Maringá (PR) - Cidade planejada e relativamente jovem, Maringá, no norte do Paraná, é um pólo regional relevante, que cresce no ritmo do agronegócio. Nas últimas décadas, o município testemunhou o surgimento de uma série de empresas relevantes no setor.

Em pouco mais de 30 anos, por exemplo, viu uma pequena granja local se transformar em uma das maiores processadoras de frango do País. Uma nova geração assumiu o comando da empresa e garante que, nis próximos anos, a transformação continua.

Criada em 1992 pelo empresário José Borges, seu filho Rogério Gonçalves e o genro Ciliomar Tortola, a GTFoods surgiu com o nome Frangos Canção. Mas os produtores de frango logo vislumbraram que abater e vender a carne daria mais resultados do que vender o animal vivo para outras empresas.

“Eles começaram aqui nesta planta (em Maringá) abatendo cerca de mil aves por dia. Hoje, somente aqui, nós processamos 200 mil por dia”, conta, ao AgFeed, Vinícius Gonçalves, vice-presidente executivo e um dos integrantes da nova geração da família no comando da empresa – é filho de Rogério Gonçalves.

Vinícius revela que a terceira geração da família que comanda a empresa – seu primo, Rafael Tortola, é o CEO – está disposta a continuar a história, com planos para continuar crescendo nos próximos anos, talvez com um novo perfil corporativo.

A GTFoods possui mais três plantas, além da sede em Maringá, todas nas regiões Norte e Noroeste do Paraná. É a sexta maior empresa do Brasil em abate de aves, mas o potencial de crescimento ainda é grande.

“Hoje, nós abatemos cerca de 570 mil aves por dia, patamar que vem sendo mantido nos últimos anos. Mas nas plantas já existentes, podemos chegar a 850 mil por dia”, conta. A receita atual da empresa é de R$ 3,5 bilhões, com expectativa de atingir os R$ 4 bilhões em 2024.

Durante a entrevista, o executivo levantou algumas vezes a questão do custo e da eficiência da operação. As iniciativas envolvem desde a conversão alimentar, que consiste em conseguir engordar a ave com o uso mais eficiente da ração, até o aproveitamento total após o abate, com os ossos virando farinha e a venda até da cartilagem que fica no peito e entre a coxa e a sobrecoxa, para o mercado japonês.

Um plano de investimentos já foi elaborado para promover, em uma década, um aumento de quase 50% no volume de aves processadas por dia, mas a GTFoods pode tomar um “atalho” nesse caminho.

“Se conseguirmos realizar uma abertura de capital, essa ampliação da capacidade pode ficar pronta em cinco anos”, afirma Gonçalves.

Outro plano ambicioso do grupo envolve a Lorenz, que é a maior processadora de raiz de mandioca do País, adquirida pela GTFoods em 2015.

O VP do grupo projeta que a divisão de Novos Negócios, onde a Lorenz está inserida, feche esse ano com faturamento de R$ 400 milhões. Nos próximos anos, o objetivo é chegar ao primeiro bilhão em receitas.

A GTFoods convidou o AgFeed para conhecer a planta de Maringá. A entrevista com Vinícius Gonçalves foi realizada na sede administrativa da empresa, dentro do complexo. Veja os principais trechos:

Como estão os negócios da GTFoods hoje? Qual a estrutura do grupo?
Frango, tilápia e outras proteínas representam 90% do negócio, e os outros 10% vêm do negócio de raiz da mandioca. Falando de frango, se juntar todas as marcas, nós temos 4% a 5% de participação no mercado brasileiro. No abate, a produção é de 570 mil aves por dia, e estamos entre a sexta e sétima posições. Isso porque na faixa entre 500 mil e 600 mil aves abatidas por dia, tem muitas empresas. Algumas abatem aos sábados e o volume na semana é um pouco maior que o nosso.

E o desempenho da empresa no ano passado, como foi?
Faturamos R$ 3,5 bilhões. Para este ano, estamos com uma meta de R$ 4 bilhões. A GT sempre vem crescendo de um ano para o outro, mas ainda passamos pela volatilidade típica do mercado de commodities. O ano passado não foi bom. Ainda conseguimos fechar com resultado positivo. A margem ficou entre 3,5% e 4%, mas conseguimos passar ilesos.

Mas mantém expectativa positiva para 2024?
Neste ano, o jogo virou bem forte. As exportações começaram a reagir. Nós temos a vantagem de atuar com frango, que é a proteína mais barata. Você não ouve as pessoas dizerem que vão deixar de comer frango por estar muito caro. Agora, esperamos que 2024 seja o melhor ano da história da companhia. Só que vamos manter os pés no chão. Vamos aproveitar para melhorar nossa liquidez e reduzir endividamento, deixar a empresa mais redonda. De repente, pensar em um IPO em dois anos.

Então está nos planos uma abertura de capital?
Não é algo que seja uma obrigação para nós. Vemos como um meio para trazer recursos. Estamos amadurecendo a ideia. Precisamos trabalhar em muitas coisas ainda, relativas inclusive a governança. Apesar de termos empresas do setor na Bolsa, não há ainda uma que seja voltada só para o frango. Nós sempre somos comparados à BRF e à JBS.

“Apesar de termos empresas do setor na Bolsa, não há ainda uma que seja voltada só para o frango. Nós sempre somos comparados à BRF e à JBS. São negócios muito diferentes”

Essa comparação não é boa?
São negócios muito diferentes. A BRF utiliza o frango para fazer produtos mais processados, como lasanha. A JBS tem uma atuação global. Entendemos que vai ter uma “penalidade” a ser paga por atuarmos puramente com frango. Mas acreditamos que há espaço para abrir o capital.

Há planos para expandir os negócios? Construir uma nova planta, por exemplo?
Neste momento, não há planos para construir uma nova planta. Nós crescemos via aquisições, fizemos três entre 2008 e 2011, e sempre estamos de olho no mercado. Mas o nosso plano agora é aproveitar a capacidade máxima das nossas unidades, que é de 850 mil aves por dia, em 10 anos. Com o IPO, esse prazo pode cair para cinco anos com a entrada de capital.

A GTFoods é uma empresa familiar. Como esse plano de IPO tem sido trabalhado?
Na nossa estrutura, temos sete diretores, contando o meu primo que é CEO e eu. Então, nós estruturamos a empresa, depois do processo de transição para a nova geração, que começou em 2016, para não ser uma empresa só com a visão dos donos. Temos uma gestão compartilhada, com pessoas que inclusive são mais experientes que nós.

O restante da família participa de alguma forma?
A família como um todo é grande, somos oito primos. Desde 2020, estruturamos um conselho da família, o que melhorou muito a relação. A maioria das aquisições que fizemos foram de empresas que tiveram problemas no processo de sucessão. Aqui, nós temos essa estrutura para evitar que problemas familiares impactem na empresa. E a ideia é que a família continue no controle após o IPO.

Voltando à situação atual do negócio, como está a margem na venda de frango esse ano?
Historicamente, a margem para o nosso negócio fica numa faixa entre 8% e 10%. Em anos bons, chega a 12%. Para 2024, a nossa perspectiva é que fique mais próximo de 12%, ou até supere essa marca. Hoje, estamos trabalhando com margem acima de 12%. Acreditamos que o primeiro semestre está praticamente consolidado, e a segunda metade do ano costuma ser muito boa para o nosso mercado. Tem tudo para ser um ano muito positivo.

O frango responde por quanto dentro do negócio de proteína animal?
Cerca de 90%. Nós temos alguns cortes de bovinos, mas só comercializamos, não produzimos. Temos bacalhau, batata, anéis de cebola. Tudo com a nossa marca, mas não produzimos. Na tilápia, nós produzimos, com abate de oito a nove toneladas de peixe por dia, e dá menos de 1% do faturamento total. Começou como projeto piloto.

Há perspectiva de investimento também nesses outros segmentos?
Nós vemos um grande potencial na tilápia, porque tem o apelo da alimentação saudável, como o frango. As grandes barreiras são o custo e a demanda. No frango, estamos falando de 45 quilos por habitante anualmente. No caso da tilápia, fica entre 7 quilos e 8 quilos. Há também o desafio de implementar um sistema sustentável de produção. Ainda tem muita produção independente, como era o frango 30 anos atrás. Acreditamos que a tilápia vai ter o caminho de produção eficiente como é a do frango hoje.

Qual a participação das exportações no faturamento da GTFoods? E quais os principais mercados?
Numa média anual, a participação das exportações no faturamento fica entre 25% e 30%. Tem uma frase que gostamos de usar que é: nós não exportamos por hobby, exportamos por viabilidade. O mercado brasileiro tem mais de 200 milhões de pessoas. A Arábia Saudita, um destino importante do mercado halau, tem 40 milhões de pessoas. Hoje os principais mercados fora do Brasil estão na Ásia. China, Japão, Hong Kong, Filipinas, estamos voltando a produzir para Cingapura. Aí temos África do Sul, México, e Europa, para onde nós vendemos o que é chamado de produto salgado, que tem um percentual de tempero.

Vinícius Gonçalves, vice-presidente da GTFoods

É um mercado muito difícil para se conseguir habilitação. Das nossas quatro plantas, só uma é habilitada. No Brasil, das mais de 200 plantas, só 16 estão habilitadas para esse tipo de exportação para a Europa. Nós também temos duas plantas habilitadas para a China.

A criação dos frangos abatidos é feita pela própria GT Foods?
Temos entre 850 e 880 barracões para criação de frango e, desses, cerca de 450 são produtores que são nossos parceiros. Os animais são nossos. A vacina, a ração, o apoio técnico, tudo da GTFoods. Só não temos o barracão. Entregamos o frango para ele, e retiramos 45 dias depois.

Ou seja, hoje vocês se concentram na operação industrial…
Hoje nós temos o perfil do produtor investidor, que nem vai muito na granja. Temos famílias que cuidam. E nós temos um contrato de integração. Se ele conseguir fazer o frango engordar mais rápido, com menos comida, ele é remunerado. Isso se chama conversão alimentar. Em fevereiro, para cada 1,6 quilo de ração que o frango comeu, engordou em média um quilo. Somos referência mundial em conversão alimentar. Em média, essa relação é de 1,7 a 1,8 quilo de comida para cada quilo de engorda.

Como trabalham a questão do bem-estar animal, que é muito discutido atualmente?
Não tem como minimizar o fato de que o animal será abatido para servir de alimento para as pessoas. Mas há formas de fazer isso. Já visitei empresas de todo o mundo, inclusive plantas nos Estados Unidos. E eu garanto que se o mundo soubesse o que o Ministério da Agricultura faz em controle sanitário e normas de qualidade, ninguém falaria uma vírgula sobre o sistema de processamento aqui.

O que temos de melhor que em outros países?
Quanto mais estressado o animal sofrer, mais danificada vai chegar a carne depois do abate. Existem regras de distância entre granjas. Sobre segurança do alimento, eu já vi nos Estados Unidos pessoas fumando na linha de produção. No Brasil, para chegar na granja de criação, a pessoa tem que tomar dois banhos.

Aqui, você teve que vestir uma roupa especial e passar por higienização em todas as áreas do processo (a reportagem visitou a linha de produção da GTFoods). Você viu lá que tem umas 40 pessoas fiscalizando as aves após o abate por turno. Nos EUA, tinha duas pessoas, uma por turno, fazendo inspeção.

Por isso tudo, o Brasil ainda é livre da incidência de gripe aviária em grandes proporções. A doença chegou na Argentina, teve um impacto terrível nos Estados Unidos. E aqui, não. Pode acontecer ainda, claro que há risco.

A GTFoods sentiu o impacto desses casos que surgiram em Santa Catarina?
Sim, sentimos bastante. Foi um dos fatores que levaram a um resultado ruim no ano passado. Mas foi muito mais especulativo. O Brasil tem o privilégio de ter sido o último país a correr esse risco. No inverno, aumenta o risco de disseminação da influenza. Mas, se acontecer, já existe um plano de contingência. Não vai passar ileso, mas o risco de acontecer algo catastrófico como nos EUA é muito menor. E o Brasil é o maior exportador de frango do mundo. Se algum país parar de comprar conosco, vai faltar. Ainda mais porque o segundo e o terceiro maiores também têm problemas com influenza.

Como viu a medida do Japão de suspender a importação de frango de Santa Catarina no ano passado?
A questão é que nunca chegou à produção de frango. Foi tão contraintuitiva essa decisão que, na semana da suspensão, o preço do frango exportado para o Japão subiu 30%. É sempre importante lembrar que a influenza traz risco para o animal, não para o ser humano. Porque 99,9% dos vírus e bactérias são mortos ao aquecer a carne a 60 graus.

Pode ser que chegue no Brasil, que bata na produção, mas o sistema de produção no Brasil é muito rígido. E se acontecer de afetar a produção em um estado, nada impede que produtores de outros estados continuem vendendo. Então, resumindo, eu vi a decisão mais com um caráter de protecionismo comercial do que algo relacionado à saúde.

Qual a história da Lorenz dentro do grupo?
Nós começamos a operar a empresa em 2016 (depois da aquisição em 2015). A empresa faturava entre R$ 30 milhões e R$ 35 milhões. Foi adquirida em leilão, como massa falida. Para este ano, a unidade de Novos Negócios, que inclui a Brasil Embalagens, um negócio ainda pequeno, tem a meta de faturar R$ 450 milhões.

Como foi obtido esse crescimento?
Depois que fizemos a aquisição, a Lorenz adquiriu mais duas companhias. Mas é uma empresa centenária, foi fundada em 1916, e tem produtos que eram vendidos 30 anos atrás. Ainda vendemos esses mesmos produtos. Nós entramos em novos mercados, mas nesse tipo de indústria, que é muito complexa, os clientes simplesmente não trocam. Ficam com a gente.

E quais são os planos para a Lorenz?
Ela cresceu muito pelas aquisições. Uma delas significou a primeira unidade da Lorenz fora do Paraná, no Mato Grosso do Sul, na cidade de Mundo Novo. Hoje, a empresa tem capacidade de esmagar aproximadamente 250 mil toneladas de raiz por ano, é a maior do Brasil. Agora, precisamos investir na fábrica para começar a diversificar aplicações e desenvolver mais produtos de maior valor agregado, inclusive para setores como farmacêutico, higiene pessoal, grandes multinacionais de bens de consumo.

Têm um plano de investimentos?
Nós temos o plano para a Lorenz de chegar a R$ 1 bilhão em faturamento em 10 anos. Vamos precisar investir muito em maquinário. Não está fechado ainda, mas já temos uma estimativa de R$ 300 milhões a R$ 400 milhões para fazer tudo isso e investir muito em Pesquisa e Desenvolvimento. Então, a tendência é a Lorenz aumentar a participação no faturamento total do grupo. Estamos olhando a empresa com carinho.

Voltando ao negócio de frango, como você pensa em implementar inovação na produção, já que é um processo relativamente simples?
Queremos sempre ser referência em indústria. Vamos pensar, por exemplo, no aproveitamento de penas e vísceras de frango. Hoje, existe maquinário que deixa o processo muito mais eficiente, com aproveitamento muito maior que o sistema mais manual que utilizamos hoje. Como um todo, ainda é um processo que precisa de muita mão de obra. Tem caminhos para automatizar mais, e estamos investindo pesado nisso. Eficiência de máquina também é outro caminho.

E outra vertente é pensar em linhas diferenciadas. Estamos muito atrasados nisso, em relação aos concorrentes. Fazer produtos mais porcionados, mais fáceis para o consumidor. Nós sempre pensamos em volume, em atacado. Agora, estamos fazendo toda uma reformulação de marca, olhando para esse mix de produtos. Estamos focando inclusive no futebol. Já patrocinamos o Maringá, que está na semifinal do Campeonato Paranaense, e fechamos o patrocínio com o Santos, que tem nos dado muita visibilidade.

A GTFoods já passou por uma Recuperação Judicial. Como foi esse processo?
As estatísticas mostram que 7% das empresas que pedem RJ conseguem sair e, dentre as que saem, muitas ficam menores do que quando entraram. Nós não vendemos qualquer ativo, repactuamos 100% das dívidas. Pedimos Recuperação Judicial em agosto de 2016 e a sentença do fim da RJ saiu em julho de 2020. Em menos de quatro anos, conseguimos aprovar o plano, repactuamos as dívidas, começamos a pagar, o juiz decretou o fim da RJ e estamos honrando nossos compromissos. Muitas empresas não conseguem aprovar o plano em quatro anos.

Qual foi o segredo para sair bem da RJ?
Foi um período muito complicado para todo o mercado. Nós tínhamos muitas dívidas a vencer naquele ano e, no segundo semestre, os bancos começaram a cortar as nossas linhas. Nós entramos em RJ sem ter um protesto em cartório. Foi até complicado negociar, porque os bancos diziam que não precisávamos. Mas esse foi o grande segredo. Pedimos no momento certo, antes de queimar todo o caixa.

“Entramos em RJ sem ter um protesto em cartório. Mas esse foi o grande segredo. Pedimos no momento certo, antes de queimar todo o caixa”

Fizemos todo o dever de casa e saímos rápido. Aprendemos muito, desalavancamos bastante a empresa. E por isso temos essa postura de manter os pés no chão, mesmo em um ano positivo como esse de 2024.

E como está a alavancagem hoje?
Em 2022, chegamos a uma relação entre dívida líquida e Ebitda de 1,4 vez. No ano passado, com a piora no resultado, esse índice foi para 2,8 vezes. Não por aumento nas dívidas, mas pela piora no Ebitda. Esse ano, estamos projetando voltar para algo próximo de 1 vez, ainda menor que em 2022, se confirmando essa perspectiva de bons resultados.