“Preciso aprender a pescar”, brinca o empresário Celito Missio. E dá até um prazo pra fazer isso: “Tenho até julho de 2027 na posição de CEO. Depois tenho de ir para o Conselho”.
Esse é o prazo estipulado para que o comando da Oilema, uma das maiores empresas de sementes do País, passe a ser comandada apenas por executivos que não pertençam às famílias fundadoras e acionistas da companhia.
O relógio está correndo na Oilema, criada há pouco mais de 25 anos pelos irmãos Gatto, com Carminha Gatto e seu marido Celito Missio. O nome foi uma homenagem a0 patriarca, o agricultor gaúcho Amélio Gatto (Oilema é grafia invertida do nome do patriarca).
E que contou com a grande experiência de Celito Missio – que desde os anos 1980 atua no universo de sementes, tendo sido inclusive CEO de outra grande sementeira, a Jotabasso – para construir uma trajetória de pioneirismo e sucesso no Oeste da Bahia, onde a família se instalou.
Hoje, as sementes produzidas pela Oilema estão em mais de 1,1 milhão de hectares, sobretudo na região do Matopiba (sigla que compreende as regiões agrícolas dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), além de Mato Grosso, Pará e Rondônia.
A soja é o carro-chefe, mas a empresa já definiu em seu planejamento que vai investir cada vez mais em sorgo.
“Pelos nossos cálculos, estamos participando em cerca de 2,5% das lavouras de soja que o Brasil planta”, diz Missio.
A empresa cresce, segundo o CEO, a um ritmo entre 5% e 10% ao ano, expectativa que mantém para a safra 2024/2025. A colheita das sementes a serem usadas no próximo ciclo agrícola ainda está em curso e o executivo está otimista, depois de um 2023 que foi histórico para a Oilema.
Além de marcar o “jubileu de prata”, foi no ano passado também que a empresa concluiu seu processo de planejamento estratíegico para as próximas décadas, com decisões que marcarão a sua sucessão.
“A gente sabe que uma sociedade de irmãos vai longe. Já uma de primos pode não ir”, diz. “Então, ao passar para a segunda geração, tem de ter amarras, né?”
A profissionalização do comando da empresa vem sendo feito, passo a passo, já há alguns anos. Em 2018, por exemplo, os sócios – os filhos de Amélio Gatto e o próprio Missio – deixaram de participar como pessoas físicas, criando empresas de participação que hoje aparecem no quadro acionário da companhia.
Um conselho de administração foi instalado e conta hoje com nomes como Arlindo Moura, ex-presidente da SLC Agrícola e do grupo Santa Colomba, e Marcos Fava Neves, professor da USP em Ribeirão preto e fundador da Harven Agribusiness School.
Ainda hoje, além de Celito Missio, outros dois integrantes da família Gatto participam na direção da empresa. Todos eles, porém, devem sair até 2027.
Aos poucos, o CEO vai começar a transferir poderes para profissionais que já atuam na Oilema. “Hoje ainda quem assina pela a empresa sou eu, mas a ideia é que daqui a um mês nós já tenhamos discutido as alçadas e procurações”, conta.
“Sócio não pode ter privilégio nem empregabilidade garantida. Vai ter dividendos e, então, vai botar o dinheiro onde quiser”.
Do Sul ao Matopiba
Como muitos produtores gaúchos, os Gatto chegaram no Oeste baiano há mais de 40 anos em busca de terra mais barata. Viveram em barracas de lona enquanto aprendiam a lidar com o solo arenoso da região em uma época em que não havia sequer sementes adequadas para aquela região.
Eles chegaram a levar caixotes desse solo para o Sul, para estudar quais as variedades poderiam se adequar melhor no Nordeste. E, então, vislumbraram um novo negócio: multiplicar as sementes que ele mesmo plantava e oferecer aos vizinhos.
De Rondonópolis, no Mato Grosso, sede da Jotabasso, Missio acompanhava o empenho dos cunhados e ajudava facilitando acesso às novas tecnologias de sementes que surgiam na região.
À distância, Missio contribuía com conselhos e também, conforme diz, com algumas “economias”. O negócio de sementes andava quase que informalmente, até que, em 1997, a instituição no Brasil da lei de proteção de cultivares mudou o cenário, abrindo a possibilidade de se investir mais no setor.
“Foi a melhor coisa que podia ter acontecido para a agricultura”, avalia Missio. “Deu propriedade intelectual para os melhoristas de sementes e, com isso, vieram empresas de peso, como a Monsanto e outras, investir em genética”.
A Oilema foi instituída em 1998, mas ainda atuando com o CPF de seu fundador. “Já tinham até uma instalação boa, pequena, mas bem arrumadinha de semente”, lembra Missio. “Eu entrei como sócio intelectual na empresa, pela expertise que eu já tinha.
Em 2004, Missio e a esposa mudaram-se para o Oeste da Bahia e ele assumiu o comando da companhia, que em 2010 passou a ser constituída como pessoa jurídica, segregada dos outros negócios agrícolas dos sócios. “Então, o negócio da semente passou a pagar as suas contas e fazer seus investimentos”.
Mercado premium
Ao longo desses anos, a marca Oilema foi se tornando referência na região pela qualidade das variedades que oferecia. Enquanto o Ministério da Agricultura estabelecia uma taxa mínima de germinação de 80% para que sementes pudessem ser vendidas, a empresa decidiu subir a própria barra para 90% e, com isso, trabalhar apenas no segmento superior do mercado.
Missio faz uma analogia com o mercado de vinhos. Uma vinícola tem garrafas de R$ 200 e de R$ 50. Eles segregam o melhor para vender mais caro”, compara.
“Lá em 2010, nós criamos um padrão de 95%. Seria um vinho reserva, sabe? Tinha de ter 95% de germinação para ser vendido”.
O padrão mais elevado exigiu, então, um novo modelo de comercialização. Enquanto o mercado vendia as sementes de soja por quilo, a Oilema decidiu negociar por unidade, já tratada com fungicida, inseticida e inoculante.
“Nós fomos a primeira empresa do Brasil a vender semente por unidade. E ficamos um bom tempo sozinhos. Essa semente nos deu um status diferencial”, afirma Missio, falando da marca Supreme, lançada pela empresa.
Rumos do crescimento
Hoje, a Oilema comercializa cerca de 40 diferentes variedades de sementes de soja, o carro-chefe da companhia. Nos últimos anos, a empresa tem estudado com atenção também o sorgo, “uma cultura de alto potencial”, segundo o CEO.
A empresa começou a explorar esse mercado graças a parcerias com duas empresas, Innovative Seeds e a chinesa LongPing, que fornecem a genética que a Oilema multiplica.
“Eu estou muito acreditando que vai ser um negócio espetacular por conta do etanol” diz Missio.
Ele lista o rol de investimentos em novas plantas voltadas para a produção do biocombustível a partir do milho anunciados recentemente. E prevê que o sorgo poderá abastecer uma boa parte da demanda por grãos nessas usinas.
“Hoje o pessoal não planta sorgo porque não tem mercado para vender. No ano passado, aqui, o saco de sorgo estava R$ 26,00, que não paga o custo. Mas hoje já está pagando R$ 40,00 lá no Maranhão. Então, a hora que isso começar a rodar, vai ter um mercado muito grande para sorgo no Matopiba”, prevê.
Outro destaque do ano de 2023 foi a elevação do nível de investimento da companhia. A Oilema aplicou cerca de R$ 40 milhões em obras para ampliar a infraestrutura de armazenagem, secagem, beneficiamento, tratamento e controle de qualidade. Com os aportes, a capacidade de estocagem em câmaras climatizadas foi ampliada em 15%.
“A Oilema é uma empresa de instalações, pessoas, processos e parcerias” define. “Nosso investimento é em instalações. Se não tiver instalação, não consegue colher no momento certo. Até os veículos são todos locados, não empatamos recurso nisso”.
Assim, a companhia conta com cerca de 40 agricultores no fornecimento das variedades que comercializa – entre eles, os próprios integrantes das famílias sócias. Não há, no entanto, garantia da aquisição. “Remuneramos por qualidade. Se caprichar tem mais, se não caprichar, não tem nada”.
Outra frete de investimento está em uma empresa de genética, a Soy, criada em 2016 em sociedade com três outros grupos sementeiros – Uniggel, Triunfo e os fundadores da Sementes Goiás. “Já temos variedades plantadas e beneficiamento. E este ano o faturamento será suficiente para não botar mais dinheiro”, diz.
Segundo Missio, a intenção é manter esse ritmo de investimentos nos próximos anos, confiante de que o mercado seguirá se expandindo. “Ninguém planta sem semente. Sem adubo, sem químico, até consegue, o cara dá um jeito de economizar um pouco”, diz.
Quase 70% das vendas da empresa são feitas diretamente para os agricultores – o restante, através de distribuidores de insumos. Esse é outro modelo que o empresário pretende manter.
No planejamento estratégico recém-concluído, a expansão está garantida, segundo Missio, sem a necessidade de seguir para novas regiões. “Podemos crescer 50% aqui dentro, com controle total da produção”, diz.
E também sem a necessidade, por enquanto, de se buscar novo sócio ou fazer IPO para trazer capital para financiar o crescimento. O mercado de sementes passa por um momento de consolidação e a perspectiva de aquecimento nos processos de fusões e aquisições parece não afetar Missio.
“A gente tem tido bastante procura, mas não tem dado atenção. Entendemos que não está na hora, que a gente pode andar sozinho mais um tempo”, conclui.