Em pouco mais de uma semana, dois contratos com duas gigantes do segmento de máquinas agrícolas. Para a fabricante de equipamentos de infraestrutura de telecomunicações Nokia, a temporada tem sido de colheita farta no agronegócio brasileiro.

No último fim de semana, a subsidiária local da companhia finlandesa anunciou ter assinado um acordo para executar um projeto para a digitalização de uma das unidades industriais da americana John Deere na cidade gaúcha de Horizontina.

Poucos dias antes, a parceria comunicada tinha sido com a brasileira Jacto, que constroi em Pompeia, no Interior de São Paulo, uma das mais modernas fábricas de máquinas do mundo. Totalmente automatizada, a planta será controlada por uma rede 5G privada fornecida pela Nokia.

Os valores das transações não foram revelados pelas empresas. Os que os contratos indicam claramente, porém, é o resultado efetivo de uma estratégia que a marca europeia – que já foi uma das maiores competidoras no mercado de aparelhos de telefonia celular, mas foi superada como item de varejo na era dos smartphones – vem semeando há quase uma década nos bastidores do universo da conectividade rural no País.

A presença forte no agro é, de certa forma, uma volta às origens para a Nokia. Assim como outras das principais empresas da Finlândia, os primórdios da empresa foram vividos no campo.

Nas florestas nativas do país do norte europeu, a companhia foi criada em 1985, quando Fredrik Idestam, um dos fundadores, estabeleceu uma fábrica de polpa de celulose perto da cidade de Tampere.

Anos depois, a empresa florestal foi comprada por Eduard Polon, que também atuava com a produção de borracha, e acabou migrando para a produção de cabos para energia e telecomunicações.

A partir dos anos 1960, o envolvimento com a telecomunicação deu a tônica que se mantém até o presente, com a empresa atuando em comunicações militares, de rádio e redes telefônicas.

Posteriormente a empresa foi um dos principais players entre os anos 1990 e 2000 no segmento de telefonia móvel.

Nos últimos anos, já não tão competitiva na venda de smartphones ao grande público, a empresa passou a focar ainda mais em projetos de infraestrutura de telecom. E voltou a olhar com mais atenção ao mesmo ambiente dos seus primeiros anos de atuação: o campo.

“Identificamos um segmento em franco crescimento com muito desenvolvimento em tecnologia, com o aumento de tecnificação e uma necessidade de conectividade”, conta o head de vendas para indústrias digitais da Nokia na América Latina, Renato Bueno.

No Brasil e em toda América Latina, a atuação no agro se dá pelo braço B2B da empresa, ou seja, com a venda de equipamentos e serviços a outras companhias. O principal negócio da Nokia no setor é a construção das chamadas redes privativas, com o fornecimento de toda infraestrutura de telecomunicações de propriedades, instalações ou fábricas.

Até agora, segundo Bueno, os equipamentos da marca já estão presentes em mais de 14 milhões de hectares conectados. O executivo explica que o foco mais direto da Nokia dentro do agro brasileiro começou em meados de 2017, quando a empresa passou a oferecer esses serviços corporativos para o setor.

“Antes, não existia nada, era um ‘zero G’, e as máquinas com cada vez mais tecnologia não tinham uma plataforma de controle, otimização e ganho de eficiência”, destacou o executivo em entrevista ao AgFeed.

O mercado atual da Nokia se concentra em grupos agrícolas de grande porte principalmente de culturas comoditizadas como cítricos, grãos, fibras e mercado sucroalcooleiro.

Para aumentar ainda mais essa penetração, a empresa foi uma das fundadoras da ConectarAgro, iniciativa que promove a conectividade no meio rural e reúne empresas como Amazon, Bayer, AGCO, CNH, TIM, Vivo e Yara.

Mais recentemente, a empresa vislumbrou oportunidades na área de manufatura ligada ao setor do setor. O primeiro grande projeto nessa área foi justamente a parceria anunciada com a Jacto para criar a primeira rede privada 5G sem fio da América Latina para o setor de maquinário agrícola.

A relação entre as empresas se deu justamente no ConectarAgro e, com a maior proximidade dos times, o negócio saiu do papel. A ideia da nova planta da fabricante de equipamentos envolve também levar as soluções digitais que estarão na fábrica para as máquinas fabricadas.

“Desenhamos um modelo onde a mesma infraestrutura de internet que habilita a planta será a tecnologia que permite à Jacto levar soluções agrícolas com conectividade pros produtores”, comenta Bueno.

A unidade da Jacto atenderá os mercados interno e externo com as linhas de produtos para pulverização, adubação, plantio, colheita de café e de cana-de-açúcar, além de agricultura de precisão, digital e veículos autônomos.

“Consultamos vários players do mercado de telecomunicações e a Nokia foi a que apresentou a melhor proposta em termos de qualidade, robustez e escalabilidade do produto para atender o nosso projeto", afirmou o presidente da Jacto, Fernando Gonçalves, em comunicado sobre a parceria.

O anúncio do contrato com a John Deere veio cerca de uma semana depois. Na fábrica da marca americana em Horizontina, a Nokia deve ser a responsável pela transição de uma divisão de 70% de internet cabeada e 30% de Wi-Fi para 80% de rede móvel e 20% de cabeada nos próximos cinco anos.

Na avaliação de Bueno, a visibilidade do agro no Brasil deve fazer com que projetos como esses sirvam para “compartilhar as experiências para o mercado, para que as empresas possam se embasar nesses resultados e buscar as tecnologias”.

Renato Bueno, head de vendas para indústrias digitais da Nokia

Para o executivo, o desafio atual não é tanto tecnológico, mas de percepção da sustentação econômica do negócio. Ou seja, as empresas precisam ver, na prática, que o modelo funciona antes de investir.

Outro desafio, segundo Bueno, está na educação das pessoas. Ele comenta que um estudo interno da Nokia sobre o avanço da conectividade mapeou que uma das grandes barreiras da digitalização é o medo de perder o emprego por parte dos trabalhadores.

A solução passa principalmente pela formação e pelo treinamento de quem trabalha numa indústria ou propriedade rural. “Precisamos formar as pessoas em Inteligência Artificial, 5G, robótica, análise de dados e também deixá-las mais abertas à inovação. Nossa visão é de ser um habilitador da digitalização, e nosso papel é trazer as referências para o processo”, diz.

2024 é o ano da escala

Mesmo com a atuação também em outros segmentos do agro, Bueno afirma que a “necessidade mais urgente de conectividade é no próprio campo”.

É por isso que, quando questionado sobre o mercado endereçável para a Nokia, o executivo disse que considera “o Brasil todo” como potencial, ou seja, ao menos os 65 milhões de hectares atualmente utilizados para o cultivo.

A Nokia considera que os grandes grupos agrícolas são já um mercado mais maduro na conectividade. Assim, uma das ideias para o próximo ano é se aproximar cada vez mais de produtores com menor porte.

Para tal, a Nokia já trabalha junto a cooperativas, entidades consorciadoras e associações de classe para escalar o projeto.

“Imagina gerenciar uma empresa complexa com os olhos fechados”, afirma Bueno. “É comum que no escritório administrativo da fazenda exista internet, mas o desafio é levar a conectividade para o restante da fazenda, para o time de gestão da operação. Assim o gestor entende em tempo real o que acontece na propriedade”, argumenta.

Para Bueno, uma mudança como essa no campo não melhora somente a fazenda, e sim a sociedade que vive ao redor dela. “As pessoas migram menos para o centro urbano, estudam mais, o que melhora a mão de obra no campo”, completa.

A empresa também passa a olhar para novos segmentos dentro do agro na América Latina. Bueno comenta que a empresa tem notado uma aceleração da digitalização no mercado pesqueiro, bem como no setor florestal, de silvicultura.

“Ao mesmo tempo, temos um grande foco em todo setor de manufatura brasileiro, que quer ganhar eficiência, produtividade, sustentabilidade e segurança”, comenta.

A Nokia também olha com bons olhos para o setor de logística, onde Bueno afirmou que a empresa tem investido em projetos no setor portuário e ferroviário.

“Vivemos em 2023 um momento de consolidação da tecnologia como habilitadora da indústria e da agricultura digital e 2024 será um ano de grande escala, no agro ou na manufatura”, acrescenta.

Fora do agro, o segmento da Nokia de redes privadas atende também segmentos como mineração, onde atua tanto na parte de transporte, com um rastreio de veículos, e no monitoramento de barragens. Além disso, está presente nos setores de energia elétrica, automotivo, petroquímico e óleo & gás.