“A família Murakami está há um século cultivando essa terra. Meu avô chegou do Japão, com sete irmãos, e veio para cá. Meu pai já nasceu aqui na roça, assim como eu, meu irmão e meu filho”, diz a agricultora Cinthia Yumi Murakami, de 51 anos.

“Temos vizinhos, mas não são de porteira. Ficam, tipo, um ou dois quilômetros adiante. Esses também plantam. Os do outro lado criam vacas”.

Pela descrição, pode não parecer. Mas quando Yumi diz “aqui na roça”, está se referindo ao município de São Paulo, no coração da maior metrópole das Américas.

Kitaro, o avô de Yumi não fez nenhuma excentricidade, um século atrás, ao se estabelecer como agricultor na região.

“Os nomes de alguns bairros, como Campo Belo, Capão Redondo e Campo Limpo, são uma marca do passado agrário da capital”, afirma Ricardo Rodrigues, gerente de Cadeias Produtivas da Ade Sampa, o órgão da prefeitura de apoio ao empreendedorismo.

“Até meados de 1930, predominantemente até 1960, o município tinha muita agricultura. Aí veio a industrialização, o crescimento desordenado e a transformação em metrópole”.

Hoje, porém, os negócios rurais voltaram a encontrar espaço e empreendedores na região, graças a novas demandas de mercado e incentivos à agricultura urbana, que ganharam espaço nas políticas públicas a partir dos anos 2000, como estratégia para proteger a mata nativa.

“A Zona Rural de São Paulo é uma área estratégica por ter biodiversidade, áreas demarcadas para indígenas e por ser adjacente aos reservatórios Billings e Guarapiranga, que fornecem 30% da água potável da cidade”, aponta Rodrigues.

“Ao incentivar a agricultura, estamos preservando as características culturais e evitando a ocupação irregular com fins de especulação imobiliária”.

Ao longo de diversos governos, a prefeitura paulistana criou o Programa de Agricultura Urbana e Periurbana (2004), o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (2014) e o Plano Municipal de Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável (2022).

Em julho passado, o Governo Federal lançou a Política Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana.

Assim, São Paulo combate o êxodo rural. Segundo o Plano Diretor da Prefeitura, a Zona Rural ocupa 28% da área do município: uma pequena porção na Zona Leste, outra na Zona Norte e a principal na Zona Sul.

Há cerca de 1.500 “locais de agricultura”. Desses, 700 são “unidades produtivas com características totalmente rurais” – como as duas mantidas pela família Murakami no bairro de Parelheiros.

Cerca de 35% produzem legumes, verduras e raízes, 30% dedicam-se a frutas, 20% cultivam plantas ornamentais e o restante se cultiva itens variados, como cogumelos.

As maiores propriedades em São Paulo são pequenas, para os padrões do agronegócio brasileiro. “Os nossos maiores produtores têm uma área cultivável de 30 hectares”, diz o gerente da Ade Sampa.

Zundi, pai de Yumi, chegou a desistir da agricultura. No fim dos anos 1980, o cultivo de batatas e abóboras se tornou inviável na cidade de São Paulo.

“A Cooperativa de Cotia faliu, os batateiros faliram, todo mundo faliu”, disse Yumi. “Fomos para o Japão na onda de dekasseguis de 1991”.

O milagre econômico japonês refluiu pouco depois e, assim, os Murakami voltaram para o Brasil.

“Uns 80% dos amigos do meu pai se aposentaram. Aos 85 anos, ele continua. Ele brinca dizendo que, como não trabalhou quando era jovem, tem que trabalhar agora”, disse Yumi.

Os Murakami voltaram à lavoura em São Paulo, mas não do mesmo jeito. Diante da inviabilidade de concorrer com a produção em larga escala das fazendas do interior, Zundi inovou.

“Ele optou por uma coisa que era nova na época: a agricultura orgânica. Conseguiu umas mudas diferenciadas e passou a cultivar banana e chuchu”, disse Yumi.

Com o sucesso da produção, Kevin Yukio, filho de Yumi, foi ajudar o avô no manejo da plantação – as bananas orgânicas levam cerca de dois anos para crescer.

“Yukio terminou o colegial, fez cursinho, mas não se achou. O que meu filho sabe hoje foi meu pai que ensinou. Então, pegou todo um amor por isso aqui”.

Ao mesmo tempo, a Prefeitura começou a incentivar os orgânicos. Além de três feiras semanais no Parque da Água Branca, vieram as do Parque Ibirapuera, Tatuapé, Saúde e Alto da Boa Vista, além de esporádicos eventos internacionais.

Uma hora, a própria Yumi desistiu do trabalho em um salão de beleza. Ela, o irmão Fábio e o filho cuidam das feiras. Aska, uma sobrinha, cuida do belo perfil da empresa familiar no Instagram.

“Ela foi estudar Engenharia Ambiental, não se achou e acabou fazendo Nutrição. Termina a faculdade no ano que vem. A gente tem uma cozinha orgânica e ela gosta disso”, disse Yumi.

“A família abraçou bem, está envolvida nessa causa dos orgânicos. Vamos continuar unidos com essa sementinha que o meu pai plantou”.

Numa área de oito hectares, o Sítio Murakami Orgânicos e o Sítio Pinhal produzem uma tonelada de bananas por semana. (Com a seca atual o chuchu perdeu espaço).

Parte da produção é fornecida para as sorveterias Walnuts e Albero dei Gelati, além da padaria Mediterrain, todas da capital. Outra parte responde por 60% das vendas da família nas feiras orgânicas (ao lado de produtos de outros agricultores). As barracas rendem um faturamento mensal de R$ 40 mil.

Aos 85 anos, Zundi é o titular de patrimônios da empresa, como os dois caminhõezinhos Hyundai HR usados nas feiras. Mas, pela idade, não consegue mais crédito para os investimentos.

Assim, Yumi e Yukio se registraram oficialmente como agricultores. A tradição rural na cidade de São Paulo está garantida pela quarta geração – e, quem sabe, pela quinta.

“Ele pretende ter filhos, fala que quer ter e que quer continuar”, afirma Yumi. E o que diz o patriarca Zundi? “Acho que ele tem orgulho, né? Não sei. Ele não fala, né? Ele não vai falar. O japonês não fala”.