Enquanto a janela de IPOs não reabre, players do agro tem se movimentado de outra forma para aumentar o tamanho de suas operações e continuar a crescer para além de uma forma orgânica com o próprio caixa: as fusões e aquisições.

O ano de 2023 foi recheado de operações do tipo, e a tendência é que em 2024, com um cenário de juros menores na economia, a “safra” seja ainda mais farta. Segundo um levantamento da PwC, de janeiro a setembro de 2023 foram 65 operações de M&A no agronegócio.

De acordo com a empresa, desde 2015, a média para o período é de 30 operações por ano, metade do que foi visto neste ano.

Em 2023, a notícia que tomou o centro das atenções no agro em relação a M&As foi o acordo entre Bunge e Viterra, que irão juntar suas operações e formar uma das maiores tradings agrícolas do mundo.

O negócio foi fechado em junho com valor final próximo de US$ 18 bilhões, cifra que inclui valores pagos pela Bunge para a suíça Glenncore, controladora, e aos demais acionistas da Viterra, e a dívida a ser assumida pelo grupo americano. Essa não foi a única aquisição da Bunge, que ainda comprou a CJ Selecta.

Outro negócio que chamou a atenção neste ano foi a venda da Biotrop, que era do Aqua Capital, para a belga Biobest, uma das líderes globais no biocontrole de pragas e doenças e polinização natural.

O anúncio foi feito em conjunto com o GIC (fundo soberano de Singapura) e o Grupo Biobest. Pelo acordo, a Biobest adquiriu 85% das ações da companhia com base em um valuation de R$ 2,8 bilhões "em uma base totalmente diluída", segundo o comunicado divulgado na época.

Em dezembro, a 3Tentos e a Caramuru criaram uma JV para operar no chamado Arco Norte do país. Em um comunicado, as empresas afirmaram que prometem investir juntas R$ 400 milhões até 2028 em projetos que envolvem operações logísticas de grãos vindos do Mato Grosso, inicialmente via ferrovias e futuramente, pelos trilhos da Ferrogrão.

Os negócios se mantiveram aquecidos até a última semana do ano, com a aquisição da rede de varejo de insumos Coram pela Lavoro.

Para 2024, o cenário visto em 2023 deve se repetir, com alguns setores sendo mais visados por players internos e externos. Apesar disso, a perspectiva de safra menor com os efeitos climáticos do El Niño, somado às crescentes crises financeiras de alguns produtores e empresas pode colocar alguns desafios no caminho.

O AgFeed conversou nas últimas semanas com profissionais de gestoras e empresas que atuam intermediando negócios de fusão e aquisição, a fim de entender o que o setor pode esperar em fusões, aquisições e aberturas de capital para 2024. Confira:

JGP Financial Advisory (JGPFA), braço da gestora JGP focado em M&As

A assessoria diz ter mapeado tanto para M&A quanto para um possível IPO, de 70 a 80 players atrativos. Dentre os segmentos que podem fazer esse tipo de movimentação no ano que vem, as empresas de biológicos chamam a atenção.

Para William May, sócio da JGPFA, o setor vem “surfando uma boa onda, com uma boa perspectiva para 2024”. Ele acredita que os produtores têm olhado cada vez mais para esse tipo de produto, e visto suas vantagens.

“Dentro dessa cadeia temos grandes players com investimento de private equity. Talvez para o ano que vem, alguém nessa situação pode até tentar abrir capital, se a janela de IPOs voltar”, afirmou May,

Segundo o sócio, a guerra envolvendo a Rússia e a Ucrânia acelerou a discussão acerca da dependência de produtos químicos, e ajudou a fomentar o mercado dos biológicos aqui, e que o mercado deve continuar a crescer em 2024.

Outra aposta para 2024 da empresa está na logística. O sócio-fundador da JGPFA, Fernando Kunzel, enxerga que as empresas estão de olho em oportunidades de atuar nesse setor que, historicamente, é defasado no País.

“Usamos muita rodovia, mas após uma certa quilometragem, vira ineficiente. Usamos pouca cabotagem, ferrovias e temos pouca interligação e trajetos multimodais. Temos o PAC, que se fizer um quarto do licitado já vai ajudar muito nossa logística, beneficiando toda a cadeia”, disse.

Nos frigoríficos, a assessoria vê uma vontade de fusões e aquisições, mas também vislumbra incertezas pelo caminho. Kunzel comentou que a empresa tem relacionamento com diversos frigoríficos de capital fechado, que enfrentam dificuldades para aumentar o rastreamento próprio e dos fornecedores, algo exigido pela cadeia.

Outro setor que deve ser alvo de fusões e aquisições é o de crédito agrícola. Segundo May, esse segmento ainda está muito ligado ao crédito para pessoas físicas, mas a assessoria já está monitorando empresas com soluções para monitorar risco de crédito. “Esse é outro setor que vemos uma tendência de M&A, alguma agfintech nesse sentido”, afirma.

A JGPFA vê uma janela de IPOs se reabrindo no ano que vem, porém, os players do agro não devem constar nas primeiras aberturas de capital.

Os novos entrantes da B3 devem ser empresas que são mais “triviais” de serem avaliadas pelos investidores, de setores já mais representados na Bolsa. Dentre esses segmentos, ele acredita que o setor farmacêutico pode encabeçar a lista, com a Cimed. Além dela, empresas ligadas à serviços e ao mercado imobiliário podem aparecer.

Kunzel ainda avalia que, mesmo a economia brasileira dependendo do agro, para M&As e IPOs o setor ainda é uma “criança pequena”. Esse mercado tem muito a evoluir, e nós, do lado do mercado financeiro, temos que ser humildes para reconhecer que não conhecemos o agro tão bem assim”, concluiu.

Kijani, gestora de investimentos focada no agronegócio

Bruno Santana, CEO da Kijani, vê as empresas do agro focando em M&As para aumentar sua governança.

“Essa exigência por governança e profissionalização aumenta em qualquer etapa da cadeia: credores, clientes e private equity, por exemplo. Precisamos de um step up, e uma das formas mais fáceis disso é trazer empresas mais preparadas consolidando o setor”, afirmou.

Diante disso, ele vê um ano de 2024 mais “acomodado” em M&As, mas garante que quando as margens dos produtores se estabilizarem novamente, ou seja, nem tão altas quanto nos últimos anos nem tão baixas quanto agora, as fusões e aquisições podem se consolidar ainda mais no setor.

O segmento de revenda agrícola, que já foi alvo de muitas fusões e aquisições no passado, ainda deve continuar em alta, segundo o CEO, mesmo com uma “folga” de operações do tipo em 2023. “Mesmo com tantas transações, os principais players ainda não somam 20% do mercado. No hemisfério norte, os líderes têm mais da metade”, afirmou Santana.

Outra “onda de consolidação” deve continuar nas sementeiras, que ainda são muito pulverizadas no País. Ele vê o caso da Boa Safra, que é listada na B3, como uma vitrine do setor, o que pode ajudar os investidores. “Existem consolidadores estratégicos querendo entrar no mercado”, diz.

“Vemos muitos ativos sendo desenvolvidos, desde uma Vittia, que tem espaço para um novo movimento societário, e até investidas de fundos como Pátria e empresas de Venture Capital. As sementeiras e as empresas de biológico devem ser alvo de outros players daqui para a frente”, diz.

Juliana Pedroza, head de relação com os investidores da gestora, destaca que as preocupações ESG podem movimentar fusões e aquisições no ano que vem. “Até quando falamos de players estrangeiros, esse é um tema que eles dão destaque, e setores como os biológicos chamam a atenção. A área de prestação de serviços, com ferramentas que auxiliam o produtor, também é importante nesse contexto internacional”, afirmou.

Bruno Santana vê ainda que, quando a janela de IPO reabrir, o agro não deve ser o primeiro setor a vir. Contudo, numa próxima janela “pegar tração”, ele diz não ter dúvidas que o setor tem tudo para ser protagonista, dado o “perfil das empresas com potencial para abrir capital”.

Condere, empresa especializada em assessorar M&As e sócia-controladora da holding irlandesa Global M&A Partners

Luiz Eduardo Andrade, sócio da Condere, vê um interesse grande em players internacionais no agro brasileiro. “Nenhum estrangeiro que quer ser global pode se privar de estar no Brasil, principalmente no agro, pois a escala aqui é muito grande”.

Em segmentos, ele vê boas oportunidades no mundo dos fertilizantes, sejam químicos ou biológicos.

Outra movimentação que deve ocorrer, segundo o executivo, está relacionada à criação de joint-ventures ou parcerias. Ele vê cooperativas e tradings se movimentando em conjunto para ter estrutura logística e também empresas de insumos se juntando com players de crédito.

“Temos um nível de sofisticação relevante nos instrumentos de crédito. Para essa injeção de liquidez temos CRAs, FIDCs, Fiagros, produtos que fazem a rodar girar de forma dinâmica. Quando vemos um estrangeiro com apetite, o Brasil se coloca ainda mais numa posição de destaque e ‘subindo na prateleira”, comentou Luiz Andrade.

Ele conta que a Condere tem sido procurada por investidores de fora para conhecer de perto o mercado nacional. Além da parte de crop solutions, que envolve fertilizantes e sementes, ele vê interesse no setor de nutrição animal.

O setor engloba a cadeia veterinária como um todo, segundo Andrade, com olhares de fora mais atentos ao mercado de suplementos e todo o setor de ingredientes.

Ele cita uma operação que a Condere intermediou nesse ano como exemplo para o que deve vir por aí. Em julho, a empresa assessorou um negócio envolvendo a compra do controle da Spaço Agrícola, que atua no mercado de distribuição de insumos no sul e sudoeste goiano, pela mexicana Fertilizantes Tepeyac, dona de 60% do mercado em seu país de origem.

"Essa transação é um marco no segmento de revendas e distribuição de insumos no Brasil, pois representa a entrada da maior empresa mexicana no nosso país", afirmou ao AgFeed Paulo Cury, o sócio-diretor da Condere, em entrevista na época.

Segundo Luiz Andrade, esse tipo de movimento, que engloba um player de fora dando seus primeiros passos no país, deve continuar forte em 2024. Ele não vê, por exemplo, operações chegando com cheques bilionários, mas operações iniciais de R$ 400 milhões.

Isso, segundo ele, faz o investidor de fora “sentir a temperatura de mercado”, e se a empreitada for bem sucedida, o faz voltar com um cheque maior no futuro.

“Acho que 2024 será um ano que teremos M&As, sem dúvidas, com compradores mais seletivos. Essas empresas e investidores querem comprar o relacionamento com o cliente final”, afirma Andrade.

JK Capital, consultoria especializada na assessoria de M&As

A empresa vê espaço para os movimentos de M&A em 2023 continuarem em 2024. Segundo o sócio da JK Capital, Marcell Portugal, além das sementeiras e empresas de fertilizantes biológicos e microfertilizantes, a agroindústria, que dá suporte ao agro, deve contar com “movimentações interessantes”.

“Desde a indústria de fertilizantes até de equipamentos para o agro, aquelas que têm os produtores como clientes”, diz. Outra área que ele aposta – e na qual a JK já se envolveu em transações – é o setor de exportação de frutas.

Ele comenta que, dentre as andanças que os sócios fazem pelo interior do Brasil, a região de Sorriso e do Matopiba passam por “revoluções silenciosas” e que muitos serviços adjacentes ao agro podem continuar a crescer nesses locais.

O otimismo com um bom ano para os M&As em 2024 é mais recente para o sócio. Nas últimas semanas, o banco central americano, o FED, deu sinais de que os juros nos EUA devem iniciar uma trajetória de queda no próximo ano, algo que aumenta o apetite por investimentos.

“O mercado de capitais de uma forma geral vai entrar 2024 com uma retomada forte das operações. Já vemos isso na JK, onde temos hoje cerca de 60 mandados ativos em fases diversas. Para o agro, existe uma força ainda maior pelo diferencial do Brasil”, diz.