A maior avaliação de uma safra de vinhos no mundo ocorre todos os anos na Serra Gaúcha. A Avaliação Nacional de Vinhos (ANV), evento promovido pela Associação Brasileira de Enologia (ABE) com o apoio de um pool de empresas parceiras, reúne no Parque de Eventos de Bento Gonçalves quase mil pessoas, que degustam - às cegas - os 16 vinhos selecionados entre os 30% mais representativos da última safra.
Na mesa principal, um júri formado por 16 degustadores-comentaristas (enólogos, vinhateiros, sommeliers, jornalistas, influencers e celebridades das artes e do esporte), analisa cada amostra simultaneamente com cerca de 800 enófilos.
Essas amostras são servidas por um batalhão de mais de 100 jovens estudantes de enologia, que executam uma ágil coreografia por entre mesas longuíssimas para garantir a rapidez e a eficiência do serviço.
Nos bastidores, um time de enólogos da ABE assegura que cada amostra chegue às taças dos jurados e do público nas condições ideias de sanidade e temperatura.
Quem participa pela primeira vez da ANV, seja como comentarista convidado ou entre o público, brasileiro ou estrangeiro, fica impressionado com a dimensão do evento. De fato, não existe nada parecido no mundo do vinho, mas parte de seu encanto havia se perdido - para ser, agora, retomado.
A principal novidade da 32ª edição da Avaliação Nacional de Vinhos, que acontece no próximo dia 19 de outubro, é o retorno ao formato 100% presencial, depois de quatro edições on-line ou híbridas, em razão das restrições sanitárias impostas pela pandemia da Covid-19.
Neste ano, foram inscritas 478 amostras de 67 vinícolas de sete estados brasileiros, além do Distrito Federal. Da Bahia, vieram 15 rótulos; do Distrito Federal, 18; de Goiás, um; de Minas Gerais, quatro; do Paraná, três; do Rio Grande do Sul, 411; de Santa Catarina, oito; e de São Paulo, 18.
O trabalho de seleção prévia dos vinhos mais representativos da safra 2024 coube a 90 enólgos, que avaliaram às cegas as amostras, seguindo normas estabelecidas pela Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV).
Com a crescente participação dos chamados “vinhos de inverno” ou “de dupla poda” do Sudeste e do Centro-Oeste do Brasil, regiões onde a colheita da uva aconteceu há pouco, nos meses de junho, julho e agosto, a ABE começou a receber também amostras da safra 2023 - desde que os vinhos sejam originários dessas regiões.
Os demais devem ter sido elaborados neste ano. O presidente da ABE, enólogo Ricardo Morari, destaca a importância desta adesão das vinícolas brasileiras ao certame:
“Enfrentamos catástrofes climáticas neste ano, mas o Brasil inteiro ajudou o vinho do Rio Grande do Sul. Então uma ANV cada vez mais nacional é uma forma de retribuirmos toda a ajuda que recebemos”.
A quebra de cerca de 30% na safra vitícola gaúcha poderia ter abalado a ANV deste ano, mas, graças à participação de outros estados, o número de inscrições foi apenas 6% menor do que em 2023.
Sidimar Flack, presidente da Nova Aliança Vinícola Cooperativa, de Farroupilha, na Serra Gaúcha, com vinhedos e instalações também em Santana do Livramento, na região da Campanha, considera a participação na ANV fundamental para afirmar a marca entre os consumidores (a cooperativa, de 95 anos, acabou de promover uma completa reformulação de sua linha de produtos).
“A ANV é uma vitrine muito importante para o setor. Não podemos ficar de fora. Viemos de uma safra difícil, mas estamos confiantes na qualidade dos nossos vinhos”.
Desafio que encanta os enófilos
Os participantes dizem que é sempre difícil avaliar vinhos recém-elaborados, os quais, em alguns casos, ainda se encontram nos tanques das vinícolas. Sobretudo porque esses vinhos ainda não estão prontos. Podem melhorar ou não com o passar do tempo.
Os brancos, que chegam ao mercado mais cedo, às vezes no mesmo ano da vindima, já estão praticamente em condições de consumo. Mas os tintos, que ainda passarão por afinamento em barricas de carvalho e repousarão por mais um ou dois anos em garrafas, geralmente estão bastante imaturos.
Sobre os vinhos-base, que vão virar espumantes após uma segunda fermentação, ainda é mais difícil fazer análises e projeções. Mas este é um desafio que encanta os participantes do evento, que acorrem de todo o Brasil e até do exterior à Serra Gaúcha nesta época.
O físico e ex-presidente da Associação Brasileiro de Winemakers (ABW), Antônio Pedro Coco, que participa da Avaliação Nacional de Vinhos desde a fundação da Associação Brasileira de Sommeliers/Campinas, em 2002, estará mais uma vez no encontro deste ano com um grupo de 15 pessoas.
“A ANV é um evento absolutamente contagiante”, diz Coco. Para além de uma ferramenta de análise da evolução da qualidade do vinho brasileiro, a Avaliação Nacional de Vinhos é, também, uma grande confraternização entre produtores e consumidores.