Aos 94 anos, Warren Buffett mantém a vivacidade que fizeram dele, mais do que um ícone dos investimentos, uma espécie de oráculo que arrasta para a pequena Omaha, no estado americano de Nebraska, milhares de pessoas para ouvi-lo no encontro anual da Berkshire Hathaway.

A firma de investimentos que ele estruturou no fim dos anos 1960 a partir de uma indústria têxtil é um símbolo global de longevidade combinada com rentabilidade, construída com base em fundamentos sólidos das empresas investidas, sempre com o pensamento de longo prazo de seu fundador.

Buffett é homem de frases simples e diretas, avesso ao financês. Fala sem rodeios para o investidor, como convém a alguém que fez sempre questão de viver os hábitos simples de um sujeito do interior, mesmo sendo um dos homens mais ricos do mundo.

Até hoje ele vive na modesta casa que comprou em 1958 por US$ 31,5 mil em 1958.

E de aposentadoria ele se recusa a falar. O máximo que se permitiu nos últimos anos foi organizar sua sucessão, para valer a partir de sua morte.

O CEO do grupo será Greg Abel, executivo de longa data do grupo, mas a Berkshire Hathaway terá também um presidente sem função administrativa. Um Buffett.

O escolhido, por Buffett, é seu filho do meio, Howard, que ele e todos os demais conhecem por Howie. Por que ele? “Porque é meu filho”, respondeu o bilionário quando perguntado pelo The Wall Street Journal.

“Tenho muita, muita, muita sorte no fato de confiar em todos os meus três filhos”.

Não esperem de Howie um olhar de financista ou de um investidor sagaz, como o pai. Ele prefere ser visto como sempre foi: um fazendeiro, um homem do interior, que vive enfiado em roupas de trabalho no campo e adora pilotar grandes máquinas agrícolas.

Algumas de suas poucas entrevistas foram concedidas nas cabines de colheitadeiras, ceifando trigo ou milho nas fazendas da família ou da fundação que mantém para gerir as bilionárias doações feitas por seu pai.

Mas também não esperem dele um produtor rural convencional. Howie olha para as propriedades que administra menos como um negócio para si próprio e mais como um laboratório para o mundo.

Já visitou mais de 150 países, sempre preocupado com as condições de cultivo e produção de alimentos.

Conhece toda a África, ajudou a promover a introdução de culturas agrícolas em substituição do plantio de coca em pequenas propriedades colombianas, tem buscado soluções para ajudar agricultores afetados pela guerra na Ucrânia...

Segundo o site da Fundação Howard G. Buffett, Howie cultiva grãos na sua fazenda em Decatur, no estado americano de Illinois – a cidade é sede da megatrading ADM.

E de lá também supervisiona as operações de outra fazenda em Nebraska, berço da família, e propriedades voltadas para a pesquisa agropecuária nesses dois estados e também no Arizona, além de ranchos no Arizona e no Novo México e outra fazenda no Texas.

A fundação já manteve também uma propriedade na África do Sul, onde cientistas das universidades americanas Texas A&M, Penn State e Purdue conduziam experimentos sobre a melhor forma de cultivar plantações em locais com pouca água e solo pobre.

Nas suas propriedades e nas da fundação, não é raro ver talhões onde ele simula o cultivo nas condições (ou falta de condições) encontradas em regiões remotas da África. Em alguns, sequer aplica fertilizantes ou irriga, para entender melhor como ajudar a levar soluções a essas regiões.

O envolvimento com os produtores ucranianos é mais recente, mas intenso. Começou em 2022, após a invasão do país europeu pela Rússia.

Buffett já fez 16 viagens ao país e gastou cerca de US$ 800 milhões em ajuda com doação de alimentos, auxílio aos agricultores e até investigação de crimes de guerra.

Recentemente, em sua fazenda do Illinois, ele realizou uma experiência que resume seu modo de agir quando depara com um problema. Em uma área da propriedade, ele mandou detonar explosivos a base de TNT. Depois, plantou sobre a área em que os artefatos foram detonados.

No verão passado, ele colheu os grãos cultivados ali. Seu objetivo era entender se as culturas seriam contaminadas pelas substâncias presentes nos explosivos.

Isso, para espantar uma possível suspeita de que as colheitas ucranianas, em áreas onde minas foram desativadas, seriam impróprias para consumo. Os testes realizados no solo e no trigo colhido mostraram que não houve contaminação.

“Presente” paterno

Howie Buffett descobriu a vocação rural depois de tentar outras carreiras. Bom aluno no colégio, ele tentou a formação em Direito, mas não se adaptou ao ambiente universitário – frequentou e abandonou três faculdades.

O pai, então, ofereceu a ele um emprego em Los Angeles, em uma loja da See’s, empresa de doces controlada.

Foi um período curto longe de casa. De volta ao Nebraska, ele criou um negócio próprio, de serviços de escavação. Seu desejo era trabalhar com máquinas grandes – e foi aí que descobriu que elas poderiam estar no campo e que a agricultura era o caminho a seguir.

Mais uma vez, contou com a ajuda parcimoniosa de Buffett pai. Quando Howie tinha 31 anos, em 1986, Warren pagou US$ 280 mil para adquirir uma propriedade de cerca de 160 hectares próxima a Omaha para o filho cultivar.

Não foi, no entanto, um presente. O pai arrendou as terras ao herdeiro, cobrando uma taxa de 5% ao ano, mais uma porcentagem da receita bruta da fazenda, que variaria entre 22% ou 26%.

O que determinaria o percentual seria o peso de Howard. Quando Buffett comprou a fazenda, o filho estava com cerca de 90 quilos. A variação na cobrança ficava vinculada a quanto, a cada ano, esse peso excederia os 83 quilos.

Na época, questionado sobre o “custo adicional” imposto pelo pai no negócio, Howie afirmou: “Eu não me importo, realmente. Ele está mostrando que está preocupado com minha saúde. Mas o que me incomoda é que, mesmo com 22%, ele está recebendo uma renda maior do que quase todo mundo por aí.”

Passaram-se quase 40 anos e pode-se dizer que o estímulo paterno funcionou. Howie ampliou seu pequeno império agrícola e transformou-o em algo cujo propósito foi além de um negócio.

Aqui, também, os ensinamentos de Warren Buffett foram fundamentais. O bilionário, quando questionado sobre como distribuiria sua herança, costumava dizer que poderia dar a eles “dinheiro suficiente para que eles sentissem que podiam fazer qualquer coisa, mas não tanto a ponto de não poderem fazer nada”.

Tem cumprido o que falou. Ao longo dos últimos anos, o “Oráculo de Omaha” transformou-se em um dos maiores filantropos do mundo.

Em junho de 2006, aos 75 anos, Buffett pai anunciou que doaria 85 por cento de sua fortuna, gradualmente, na forma de ações da Berkshire Hathaway.

Na época, era uma fortuna estimada em US$ 37 bilhões e foi apontada como a maior doação filantrópica da história – hoje, os 30% da Berkshire nas mãos da família Buffett valem perto de US$ 140 bilhões.

A maior parte do bolo foi doado à Fundação Bill & Melinda Gates – Warren e Bill são amigos próximos. Parte foi para a Fundação Susan Thompson Buffett, criada em homenagem à mulher de Buffett, que morreu em 2004.

Para os filhos, Buffett também reservou somas consideráveis. Na época, cada um recebeu US$ 1 bilhão em ações, mas não para o próprio bolso. Os recursos foram alocados nas fundações criadas por eles individualmente, cada uma com seu propósito. E os desembolsos são feitos conforme os projetos delas avançam.

Caberá a Howie, após a partida do pai, administrar a manutenção dos investimentos filantrópicos feitos pelo pai.

Hoje, ele carrega, além da experiência como produtor, uma bagagem corporativa, acumulada por passagens, ao longo os últimos 40 anos, pelos corredores de algumas das maiores empresas do mundo.

Em 1991, por exemplo, o Bufffett agricultor foi convidado pela ADM a integrar o conselho de administração da companhia. Ao longo de alguns anos na empresa, acabou tornando-se vice-presidente, diretor de relações com investidores e de desenvolvimento de negócios.

Foi nesse período que mudou-se para Decatur, onde hoje possui uma de suas fezendas.

Deixou a companhia anos depois, quando a ADM tornou-se alvo de uma investigação antitruste, acusada de conspirar para fixar preços e volumes nas vendas de grãos.

Mais tarde, foi também conselheiro da Coca-Cola, da empresa de equipamentos de irrigação Lindsay, da Conagra Foods e da Sloan Implement, uma grande rede de concessionárias John Deere, além de sócio da GSI, companhia fabricante de equipamentos pós-colheita vendida recentemente pelo grupo AGCO por US$ 700 milhões.

Tom Sloan, fundador da empresa que tem seu sobrenome, definiu de forma clara o estilo de Howie: “Você pode pegar qualquer fazendeiro e colocar Howard na mesma sala e eles poderiam falar a mesma língua. Ele não é um cara rico que só quer dirigir um trator de vez em quando.”

Com a escolha de Howie para representar o estilo Buffett no futuro da Berkshire, Warren olha para a continuidade de um estilo de pensar o mundo.

O herdeiro não tomará as decisões cotidianas de investimento, mas estará lá como uma lembrança de que a empresa carrega uma cultura única e vencedora, que ele definiu assim ao WSJ:

“A cultura é manter as coisas simples, fazer o que você precisa fazer, mas não fazer muitas coisas que você não precisa fazer, tratar as pessoas de forma justa, respeitar seus gerentes, respeitar seus acionistas. Conte a eles as más notícias logo de cara, seja honesto”.

Questionado sobre se sentia-se pronto para, quando chegar a hora, encarar a missão que o pai lhe conferiu, respondeu: “Sinto que estou preparado para isso porque ele me preparou. São muitos anos de influência e muitos anos de ensino”.