Americanos, europeus e japoneses duelam há décadas pela preferência do produtor rural brasileiro, revezando na liderança do mercado de picapes e se movendo conforme as tendências do consumidor do agro. A do momento são as caminhonetes de médio a grande porte, robustas no campo e atrativas às montadoras, que obtêm margens mais altas nas suas vendas.
Desde o último fim de semana, a chinesa BYD se propôs a encarar essa disputa, apostando em levar para o campo o discurso que fez da marca de carros elétricos e híbridos um fenômeno de vendas nas cidades brasileiras, com cerca de 60 mil automóveis vendidos em um ano.
Em um grande evento em Goiânia, reuniu mais de 500 pessoas em torno da BYD Shark, a primeira picape da marca a ser vendida no Brasil. Desenvolvida para o mercado nacional, veio embalada especialmente com um marketing focado em um discurso que mistura as tendências rural e urbana – um veículo de porte médio a grande, com motorização híbrida (combinando um propulsor a combustão e um elétrico), posicionando a Shark como a primeira da categoria a falar de eletrificação e descarbonização.
A picape da BYD vai ocupar, assim, lugar no topo da prateleira do setor, vendida a um preço nada módico de R$ 379.800 – a liderança do mercado hoje, em termos de volume de vendas, pertence à Fiat, com modelos pequenos e médios.
Mais do que o desafio do valor, entretanto, a montadora chinesa terá de enfrentar a prova da conquista da confiança de um público normalmente conservador, comprovando que a tecnologia que traz é viável para o segmento e que está preparada para encarar o teste de fogo da rusticidade do agro.
“Nossa visão é de que o agro está mais conectado, mais exigente”, afirmou, no evento de lançamento, o goiano Alexandre Baldy, vice-presidente sênior da BYD no Brasil. De família de produtores rurais e ex-deputado ligado à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o executivo pontuou que o agronegócio está no centro da estratégia da marca para as picapes e que, no segmento, vai usar a mesma postura agressiva que adotou no mercado urbano.
Assim, a campanha de lançamento terá como ponto forte uma série de parcerias que buscam tornar o investimento mais atrativo para o produtor – financiamento com prazo safra e taxas competitivas garantidas pelo Santander, seguro grátis por um ano, desconto de 15% nos combustíveis oferecido pela Raízen e até a instalação de uma “usina solar” na propriedade do cliente com capacidade de 1000 kw/mês.
A dupla Maiara e Maraisa foi apresentada como embaixadora da marca no Brasil. No show que fizeram durante o evento, as cantoras ressaltaram “a coragem BYD” para selecionar duas mulheres que também são produtoras rurais.
O principal objetivo da campanha será, é claro, propagar os atributos de potência e da robustez da Shark. “O nosso posicionamento é de uma picape intermediária”, afirmou Henrique Antunes, diretor comercial da marca, ao AgFeed. “Ela é maior do que uma picape média e um pouco menor do que uma grande, mas entregando os atributos da grande”.
Segundo ele, isso significa entregar benefícios, especialmente ligados a conforto, tecnologia, economia e sustentabilidade. “Tivemos várias etapas de testes e de calibrações necessárias para que o carro atenda à questão de clima, à questão de combustível”, disse. “É um investimento de alguns milhões, mas que não tem relevância diante do potencial que esse carro tem para o nosso País”.
De acordo com Antunes, a Shark é um carro quase que feito exclusivamente para o nosso território, já que o mercado para este tipo de produto lá na China é muito pequeno. Inicialmente, a demanda estimada está atrelada ao estoque disponível de 1,5 mil unidades até o final do ano.
Um ponto de atenção na tropicalização foi a qualidade dos terrenos em que a picape deve rodar e o risco de que a bateria, ponto nevrálgico de um veículo elétrico, seja avariada no trabalho pesado em estradas de baixa qualidade ou mesmo fora da estrada.
O design e a estrutura da Shark foram pensados para minimizar esse risco, de acordo com Antunes. O chassis da picape fica mais alto que o da média do mercado e as baterias, embora colocadas na parte inferior do carro, são posicionadas acima das longarinas, oferecendo mais proteção.
“A caixa da bateria tem uma resistência maior do que, por exemplo, uma caixa de câmbio”, explicou. “Hoje a caixa de câmbio de uma picape a combustão é mais frágil e mais baixa do que a bateria da nossa picape. Então o risco é menor do que eventualmente quebrar uma caixa de câmbio por qualquer impacto”.
Outro investimento significativo da BYD para conquistar o público rural é na formação de uma rede de concessionárias capaz de interiorizar o atendimento aos clientes da marca, hoje concentrado nas principais capitais. Tanto Antunes como Baldy garantem que a assistência técnica não será um entrave.
“A BYD não teve esse crescimento jamais visto no mercado brasileiro à toa”, analisou Antunes. “A gente já está trabalhando há alguns meses no desenvolvimento de rede nas microrregiões rurais do Brasil”.
Segundo ele, a empresa já tem lojas em operação em polos do agro como Marabá e Parauapebas, no Pará, Sinop, Sorriso, Nova Mutum, Tangará da Serra e Primavera do Leste, no Mato Grosso. “Fizemos um processo focado nas cidades onde você tem uma grande concentração de produtores rurais e um grande potencial de mercado”.
Com passagens pelo segmento de máquinas e equipamentos agrícolas, Antunes traz para o grupo a expertise no atendimento a esse público, que tem uma visão diferente do consumidor urbano em algumas questões.
“Qual é o melhor trator para o produtor rural? Aquele em que a assistência técnica está mais perto. Porque um trator parado no tempo da safra é prejuízo. Então, a gente trazendo essa realidade para entregar para o produtor rural é o que ele quer”, diz.
“Não adianta ter a melhor caminhonete do mundo, se quando a dele quebra e ele tem que percorrer mil quilômetros para levar a caminhonete para consertar. Essa assistência tem que estar perto”.