Um aumento de 93% no lucro líquido nos últimos 12 meses já seria motivo suficiente para a Boa Safra Sementes considerar sua missão como cumprida nesta temporada, marcada por preços mais baixos das commodities.
Mas a empresa liderada por Marino Colpo, que já é líder no mercado de sementes de soja, tem planos de dobrar o market share nos próximos anos, por isso mostra apetite para aquisições e revela algumas de suas estratégias mais recentes nesta entrevista exclusiva ao AgFeed.
"Já fomos os primeiros a fazer a IPO, os primeiros a ter a câmara fria nas sementes, entre outras inovações, queremos ser os primeiros a lançar sementes com tratamento biológico no mercado", afirmou Marino Colpo, que admite já ter criado um departamento dedicado às pesquisas com esta tecnologia.
O mercado de biológicos tem crescido a passos largos no Brasil, com a promessa de maior eficácia no controle de pragas e doenças, custos mais baixos, uso racional de diferentes insumos e menor impacto ao meio ambiente, se comparado às soluções químicas.
O CEO da Boa Safra Sementes entende que este caráter "preventivo” dos biológicos combina com o crescente uso de sementes tratadas (TSI), quando o produto já está aplicado ao grão que será lançado na terra.
O balanço da Boa Safra divulgado nesta quinta-feira mostrou lucro líquido de R$ 115,6 milhões no terceiro trimestre deste ano, um avanço de 35% na comparação com o mesmo período de 2022. O Ebitda ajustado teve incremento de 50% no mesmo período, sendo que nos últimos 12 meses os ganhos chegaram a 105%.
Na entrevista ao AgFeed, Marino Colpo admite que o preço das sementes estava levemente mais baixo – os valores não foram revelados no balanço – mas que o aumento na capacidade de produção, no volume de vendas e, principalmente, a maior adoção de biotecnologia pelos produtores rurais, ajudaram a garantir o excelente resultado financeiro.
Quando se fala em biotecnologia, na linguagem da Boa Safra, significa uma semente que também é vendida a preços mais altos se comparadas às variedades mais simples. “O valor é cerca de 20% a 30% maior", disse Marino.
Se tudo der certo e as sementes com tratamento biológico chegarem ao mercado em no máximo duas safras, o impacto positivo será ampliado, porque elas devem custar “15% mais, no caso do tratamento completo”, segundo o CEO.
Como o milho ainda representa uma pequena fatia dos negócios, nem mesmo a expectativa de redução na área plantada com o cereal no Brasil chega a preocupar o executivo. Ao contrário, ele avalia o momento de preços mais baixos das commodities como oportunidade.
"Estamos prontos para aquisições, olhando nossos concorrentes, que ainda seguem um modelo de fazenda, de produtor rural, e estão com margem mais apertada, diferente do nosso modelo empresarial, que trabalha com agricultores integrados", explica.
A Boa Safra tem crescido com base na soja, que representa 85% de sua receita bruta. Mas a empresa já anunciou planos de crescimento no mercado de sementes de milho (hoje responde por 2%), além de ter iniciado a comercialização em produtos como sorgo e feijão.
Ao AgFeed, Marino Colpo disse ainda que a empresa também terá trigo transgênico na próxima safra, ainda em fase de multiplicação. A variedade HB4, recém-aprovada no mercado brasileiro, é considerada uma grande promessa para ampliar ainda mais o cultivo de trigo no Cerrado.
Confira os principais destaques da entrevista com o CEO da Boa Safra:
Das empresas que fizeram IPO na janela de 2021, no agronegócio, a Boa Safra, vem acumulando um dos melhores desempenhos. Qual foi o segredo?
O IPO feito pela nossa empresa é 100% primário. Você pode fazer dois tipos de IPO. Um é o que chamam de secundário, em que o dinheiro vai para a pessoa física, o acionista que está vendendo ou às vezes para um fundo, mas vai para o dono da empresa. Esse é o secundário. O nosso foi primário, foi 100% para investir no negócio. Acho que esse é um ponto que nos diferencia de outros IPOs.
Apenas isso explicaria o crescimento rápido nesses últimos anos?
Por que a empresa cresceu tanto? Fomos muito capazes de construir um bom time de obras. Porque a gente construiu muito. A gente saiu de 3 plantas para 10, tudo isso em 3 anos. Aumentamos muito a capacidade de produção de sementes. Isso acaba empurrando. E um grande investimento que a gente tem feito em marketing também, com participação em feiras, aproximação com o produtor e estratégia de consolidação da marca que realmente contribuem para aumentar as vendas. Crescemos 30% ao ano. Sim. Então aumentamos o volume de vendas sem comprometer a margem. E não é uma tarefa também muito fácil. Ao longo desse tempo investimos R$ 500 milhões e o nosso IPO foi de R$ 460 milhões. E o resultado da empresa foi de R$ 70 milhões para R$ 220 milhões.
A produção também cresceu...
A empresa saiu de 100 mil big bags para 200 mil big bags esse ano. Para o ano que vem nós já construímos, já está pronta dentro do investimento dos R$ 500 milhões, capacidade para 240 mil big bags. Então, para o ano que vem já temos 20% de volume a mais já, na comparação com esse ano. Isso somente na soja.
"A tese que vendemos para o mercado e que estamos tentando entregar é que seremos capazes de consolidar o mercado no Brasil, hoje muito pulverizado."
E em outras culturas?
Na área de milho estamos com uma planta prontíssima, que foi inaugurada em julho. Essa planta vai nos dar mais ou menos 1% de share no mercado. Nós tínhamos 7,5% no ano passado, que está fechado e, segundo o relatório do BTG, vamos fechar esse ano com 8,2% no mercado de soja.
O plano é seguir avançando em market share?
Fizemos o IPO com 5% de market share e, a cada ano, ganhamos um ponto. Isso no país em que a área plantada cresce 4%, 5% ao ano. Quando você olha um parque comparável nos Estados Unidos, o líder tem 37% do mercado. E aqui nós temos 8%. E o segundo colocado tem um terço do nosso volume.
Há, então, espaço para consolidação?
A tese que vendemos para o mercado e que estamos tentando entregar é que seremos capazes de consolidar o mercado no Brasil, hoje muito pulverizado. Ele tende a ficar mais parecido com os Estados Unidos ao longo do tempo e seremos uma das empresas capazes de liderar essa consolidação.
Você acha que pode chegar nesta fatia que tem a líder norte-americana?
O guidance que demos para o mercado é de, até 2027, chegar em 360 mil big bags. Estamos indo. Fizemos 200 mil esse ano. Quando chegar em 360 mil, isso seria em torno de 14% de share. É possível que tenha um potencial maior? Sim. Tendo em vista que nos Estados Unidos o líder tem 37%, né? Não tem jeito. Crescemos muito.
Quanto?
A empresa praticamente triplicou, porque a área também cresce. O ponto é que todo o agro, considerando todas as culturas, não só soja, mas tudo, tudo café, arroz, feijão... estamos plantando 8% da área do País apenas. É uma área muito pequena. E quando você vê a área de pecuária é 16% do País. A grande conversão é a área de pecuária para a agricultura. O Brasil, em tese, se tomar metade dessa área da pecuária, dobramos a área cultivada sem derrubar nenhuma árvore, somente na área de pasto.
"Semente é talvez um dos insumos mais resilientes do agro em termos de volume e uso. Só reduzindo área para o produtor comprar menos."
É o que está acontecendo no Brasil. A pecuária acaba indo para o confinamento. Em termos de energia, você criar um boi no pasto, você vai precisar tirar um boi para um hectare. Quando você planta soja e depois milho, com essa energia, você alimenta 50, 80 bois no fim do confinamento. É difícil ir contra a matemática da energia. Essa é a tendência global.
O balanço divulgado nesta quinta-feira mostra um avanço significativo na receita e nos lucros, apesar do ano “de ajuste”, de preços de commodities mais baixas e de problemas no caixa de diferentes empresas de insumos. Como se explica o cenário diferente para a Boa Safra?
Eu acho que foram três fatores. Um deles é o aumento da capacidade, como falei. Tem o crescimento em volume, estamos vendendo mais. Eu até acredito que, se fosse um ano de commodities bombando, poderia ser possível entregar mais, né? Achamos que a companhia teria potencial para ter um resultado ainda melhor do que o que teve. Mas como aumentamos em volume, estamos crescendo em share e fica mais fácil você ter bom resultado.
Quais são os outros fatores?
O segundo ponto é que a semente é o principal insumo do produtor. É possível o produtor plantar um ano ou dois anos com menos adubo, menos fertilizante foliar e até no químico o pessoal fala em fazer menos aplicações. Aí tem aquela máquina para trocar, vou fazer uma revisão, vou usar ela mais um ano ou dois. Mas é muito difícil plantar com menos semente. Então a semente é talvez um dos insumos mais resilientes do agro em termos de volume e uso. Só reduzindo área para o produtor comprar menos.
E isso não está ocorrendo?
Estamos vendo um cenário mais apertado para o agro, para as commodities, para o produtor. Está voltando para a média histórica na soja e talvez até um pouco abaixo da média histórica no milho. Mas não existe esse cenário de redução de área. A nossa visão é que o cenário de aumento de área pode ser um pouco mais lento no ano que vem, diminuir um pouco esse aumento de área, mas no nosso horizonte de dez anos, não. Porque daqui a pouco já começa um ano bom e a área cresce muito rápido. No horizonte de dez anos a gente acha que se mantém os 4% ou 5% de crescimento, que é o histórico.
O negócio do milho é mais recente para a empresa. Quanto ele já está representando?
Vamos rodar 100% no ano que vem, porque a nossa planta ficou pronta em julho desse ano e já está rodando um pouco. Vai fazer em torno de 3%, 4% da receita, mas no ano que vem, vai rodar full.
Qual foi o terceiro fator então para garantir o resultado?
É o fato de a nossa venda de tecnologia, por incrível que pareça, ter aumentado. O produtor está buscando mais biotecnologia e aumentamos a venda dos novos produtos de tecnologia, como a Intacta 2 e Conkesta enlist, que são produtos um pouco mais caros. Temos aumentado também a venda em tratamentos de semente, de sementes tratadas. Temos percebido que o produtor realmente está valorizando muito a semente.
Mesmo em um momento de preços mais baixos nas commodities?
Mesmo com uma margem mais apertada, ele não está abrindo mão de comprar uma semente com mais tecnologia. E isso é até um pouco de surpresa pra gente. A gente imaginou que, no crescimento de TSI (semente tratada), seria difícil bater os números do ano passado, mas estamos crescendo bem. A marca tem virado uma referência de qualidade e tem muitos produtores que estão fazenda essa escolha, pela maior tecnologia disponível. Foi acima do que a gente esperava para um ano de ajuste.
Para a Boa Safra não teve "ajuste”?
Eu acho que poderia ter sido um ano melhor. E você teve sim, uma queda, um pouco, nos preços da semente. A semente poderia estar mais alta. Mas compensou um pouco esse ajuste com o volume e com o pacote tecnológico que conseguimos vender – mais produtos com biotecnologia, que entregam mais, e vendemos mais sementes tratadas. Isso compensou um pouco o ajuste, que foi no preço. Mas com o pacote tecnológico cada vez maior o preço da semente tem se distanciado um pouco da commodity.
"A nova barreira são os tratamentos biológicos. Eu acho que é o futuro, eles vão vir muito forte."
Estes avanços em biotecnologia tendem a agregar mais valor?
Sim, o preço da semente caiu, mas o nosso preço médio, com tecnologia, com tratamento, com tudo, não caiu. Estamos vendendo mais percentualmente. O sonho do produtor é receber uma semente pronta, que já venha com tudo, resistente à seca, resistente a todas as pragas e com um enraizador mais potente. Com todas as moléculas que ela precisa ali, poderia ir para a praia e voltar daqui a 100 dias para colher. Estamos longe disso, mas eu acho que tudo que caminha nesse sentido. Por exemplo, antigamente você precisava de quatro, cinco aplicações para controlar a lagarta. Hoje você precisa de uma.
E qual é a próxima onda da tecnologia de sementes?
Eu acho que vai ter uma nova barreira, que são os tratamentos biológicos. Eu acho que é o futuro, eles vão vir muito forte. Esses tratamentos biológicos nas sementes também vão dar efeitos de longo prazo. Eu acho que é uma tendência a semente vir com um pacote talvez mais completo de tecnologia e entregar mais.
E o que esse pacote vai entregar?
Já tem pesquisa, tem novas biotecnologias saindo, mas agora está pegando muito forte. A Intacta 2 e a Conkesta ,que protege contra mais lagartas e mais herbicidas. Você tem no pipeline resistência à seca. E já tem testes de resistência a percevejo, que é um outro problema que ataca muito a soja. Temos um pipeline de materiais genéticos muito grande que vai vir nos próximos 20 anos, 10 anos. Em cinco anos já vai ter novidades. Mas nos próximos 20 anos eu acho que a gente vai ter um eldorado da biotecnologia e talvez se aproximar mais dessa jornada do sonho do produtor, que eu digo.
A Boa Safra terá novidades em breve com as sementes tratadas com biológicos?
Estamos fazendo muitos testes. Nós montamos um departamento para testes e eu acho que é uma tendência, estamos olhando muito para isso. Já estamos com os testes em campo.
É parceria com alguma empresa?
Estamos testando muita coisa e é de quase todo mundo. Então a gente não tem uma parceria específica. Temos vontade de ter, então estamos testando.
E quando acredita que teremos estes produtos disponíveis, comercialmente?
A principal dificuldade para você ter um tratamento totalmente biológico é com inseticida. O fungicida biológico, pelas informações que eu tenho, já é eficiente. Vamos fazer realmente todos os testes esse ano, com a nossa equipe de pesquisa. Não é um produto desenvolvido por nós, é um produto de empresas, o nosso foco é ter parceria, realmente. Mas a gente testa o produto antes de pôr no nosso pacote de tecnologia. Acredito que daqui a duas safras já, com certeza, estará disponível comercialmente. Na próxima safra, talvez.
Qual a área experimental que a empresa tem hoje?
Estamos focados em novos materiais. Somos parceiros de muitas empresas de genética. Na verdade, hoje nós temos sete parcerias com as maiores: Bayer, BASF, Corteva, GDM, TMG, Syngenta, todo mundo. Testamos todos os lançamentos deles, inclusive biotecnologias. E agora estamos montando este ano, vai ser o primeiro ano de testes, o departamento só para testar mais tratamentos de sementes e biológicos. Tem uma área de pesquisa pequena, de 10 hectares, que já tem o biológico. Mas temos feito testes também com biológicos nos produtores integrados. Achamos que é uma tendência. E também temos ampliado o tratamento para novas culturas.
E como está o trigo HB4, quando teremos as sementes?
Nós vamos sair com ela no ano que vem.
Já estão sendo multiplicadas então?
Não, agora é teste, vamos multiplicar na safra 2024/2025. Lançar comercialmente na 2025/2026. O negócio da pesquisa é lento, é um trabalho de formiguinha. É bom ver os gráficos de adoção da biotecnologia no Brasil. A terceira geração da soja, por exemplo, foi de 1% para 5% entre a safra 2021/2022 e a safra 2022/2023. E para o ano que vem vai crescer mais. A Intacta já está em 86% também, mas começou bem pequena.
Ainda trabalham com sementes convencionais, não transgênicas?
Nós fazíamos, mas tínhamos um pouco de dificuldade, porque o nível de controle necessário é muito grande. Chegamos a pensar em comprar uma empresa pequena, especialista em convencional, para ter uma planta exclusiva, mas o mercado ainda é pequeno.
Isso ainda está em estudo?
Não andou mais. Estou mais interessado no milho. Para mim é um negócio, é uma cultura grande. Estamos olhando outras cultivares e queremos fazer aquisições. Já fiz um M&A no ano passado, de milho. Esse ano fizemos um de soja. Estamos olhando outras regiões. Temos uma participação pequena no Sul e estamos olhando muita coisa no Sul do país, mas estamos bem atentos a outros sementeiros.
O momento está propício para compras?
Eu acho que vamos ter uma oportunidade de aquisição, com essa redução da commodity. Muito do meu concorrente é mais produtor rural do que sementeiro. Nós somos uma empresa sementeira, temos muitos clientes. E aí a queda da margem pode abrir oportunidades para nós, estamos bem animados.
"O milho vai crescer em área, na visão de dez anos, mas acho que vai ter um problema pontual no ano que vem.
Essa oportunidade tende a ser no milho?
Não, acho que a meta de soja, de crescimento, é gigante. Mas estamos olhando milho também. Pode ser soja no Sul, pode ser milho em qualquer lugar. A aquisição feita este ano foi no Tocantins.
Ainda falando de milho, no caso dessa cultura, as estimativas mostram redução de área em 2023/2024. Como isso impacta na venda de sementes?
Estamos preparados, sabemos que vai ter essa redução, mas mesmo assim estamos bem animados. Ainda somos pequenos no milho. É uma planta muito nova, tem muita sinergia com todos os CDS que construímos. Uma equipe, um time. Estamos animados que vai seguir bem.
Então não chegará a prejudicar os resultados?
Eu sou 100% comprado na tese do milho no longo prazo. Acho que o mundo não tem onde produzir, não tem área. O consumo está crescendo muito. Mas o Brasil acabou crescendo muito rápido, então ficou muito grande. Assim, no longo prazo, eu acho que a notícia é muito boa, porque o milho vai crescer. Vai crescer em área na visão de dez anos, mas acho que você vai ter um problema pontual no ano que vem. Talvez não se cresça tudo o que a gente queria. Mas estamos bem otimistas com o milho.
Tem buscado algum outro diferencial na gestão da empresa também?
Estou otimista com o time, com todas as equipes. Ganhamos agora o prêmio entre as melhores empresas para trabalhar. Temos conseguido atrair talentos. A gente tem ampliado um programa de participação, de dar ações para os funcionários, para que os colaboradores se tornem sócios donos da empresa. Quase ninguém tem isso.
Copiamos isso do mercado financeiro. Não é só para diretor. No ano passado foi para gerentes, supervisores, mas acho que no ano que vem vai baixar para coordenadores. Vejo no financeiro um time muito engajado. A gente se inspira para tentar fazer algo parecido no agro, que eu não vejo outras empresas fazendo. Acho que isso ajuda muito o time.