Eike Batista não é dado a pensar pequeno. O empresário que já foi o homem mais rico do Brasil e chegou a ter sua fortuna estimada em US$ 30 bilhões, apostou alto e perdeu quase tudo por não ter obtido sucesso na exploração de petróleo com sua OGX - e, postesriormente, ter seu nome envolvido na esteira de processos judiciais na esteira da Operação Lava Jato. Não perdeu, entretanto, a ambição e o desejo de fazer grandes negócios.
Depois de um período de silêncio e introspecção, nas últimas semanas ele voltou a se expor e a falar novamente de planos, que reacendem o entusiasmo no seu discurso. E poucos temas o motivam tanto atualmente quanto o agronegócio. Mais especificamente a ideia de, em suas próprias palavras, “fazer a economia da cana virar de cabeça para baixo”.
Para fazer isso, Eike repaginou um projeto com o qual esteve envolvido nos últimos 10 anos e que chegou a ser considerado carta fora do baralho: a produção de uma variedade de cana com maior densidade de fibras e, com isso, maior capacidade de geração de biomassa e, portanto, energia.
A chamada “cana energia”, abortada no final da década passada, agora foi rebatizada para “cana celulose” e embalada para caber sob medida em um novo cenário em que o etanol se transforma em combustível sustentável de aviação (SAF) e a biomassa ganha mais valor se transformando em plástico verde ou papel, e não apenas sendo queimada para gerar energia.
“Nós estamos fazendo reuniões com empresários do Brasil inteiro, usineiros, empresários, que queiram fazer a troca da cana atual por essa cana diferenciada”, afirmou Eike em entrevista exclusiva ao AgFeed.
Nós, no caso, são ele e o Luís Rubio, um dos sócios da BRXe, a empresa responsável pelo desenvolvimento das novas variedades que Eike sonha em transformar em novo padrão nos canaviais brasileiros nos próximos anos.
Ele diz ser apenas um conselheiro da companhia, com direito a, futuramente, passar a ter participação no negócio. Mas desde já é a face e a voz do projeto, que, segundo dados que constam em uma apresentação que ele costuma fazer aos interessados, vem sendo desenvolvido há quase quinze anos e já consumiu mais de R$ 350 milhões em investimentos.
O resultado desse processo – que teve altos e baixos e só não foi abandonado pela persistência de Rubio, Eike e do pesquisador Sizuo Matsuoka, um dos maiores especialistas em biotecnologia para o setor canavieiro no Brasil – são, segundo Eike, 17 variedades de uma supercana capaz de produzir em média 180 toneladas por hectare durante 10 anos, contra uma média próxima a 80 toneladas por hectare obtida, durante cinco anos, pela variedade mais utilizada no Brasil hoje.
Assim, seu rendimento na produção de etanol por hectare seria até três vezes superior e para o bagaço, de sete a doze vezes maior, de acordo com o “pitch” do empresário.
O impacto econômico estimado por Eike é imenso. Ele afirma que a produção brasileira de etanol poderia saltar da casa de 35,4 bilhões de litros em 2023 para algo acima de 106 bilhões de litros apenas com a substituição das variedades.
Em termos de receita, sempre segundo Eike, isso significaria um salto de US$ 27,2 bilhões (considerando uma cotação de US$ 0,77 para o litro do etanol convencional) para US$ 106 bilhões (tendo como referência o valor de US$ 1 para o SAF).
Isso sem contar as outras aplicações da biomassa nas indústrias de plástico e papel, entre outras que ele vislumbra.
O vendedor de sonhos
Na vitrine do projeto, Eike assume mais uma vez o papel de vendedor de sonhos que já protagonizou ao obter investimentos para megaprojetos de petróleo, logística e mineração que o transformaram em bilionário no início do século.
Seu discurso, como já fazia no passado, se apoia em experiências vencedoras que acompanho de perto ao observar a atuação do pai, Eliezer Batista, fundador da Vale e um dos grandes nomes da industrialização do País no século passado.
Para falar da sua supercana, Eike usa como benchmark a trajetória da produção de eucalipto no Brasil e de como a introdução e o melhoramento genético dessa árvore exótica transformou o Brasil em uma potência da indústria de papel e celulose.
Eliezer Batista foi peça-chave nesse processo, ao estimular a produção do eucalipto como fonte de madeira para combustível das locomotivas da Vale no começo dos anos 1960. Anos mais tarde, ajudou a fundar a Aracruz, que se transformaria em uma potência global de celulose usando a árvore como fonte de matéria-prima.
Eike acredita que pode fazer da “cana celulose” o ponto de partida para “uma revolução” semelhante no setor sucroenergético. Ele diz que já no início dos anos 2000 buscava uma alternativa ao eucalipto na produção de biomassa que pudesse se transformar em um projeto inovador.
“Eu tinha geração térmica a carvão e a gás na MPX, minha empresa de energia, e estava sempre à procura de biomassa, até porque os europeus já naquela época estavam procurando transformar algumas plantas lá”, lembra
Por volta de 2011, conta, leu uma reportagem que falava do trabalho realizado por Rubio e Matsuoka, desde 2005, na Canavialis, empresa de biotecnologia criada pelo grupo Votorantim.
Em 2009 a empresa foi vendida para a Monsanto. A dupla passou dois anos sem poder atuar no setor, mas em 2011 retomou o projeto de desenvolver variedades mais avançadas de cana.
“Fiquei fascinado com o fato de eles estarem fazendo o maior programa de melhoramento genético da cana do planeta”, diz Eike. “Eles compraram todo o germoplasma existente no Brasil e também foram aos Estados Unidos e à França buscar material genético e, com todas as espécies na mão, começaram a cruzar cerca de 300 mil espécies por ano”.
Em 2015, Eike aproximou-se de Rubio e Matsuoka e passou a atuar como conselheiro da Vignis, que na época chegou a ter 73 cientistas e técnicos e mais de 70 pessoas no campo. Em 2017, a companhia lançou no mercado a cana energia, com variedades que ofereciam às usinas uma maior quantidade de biomassa para, como o nome diz, a produção de etanol e energia.
O negócio, entretanto, não prosperou. Mais focadas no açúcar, as empresas do setor não se interessaram pela novidade, que não tinha o mesmo rendimento na produção do adoçante. Em 2019, a Vignis entrou em recuperação judicial e, dois anos depois, foi fechada.
O canavial de Eike
A avaliação que se faz hoje é de que a Vignis não estava pronta quando foi ao mercado e, por isso, não chegou a colher os resultados do minucioso trabalho de seleção e melhoramento genético realizado por sua equipe.
Paralelamente, entretanto, a BRXe iniciou projetos pilotos de plantio em diferentes regiões, com resultados animadores. “Eu plantei 200 hectares no Norte Fluminense em 2016, 2017”, diz Eike. “A produtividade média lá estava em 44 toneladas e eu, logo no primeiro corte, cheguei a 140 toneladas”.
Outros dois canaviais experimentais, com áreas semelhantes, foram implantados com parceiros no interior de São Paulo – um em Araras e outro em Paraguaçu Paulista. Hoje já no quarto e quinto cortes, respectivamente, mantém, de acordo com Eike, produtividades próximas de 200 toneladas por hectares, “sem fertirrigação”.
Os resultados animaram os sócios a retomarem o projeto, com o apoio do “conselheiro” Eike.
“A cada ano os produtores precisam renovar 16% dos canaviais, porque a planta é produtiva, em média, por cinco a seis anos”, afirma ele. Assim, calcula, seria possível substituir, em 20 anos, todos os atuas 5,5 milhões cultivados atualmente pela sua variedade.
“É um pouco como aconteceu no eucalipto em 50 anos, mas aqui pode ser mais acelerado. Nosso objetivo é fazer uma revolução no Brasil, inicialmente plantando em áreas que permitem ser certificadas como SAF. E vamos produzir muito mais bagaço, que se pode usar para fazer embalagens. A gente identificou que com a produção desse bagaço é possível substituir 100% o plástico do planeta”, afirma. “É um negócio muito extraordinário”.
A exemplo do que acontece com as principais empresas de biotecnologia para sementes ou mesmo com o CTC no mercado sucroenergético, a BRXe pretende licenciar suas variedades em troca do pagamento de royalties.
Além disso, diz Eike, outra possibilidade seria atuar em projetos de produção em parcerias 50-50 com grupos industriais ou financeiros mesmo que queiram entrar no mercado de SAF, “porque é estupidamente rentável”.
De acordo com o empresário, o modelo de implantação da supercana pode ser feito por módulos. Eike diz que para cada módulo de 70 mil hectares, o investimento é R$ 360 milhões. “Mas só o etanol, ele traz R$ 600 milhões anuais de geração de caixa”, afirma.
“O legado que a gente quer criar aqui realmente é que, nos próximos 5, 10, 15, 20 anos, essa cana venha beneficiar toda a indústria sucroalcoleira”.
O projeto tem, entretanto, um gargalo admitido pelo próprio Eike: a produção de mudas. Este ano, por exemplo, a empresa teria o suficiente para o plantio de 4 mil hectares. “Em 2026 já poderíamos plantar 80 mil hectares. Mas não dá para acelerar esse processo”.
Eike afirma já ter entendimentos com alguns grupos para iniciar projetos em alguns módulos, que somariam, a princípio, cerca de 70 mil hectares. E que busca também atrair “novos entrantes” para o setor, que poderiam iniciar com projetos menores, a partir de 10 mil hectares.
Seu desafio não é fácil. Mais que vender a ideia, precisa resgatar sua própria imagem e provar que, desta vez, o sonho pode virar realidade.