Daqui a um mês, na Expointer, uma das maiores feiras agropecuárias da América Latina, os criadores da raça de bovinos Angus vão apresentar ao mercado novos avanços em sustentabilidade e tecnologia apurada para produzir mais, com eficiência e com menor emissão de gases causadores do efeito estufa.

Quem lidera esta corrida pelo bife angus não apenas saboroso e macio, como já é bastante reconhecido pelo paladar do brasileiro, mas também cada vez mais sustentável é a médica veterinária Mariana Tellechea, da terceira geração de uma das famílias mais tradicionais da pecuária do Rio Grande do sul.

Mariana pode dizer que acompanha a evolução da raça de bovinos angus desde a infância. O avô começou a criação em 1942, antes mesmo de existir a Associação Brasileira de Angus (ABA), que está completando 60 anos.

A entidade, porém, foi criada no escritório dos tios de Mariana Tellechea, que seguiu envolvida naquele ambiente da pecuária ao longo da vida, sempre na região de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, na fronteira do Brasil com a Argentina.

Seis meses depois de ter assumido como a primeira mulher presidente da ABA na história da entidade, a empresária já se orgulha de algumas conquistas e tem metas claras para os próximos meses.

Uma das mudanças que fez foi colocar mais mulheres no time. Na diretoria, além de Mariana, atua a vice-presidente de marketing Camilla Menezes, filha do técnico de futebol Mano Menezes, além de outros nomes femininos como conselheiras.

O trabalho técnico feito em campo do Programa Carne Angus Certificada já está sendo feito com time 60% formado por mulheres.

Entre os projetos principais da nova dirigente está a retomada do Selo Angus Sustentabilidade. Lançado em 2019, ele ficou estagnado com a pandemia e agora começa a ganhar novo ritmo.

O trabalho é feito pela consultoria alemã TÜV Rheinland que visita as propriedades, faz as auditorias e fornece a certificação. Até o momento receberam o selo duas propriedades de Minas Gerais e, mais recentemente, em junho deste ano, uma fazenda no interior de São Paulo.

Na Expointer serão anunciados e entregues os selos para mais duas propriedades. Há mais de 30 fazendas em processo de certificação.

"Em termos mundiais hoje todos querem produzir levando em conta a preservação do meio ambiente e as questões sociais" afirma Mariana Tellechea, “é por isso que para conquistar o selo não adianta somente cumprir requisitos ambientais, é preciso por exemplo, ter todos os funcionários registrados, garantir que crianças tenham acesso à escola, além de cuidar do bem estar animal", explica.

A ABA tem atualmente 630 sócios, que são basicamente propriedades com foco na produção de animais PO (puros de origem), aqueles comercializados em valores financeiros altos, no mercado de melhoramento genético.

Em paralelo, há milhares de propriedades registradas no programa de carne certificada, aquela marca vista nos supermercados e restaurantes, que está completando 20 anos. Para ter a marca angus, a carne precisa ter no mínimo 50% da raça na genética dos animais abatidos.

A maior parte dos criadores de alta genética, associados a ABA, ainda está no Rio Grande do Sul. Mariana Tellechea explica que diversos estão pleiteando o selo de sustentabilidade junto a certificadora alemã, mas houve um entrave burocrático porque a legislação brasileira, adotada na metodologia, não se aplica a particularidades do bioma pampa, em que a maioria das árvores são plantadas.

“Vamos fazer adaptações nas regras agora, para viabilizar o avanço também entre as propriedades gaúchas", diz.

Carne carbono neutro

Mariana Tellechea diz que tem se dedicado muito a buscar informações sobre a questão do carbono e a relação com a pecuária e as pastagens.

"Acho que vamos conseguir produzir um animal carbono neutro. Claro, ainda falta um pouco de tecnologia para medir, não é simples, mas pelos projetos que temos visto, dá para ver que é bem possível", afirma.

Ela lembra que o Uruguai, recentemente, fez uma exportação de carne "carbono zero", vendendo para uma rede de restaurantes da Alemanha.

“Não sei se conseguiram preço diferenciado, mas comprovaram que o sistema produtivo sequestrava mais carbono do que era expelido pelo gado", explica.

Como o Rio Grande do Sul está no mesmo bioma que o Uruguai e tem sistemas muito semelhantes a expectativa é otimista para que, futuramente, também seja possível contar com o mercado de créditos de carbono.

Outra grande aposta neste tema é um acordo da ABA com a Embrapa. "Os animais estão sendo pesquisados em campo, portanto uma `mochilinha` que vai medindo o que estão expelindo de gases".

Alguns resultados desta pesquisa também devem ser apresentados na Expointer, assim como os avanços no programa de genotipagem.

Pelo DNA do pelo dos animais, identifica-se aqueles que se destacam em determinadas características. Um termo comum na pecuária é o chamado DEP – Diferença Esperada na Progênie – uma medida daquilo que se espera alcançar.

Na Expointer 2023, será lançado o DEP de eficiência alimentar, que é o primeiro passo para se chegar em um DEP de emissão de metano. Nas fases iniciais, as pesquisas já indicavam que os animais mais eficientes na relação de quanto comida consomem para quanto de carne produzem emitiriam menos metano.

"Existe diferenças de individuo para indivíduo, mesmo que sejam da mesma raça, animais que ganham mais peso comendo menos quantidade, beneficiam a rentabilidade do pecuarista também", destaca Tellechea.

Números crescentes e caminho internacional

A raça Angus vem avançando na comercialização de carne e sêmen e no número de animais registrados.

Segundo a ANC, Associação Nacional de Criadores Herd-Book Collares, uma entidade de registro genealógico que congrega 33 raças bovinas, o angus vem contabilizando em média 20,5 mil novos registros a cada ano.

Já o programa de carne certificada registrou em 2022 uma produção de 36 mil toneladas, avanço de 17% em relação ao ano anterior, com mais de 461 mil animais abatidos.

O volume de carne certificada exportado foi recorde, atingindo 1,8 mil toneladas, aumento de 102% em relação ao ano anterior.

Como a raça é usada para o cruzamento industrial, ou seja, para junto com genética de raças zebuínas, por exemplo, que predominam no Brasil Central, dar mais qualidade para a carne, seguem aumentando também as vendas de material genético.

Entre 2012 e 2022 houve um crescimento médio de 6,3% na comercialização de sêmen da raça Angus, com uma média de 5,9 milhões de doses anuais nos últimos 5 anos, de acordo com dados da Asbia, Associação Brasileira de Inseminação Artificial.

Apesar dos números positivos, a presidente da ABA acredita que falta maior reconhecimento internacional do Brasil como grande produtor da raça e de uma carne de alta qualidade.

O gado Aberdeen Angus tem origem escocesa e hoje o maior rebanho está nos Estados Unidos, embora a qualidade da carne seja reconhecida mundialmente.

Como no Brasil predomina o clima tropical e rebanho de raças zebuínas, ainda há pouco conhecimento sobre a evolução do Angus no melhoramento genético e na produção de carne certificada.

Para mudar este cenário, Mariana Tellechea viaja para a Repúbica Tcheca em setembro para apresentar formalmente a pré-candidatura do Brasil para sediar o Secretariado Mundial da Raça Angus em 2027.

Nunca o evento foi realizado no Hemisfério Sul. Mariana buscou apoio dos criadores latino-americanos e recebeu o aval.

No início de junho os criadores de angus da Argentina, Brasil, Colômbia, Paraguai, México, Equador, Peru e Uruguai, que fazem parte da Confederação Latino-Americana de Países Produtores de Angus (Colappa), se reuniram em Palermo, e aprovaram a pré-candidatura do Brasil.

"Queremos mostrar o trabalho do Brasil para o mundo, com repercussão maior", afirma Tellechea.