem novos cultivares e estabelecer parcerias, mudando a relação de forças no mercado. Pode ser uma tendência a se acompanhar para quem tem interesse por M&As no setor.