Lucas do Rio Verde e Cuiabá (MT) - Há algumas semanas, a FS (Fueling Sustainability), uma das maiores empresas de etanol de milho do Brasil, se tornou a primeira empresa do mundo a receber a certificação ISCC (International Sustainability & Carbon Certification).
O título atesta que a empresa atende os requisitos globais para produção de SAF, sigla em inglês para Sustainable Aviation Fuel, ou Combustível Sustentável de Aviação. O certificado ISCC CORSIA é baseado em critérios estabelecidos pela ICAO, Organização Internacional de Aviação Civil.
O pioneirismo veio com a obtenção da certificação chamada "Low LUC Risk", em colaboração com um de seus fornecedores de milho de segunda safra, o Grupo GGF. A mesma certificação ISCC Corsia já havia sido conquistada por empresas como Raízen e BP Bunge, mas ambas relacionadas à produção de etanol a partir de cana-de-açúcar e sem o reconhecimento sobre o uso da terra.
Com isso, segundo afirmou Daniel Lopes, vice-presidente executivo de Sustentabilidade e de Novos Negócios da FS, em entrevista ao AgFeed, o etanol de milho brasileiro da empresa poderá estar presente dentro de tanques de aviões em janeiro de 2027.
Segundo ele, as metas do CORSIA são voluntárias até dezembro de 2026. A partir do mês seguinte, as empresas aéreas ficam obrigadas a adotar o blend com etanol. “É um mercado que vai se desenvolver aos poucos, mas será muito pujante e promissor”, diz.
A FS, contudo, já vê sua equipe comercial em processo de traçar essas rotas para exportar etanol para virar SAF nos EUA, Ásia e Europa, regiões que possuem plantas prontas ou projetos mais adiantados para esse tipo de produção.
“Devemos atender o Brasil quando tivermos produção de SAF por aqui”, afirmou Antonio Carlos Júnior, gerente de operações da FS na unidade de Lucas do Rio Verde (MT), durante visita da reportagem à planta da companhia no município.
Potencial à brasileira
Apesar de o Brasil ainda não ter plantas de SAF em desenvolvimento, o chefe do Departamento do Complexo Agroalimentar e Biocombustíveis, Mauro Mattoso, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), avaliou que o País tem grande potencial e pode aproveitar oportunidades para produzir o SAF.
“Precisamos entrar no mercado de combustível para aviação e fazer SAF”, disse ele, nesta quinta-feira, durante a Conferência Internacional Unem Datagro sobre Etanol de Milho, em Cuiabá (MT).
Na visão de Mattoso, a produção desse combustível por aqui pode ajudar até a sustentar o preço de grãos em patamares melhores. “Se torna até melhor do que exportar grãos”, afirmou.
Em um painel do evento, o diretor também citou que o programa do governo federal chamado de “Mais Inovação”, traz oportunidade para empresas lançarem projetos de SAF.
Além disso, ressaltou que o Fundo Clima, do BNDES, pode financiar projetos em áreas verdes, incluindo mobilidade. O fundo terá R$ 10,4 bilhões para iniciativas tanto públicas quanto privadas.
“O fundo nos ajuda a desenhar produtos para aumentar a produção de combustível renovável, permitindo investimentos em SAF, biometano e também no etanol de milho”, afirmou.
A dificuldade de produção de SAF passa por questões políticas e de incentivo, segundo Lopes. Ele acredita que, a partir de 2030, ano em que o setor de aviação tem alguns mandados a cumprir, o mercado de SAF será quatro vezes maior que o de etanol global.
Inspiração americana
Para suprir essa demanda, Lopes diz que é preciso “equacionar” a cadeia. Ele cita, por exemplo, a criação do IRA (Inflation Reduction Act), nos EUA, que colocou US$ 50 bilhões em incentivos tributários para empresas produzirem SAF no país.
“Um baita incentivo. Com ele, o mercado americano tira do pagador de impostos recursos para viabilizar produção do setor privado. O Brasil está uns passos atrás e ainda está regulamentando”, afirmou.
Ele cita o projeto de lei (PL) do Combustível do Futuro, que foi aprovado na última semana pela Câmara dos Deputados e que amplia o incentivo à aceleração dos investimentos em plantas de produção de biocombustíveis no País. O texto segue para ser aprovado no Senado.
Dentre outras medidas, o PL regulamenta o SAF, instituindo uma mistura mínima de 3% de etanol no blend das aeronaves.
Com a discussão ainda caminhando por aqui, a FS deve atingir “mercados mais sofisticados”, como o estadunidense e o europeu, segundo Lopes. “Eles estão prontos para pagar um prêmio nesse produto”, afirmou.
“Esse mercado precisa ter investimento, existe muito pouca produção de SAF, mas isso deve vir em questão de tempo. Eu confio muito nesse mercado”, acrescentou.
Para onde vai o SAF?
Um dos possíveis destinos do etanol da FS no norte da América deve ser bem próximo à empresa. Ela é controlada pelo fundo Summit Agricultural Group, que anunciou, em maio do ano passado, a construção da “maior planta do mundo de combustível de aviação à base de etanol" nos Estados Unidos e destacou a possibilidade de ter o fornecimento a partir da unidade brasileira.
Para uma produção brasileira de SAF, entretanto, Daniel Lopes acredita que é preciso, em primeiro lugar, uma planta operacional por aqui, algo que ainda não é discutido por nenhuma companhia.
A solução, segundo o executivo, é fomento público, seja via BNDES ou subsídios, assim como é feito nos EUA. “Existem desafios ambientais para o Brasil participar desse mercado e teremos que ter muito rigor no Código Florestal. Enquanto não desatar esses nós, o mercado de SAF não vai decolar”, disse.
Por agora, a empresa comemora a quebra de paradigma com a obtenção do certificado. Antonio Carlos Júnior explicou que a FS teve que “explicar” para a ICAO que a matriz energética da empresa é diferente da matriz que produz o etanol norte-americano.
Enquanto o Brasil é conhecido pelo etanol de cana, os EUA já produzem há décadas o biocombustível feito de milho. A diferença é que, por aqui, as indústrias utilizam na sua matriz energética a biomassa, que no caso da FS, vem do cavaco de eucalipto e do bambu. Nos Estados Unidos, a fonte da energia é o gás natural.
Essa diferença traz uma pegada de carbono menor para o etanol de milho brasileiro quando comparado ao americano.
Em entrevista recente ao AgFeed, o CEO da FS, Rafael Abud, afirmou que essa certificação reduz a pegada de carbono do etanol da empresa. “É um importante reconhecimento e validação de que o etanol de milho de segunda safra brasileiro é uma matéria-prima de baixo carbono, se enquadrando como uma ótima solução para a produção de biocombustível e contribuindo para a descarbonização em diversos setores, principalmente, o de aviação", declarou.
O executivo explicou que, caso o biocombustível da FS seja utilizado em processos submetidos a um mercado de carbono, como ocorre com a aviação dentro do CORSIA, "as emissões oriundas da queima do combustível são significativamente menores quando comparadas ao combustível fóssil, o que pode atender a meta de redução de emissão deste processo, sem mesmo necessitar compensação de emissões".
A empresa foi pioneira na produção de etanol de milho no Brasil e inaugurou em 2017 sua primeira planta, em Lucas do Rio Verde (MT).
Atualmente, a empresa possui três unidades – além da primeira, outra em Sorriso e uma em Primavera do Leste. Somadas, as unidades produzem cerca de 2 bilhões de litros de etanol de milho por ano. A planta de Sorriso é a maior de todas, e produz cerca de 800 milhões de litros em doze meses.
Para os próximos anos, estão previstas mais três unidades, uma em Nova Mutum, outra em Querência e uma em Campo Novo, todas no Mato Grosso. De olho nesse novo mercado que se abre, a expectativa é chegar, até 2027, aos 5 bilhões de litros de etanol por ano produzidos pela FS.
Apesar da discussão sobre a exportação, o principal objetivo da FS ainda é abastecer principalmente o mercado interno de etanol, até para aproveitar a vantagem de a frota de carros nacionais ser 100% flex.
O ano fiscal 2023/2024, que se encerra em março, marcou o período em que a FS mais exportou etanol – o percentual atingiu 5% da produção, segundo Lopes, e encontrou destinos na Europa e na América Latina.
“Temos muito espaço ainda no Brasil, mas essas certificações nos permitem exportar. Com as três plantas que estão para chegar, acreditamos que podemos fomentar ainda mais essa demanda interna”.
Até este ano, a FS não exportava etanol e Daniel Lopes explica que isso aconteceu por dois motivos. O primeiro era o preço do produto no mercado nacional, que por estar em um patamar elevado, não forçava a empresa a buscar esses mercados externos.
Além disso, a empresa ainda vive o processo de obter certificações para aumentar o mercado lá fora.
“O futuro dos combustíveis líquidos está atrelado à pegada de carbono e ao rigor ambiental. Quanto mais rigoroso uma empresa mostrar que é, mais mercado ela tem lá fora. Vamos subindo a barra internamente para conseguir exportar cada vez mais”, afirmou.
O caminho natural da exportação é via SAF, mas a demanda desse mercado, dito como quatro vezes maior que o de etanol, vai forçar o agro brasileiro a tomar um novo rumo.
Segundo Lopes, o País deve aumentar sua capacidade produtiva. Só no Mato Grosso, ele estima que haja cinco milhões de hectares de soja que cultivam o grão com exclusividade, sem uma segunda safra. “Só aí temos espaço para mais ‘sete FS”, afirmou, se referindo ao tamanho atual de produção da empresa, com três unidades em pleno funcionamento.