A solução que despontou na década de 1960 para viabilizar a compra e financiamento de automóveis, mas que depois teve seus altos e baixos, agora pode ser um “óasis” na seca de vendas atravessada pela indústria de máquinas agrícolas: é o velho conhecido consórcio.

Quem conhece em detalhes essa história são os irmãos Mônica e Vitório Rossi, filhos do fundador da mais antiga administradora de consórcios do Brasil, a Primo Rossi.

A empresa foi criada em 1964, quando o modelo de consórcio no País daria os seus primeiros passos, seguido pelo grupo Rodobens.

“O primeiro consórcio que se tem notícia foi um consórcio informal, funcionários do Banco do Brasil que se juntaram, queriam comprar fuscas, era uma família japonesa. Juntava o dinheiro por mês, pegava o valor do bem, que seria então sorteado. Se alguém quisesse completar o que faltava antes, podia, é o famoso lance de hoje. Então o consórcio basicamente foi fundado na necessidade de aquisição e na cooperação financeira”, explicou Mônica Rossi, uma empresária apaixonada pelo segmento que atua, em entrevista ao AgFeed.

Durante décadas a Primo Rossi foi conhecida por atuar no ramo de concessionárias da Volkswagen, mas aos poucos foi dando mais ênfase ao setor de consórcios.

A Primo Rossi assumiu no ano 2000, por exemplo, o consórcio Mappin/Mesbla. Em 2004 foi a vez adquirir o União RJ e CTBC Algar.

“O consórcio acabou ficando muito maior que a concessionária. Saímos do segmento de concessionária Volkswagen e fomos consolidando a compra de carteira. A última carteira que a fizemos aquisição foi a Agrabem, 2017”, lembra Vitório.

Essa foi a data da entrada da Primo Rossi no agro. A Agrabem era nada menos do que a carteira completa que daria origem ao Consórcio Nacional Case IH, ligado a uma das gigantes mundiais de máquinas agrícolas.

“Hoje somos o consórcio que mais contempla. No mês de junho, por exemplo, chegamos a contemplar 180 cotas”, afirmou.

Como sócio responsável pela área de marketing e vendas, Vitório Rossi gosta de destacar os números recentes de evolução e as estratégias que têm garantido o crescimento da receita, mesmo neste período de retração do mercado de máquinas agrícolas.

A Primo Rossi diz que, nos últimos cinco anos, vem crescendo em média 30%. “Desde a nossa entrada em 2017 tivemos anos que crescemos mais de 60%”, conta.

Uma das estratégias para atrair clientes, garantir mais aportes e oferecer contemplações mais frequentes é uma promoção baseada no “sorteio de tratores”.

Foram entregues recentemente 6 tratores “extras” aos clientes que pagam mensalmente as cotas, por meio de um sorteio – ou seja, além de ter o direito de utilizar o consórcio depois de pago, aquele que foi sorteado ganhou de graça, o trator.

“Além do consórcio dele, que vai pela loteria federal, o cliente concorria gratuitamente aos seis tratores”.

O curioso é que um único produtor rural de Goiânia que pagava várias cotas diferentes do consórcio, chegou a ser sorteado duas vezes, portanto, ganhou dois tratores gratuitamente.

“Se você comprar múltiplos de 200 mil reais, você recebe vários números. Quanto mais números, mais chance você tem de ganhar”, explica. “Isso está alavancando bastante as vendas e movimentando bastante o mercado do consórcio da Case”.

A Primo Rossi não revela qual seu faturamento, mas diz que 70% da receita dos consórcios está relacionada às máquinas agrícolas.

O consórcio da Case foi adquirido pela Primo Rossi em um leilão do Banco Central. Havia entrado em liquidação em 2015.

“Fomos a única administradora a propor ao Banco Central, ao invés de liquidar a carteira de consórcio de administradoras com problema, que se transferisse esse ativo da carteira para nós. Resolvemos trabalhar a credibilidade para que as pessoas voltassem a pagar”.

Segundo Vitório, situação semelhante havia ocorrido com o Mappin/Mesbla, que “se quebrasse na época teria quebrado o sistema inteiro de consórcio”.

Os irmãos admitem que havia uma certa insegurança no mercado, mas que em menos de dois anos já conseguiram reverter a percepção junto aos clientes, às concessionárias, junto aos fabricantes, e junto ao Banco CNH.

“Hoje toda a rede Case tem o consórcio. Há concessionárias que já estão com 40% da sua atribuição já sendo entregues e faturadas pelo sistema do consórcio Case administrado por Primo Rossi”, afirmou Vitório.

Mônica Rossi calcula que quando a carteira foi adquirida, o consórcio Case tinha cerca de 4,5 mil cotas e hoje são pelo menos 12 mil cotas. “Consórcio é confiança, não tem jeito”.

Apesar de seguir crescendo, a Primo Rossi também sentiu efeitos do período de maior cautela por parte dos produtores. Em 2023, por exemplo, cresceu em 3,8% a receita em relação ao ano anterior – resultado bem abaixo da média de cinco anos.

Para 2024, os irmãos Rossi dizem que o primeiro semestre ficou praticamente empatado, mas que ainda acreditam que será possível fechar o ano com avanço de 8%.

Deve ajudar a chegar lá a promoção de sorteio de tratores, já que, para concorrer, o cliente tem que antecipar o pagamento de seis parcelas, o que vira um ganho e uma antecipação na receita da empresa.

Perguntados sobre possíveis impactos na inadimplência, em função do aumento de recuperações judiciais no agro, os dois empresários garantem que não foram significativos.

Eles dizem que ao longo de 2023 receberam muitos pedidos de renegociação, mas que os níveis de inadimplência seguem bem mais baixos do que aqueles vistos no sistema bancário.

O segredo, na visão deles, é uma análise criteriosa dos clientes e uma espécie de “serviço de educação financeira”, para só fechar negócios com grupos mais sólidos que não estejam se aventurando em busca de um sorteio rápido, podendo desistir do consórcio rapidamente.

Os irmãos Mônica e Votório Rossi, sócios da Primo Rossi

Vantagens financeiras

As vendas de máquinas agrícolas no Brasil já recuaram 28,1% até setembro, segundo dados da Abimaq, entidade que representa as indústrias. O mercado já havia registrado queda de 21,5% em 2023.

O momento é considerado desafiador porque desde meados de 2023, com a queda nas margens dos produtores rurais e a dificuldade de pagar dívidas, muitos optaram por pausar os investimentos em maquinário.

Para a Primo Rossi, apesar dos desafios do momento, essa é uma época em que as vantagens do consórcio como uma forma alternativa de financiar um bem ficam ainda mais evidentes.

“Atualmente, na taxa de juros atual, a economia do consórcio comparada com o financiamento é da ordem de 40% do valor do bem. Hoje o planejamento financeiro é muito importante”, disse Mônica.

Ela explica que o consórcio acaba sendo um regulador de demanda para as marcas fabricantes. “No caso de uma fábrica, a produção vai sendo absorvida, ou seja, entregue mês a mês, cada vez mais pelas contemplações, que elas independem se a economia está crescendo ou caindo. Porque elas vão acontecendo, desde que a carteira seja bem administrada, como é o nosso caso, com a Case”, diz.

Segundo a empresária, algumas revendas da marca já abrem as portas com 35% da sua atribuição sendo absorvida pelas contemplações mensais do consórcio.

Por outro lado, num mercado em retração, a concessionária que está sem consórcio, sem essa “poupança de anos anteriores” ficaria em desvantagem. A regra vale tanto para o consumidor quanto para a revenda, afirma Mônica.

Ela cita o exemplo de um consórcio de imóvel. Ao adquirir uma carta de R$ 300 mil com 240 parcelas para pagar, a taxa de juros seria de 1,5% ao ano. Já para adquirir esse valor via financiamento tradicional o cliente teria que pagar 9,5% de juros.

Considerando essas taxas, ela diz ao final do período de 240 meses o cliente desembolsa R$ 390 mil pelo consórcio e R$ 673 mil no financiamento.

Uma lógica semelhante valeria para o consórcio de um trator. Para um contrato de R$ 300 mil, em 100 meses, financiar pela via tradicional custaria R$ 119 mil a mais do que o consórcio, segundo ela.

A diferença, claro, é o fato de o financiamento normal permitir já ter o bem imediatamente, enquanto no consórcio é necessário esperar.

Mônica diz que o consórcio segue crescendo não porque as pessoas não tenham a necessidade imediata. “Às vezes ele já tem um trator funcionando, mas vai fazer a troca desse trator. Ou quer aumentar a frota, no caso dos grandes produtores. Aí vai mesclando uma parte à vista, uma parte financiada e grande parte em consórcio. Isso faz com que o custo financeiro da operação baixe muito”, explica.

A executiva calcula que a Primo Rossi atualmente esteja contemplando o equivalente a 10% da produção de tratores da Case.
Nem todos os contemplados, convertem o consórcio na máquina. Alguns utilizam para retirar outros bens, como um automóvel, por exemplo. A taxa de conversão estaria em 6% do total da fabricante.

No Brasil, o sistema de consórcios como um todo – não apenas ligado ao agro – contabiliza 11 milhões de pessoas, o que seria mais de 10% da população economicamente ativa.

“O ponto fundamental hoje é que o Banco Central do Brasil toma conta do sistema, portanto tem uma segurança muito maior do que tinha. Existe praticamente uma auditoria até online, é impressionante o nível de detalhe, por isso há menos administradoras, mas com mais segurança”, acrescentou Mônica.

Ela diz que o consórcio, inclusive, tem sido visto como uma diversificação de investimento. “No consórcio não tem estoque, não estou limitado ao dinheiro do governo ou ao dinheiro do banco, do próprio grupo. Então, o céu é o limite. Mas quem precisa de aquisição imediata, eu falo, vai para o financiamento, vai para a compra à vista. Só que vai pagar juros ou vai tirar capital do seu negócio”