As altas temperaturas que varrem o Brasil neste ano, deixam cenários de devastação, com imagens impactantes de queimadas que assolaram vastas áreas agrícolas.
Esses incêndios, intensificados pela seca prolongada — e por ações criminosas em algumas localidades — atingiram em cheio o setor sucroenergético. Os prejuízos financeiros seguem sendo calculados.
Neste contexto desafiador, está a quase centenária Usina Coruripe, fundada em 1925, que apesar das adversidades climáticas, se prepara para alcançar um marco histórico: o maior processamento de cana-de-açúcar de sua história, de 16,4 milhões de toneladas de cana.
Na safra 2023/2024, a companhia moeu 16 milhões de toneladas — alta de 17,2% em comparação com o ciclo anterior.
Contudo, isso não significa que a quarta maior produtora de açúcar do Brasil saiu ilesa das perdas causadas pelas queimadas.
Até o momento, houve incêndios pontuais nas quatro áreas de canaviais próximas das unidades no Triângulo Mineiro (Campo Florido, Iturama, Carneirinho e Limeira do Oeste). "Obviamente tem uma perda relacionada a isso", afirmou Mário Lorencatto, presidente da Usina Coruripe.
Ao AgFeed, ele contou que a conjuntura forçou a companhia a reduzir a estimativa no mix de açúcar para a atual safra (2024/2025) — agora previsto em cerca de 60%, ante 70% aproximadamente, estimado no início da temporada.
Além do mais, outro problema enfrentado é o desequilíbrio entre o valor pago aos fornecedores pela cana queimada e o real preço no processo produtivo.
Conforme Lorencatto, nesta altura da safra, a cana deveria conter entre 150 a 160 quilos de açúcar por tonelada, entretanto, a matéria-prima queimada está apresentando 220 quilos, na medição acordada pelo setor com os fornecedores.
O presidente destacou, porém, que essa medição está inflacionada por componentes como a frutose, que elevam o ATR (Açúcar Total Recuperável) utilizado para calcular o pagamento aos fornecedores, mas que não contribuem para a produção de açúcar no processo de refino.
"Estamos pagando por uma cana que, na prática, não gera a quantidade de produto que podemos vender. Há uma desconexão entre o que estamos pagando e o que realmente é produzido", explicou Mário.
Juros altos e freio nos investimentos
Os recentes desafios climáticos adicionam um peso financeiro ao turbulento mar econômico da Coruripe.
O cenário macroeconômico de alta da taxa Selic, elevada para 10,75% neste mês, fez a companhia colocar o pé no freio em relação aos futuros investimentos e aumentou a preocupação quanto à velocidade para a amortização das dívidas.
O quadro desafiador vem sendo observado desde a última safra. A Coruripe encerrou o ciclo passada com um lucro líquido de R$ 257,2 milhões, uma queda de 50,3% em comparação com a safra anterior.
Esse resultado foi impactado principalmente pelos elevados gastos com juros de empréstimos e financiamentos, que somaram R$ 467 milhões.
Embora a companhia tenha alcançado um crescimento significativo na moagem de cana-de-açúcar, como já citado, e tenha aumentado sua receita em 22,6%, para R$ 4,6 bilhões, os encargos financeiros são um alerta.
"Nós estamos gerando uma quantidade grande de caixa, mas está sendo consumida toda pelo pagamento do serviço da dívida da companhia. A capacidade de amortizar a nossa dívida é menor do que a gente imaginou que seria, mas ainda assim a gente tem amortizado", enfatizou Lorencatto.
No encerramento da safra 2023/2024, as dívidas da Coruripe somaram R$ 2,7 bilhões. Atualmente, considerando o líquido de estoques, esse valor está em R$ 3,1 bilhão, o que é visto como "um aumento normal no meio da safra".
Como consequência, os projetos de expansão da companhia vão continuar no papel.
Entre os planos adormecidos está a expansão da unidade de Iturama, que atualmente processa cerca de 4 milhões de toneladas de cana-de-açúcar. A Coruripe tem estudos em andamento para aumentar essa capacidade para entre 5 e 6 milhões de toneladas.
A empresa planejava também a construção de uma nova destilaria de etanol em Paranaíba, no Mato Grosso do Sul, e uma unidade de fabricação de açúcar e etanol no município de União de Minas.
Apesar de já possuir canaviais plantados em União de Minas, com processamento em outras unidades, esses projetos foram adiados devido ao cenário econômico atual.
"Juros altos são feitos exatamente com esse objetivo de desestimular a atividade econômica, os investimentos", comenta o presidente da Usina Coruripe.
Lorencatto acrescenta ainda que antes de olhar para um novo investimento, a companhia quer "amortizar um pouco" dos R$ 500 milhões investidos na expansão da unidade de Limeira do Oeste.
Inaugurada em março deste ano, a nova linha de produção de açúcar VHP — que ainda não passou por todo o processo de refinamento, mas já está em um estado avançado — aumentou a capacidade de moagem de 1,5 milhão para 2,5 milhões de toneladas de cana por ano.
Com isso, 187 mil toneladas de açúcar VHP devem ser adicionadas à produção anual da Coruripe. Até a safra de 2023, a unidade era voltada exclusivamente à produção de etanol para o mercado interno.
Apesar dos obstáculos, o grupo espera atingir seu planejamento financeiro para a safra 2023/2024: receita líquida de R$ 4,79 bilhões e Ebitda (Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de R$ 1,99 bilhão.
Já a relação entre a dívida líquida e o Ebitda projetado é R$ 1,3 bilhão.
Depois do centenário
Dizem que para construir um futuro é preciso olhar o passado. Nesse movimento, ao se aproximar de seu centenário, o presidente da Coruripe reflete sobre a trajetória da empresa, marcada por raízes familiares.
Fundada em 1925 a partir da união de diversos engenhos, a usina teve como berço o município de Coruripe, a 120 quilômetros de Maceió, Alagoas, cujo nome também inspirou o da empresa.
Anos depois, Tércio Wanderley, um empreendedor visionário, adquiriu o controle da usina e identificou o potencial de expansão além daquele pequeno engenho.
A expansão estratégica para fora de Alagoas ocorreu há 30 anos, quando a Coruripe adquiriu a Destilaria Alexandre Balbo, localizada em Iturama, Minas Gerais, marcando o início das operações no Triângulo Mineiro.
A nova fase também trouxe a criação da Coruripe Energética, com foco na geração de energia elétrica a partir do bagaço da cana.
Nos anos seguintes, a empresa investiu em tecnologia aumentando sua capacidade produtiva com a inauguração de novas unidades.
Segundo o presidente da companhia, um dos aspectos mais notáveis dessa trajetória é a independência. Diferentemente de muitas empresas, que estão atreladas a cooperativas ou grupos estrangeiros, a Usina Coruripe se mantém totalmente familiar, "caminhando para a quarta geração", e sem estar listada na Bolsa de Valores.
Tendo essa estrutura como base, a Usina Coruripe tem grandes ambições para o futuro, incluindo a possibilidade de um IPO (Oferta Pública Inicial) na Bolsa.
Segundo Lorencatto, “com o potencial de crescimento que a Coruripe tem, faz todo sentido buscar um financiamento via mercado de capital e entrar na Bolsa”.
No entanto, um desafio significativo se impõe: a alta taxa de juros no Brasil, a mesma pedra no sapato da companhia para o equilíbrio das dívidas. O executivo destaca que a janela para IPOs no Brasil está "fechada" e que não há grandes expectativas de que se abra em breve.
Preparando o terreno, a Coruripe tem conversado com investidores, se expondo mais ao mercado. No entanto, enquanto o cenário econômico não mudar, os planos da Coruripe devem seguir no papel.