Desbravar caminhos desconhecidos e comprovar teses em que a maioria ainda desconfia está no DNA da Scheffer, um dos mais tradicionais – e capitalizados – grupos voltados ao cultivo de soja, milho e algodão no Brasil.
Quando a família chegou em Sapezal (MT) na década de 1990, eram centenas de quilômetros de estrada de terra e uma reserva indígena no caminho entre as áreas das primeiras lavouras e o acesso às rotas para escoar a produção. Começaram a plantar em 900 hectares arrendados.
De lá para cá, os Scheffer – que têm o mesmo DNA agrícola de superprodutores como Eraí Maggi Scheffer, do grupo Bom Futuro, e Blairo Maggi, do grupo Amaggi – tornaram-se referência na indicação de tendências para o setor.
Seus movimentos costumam abrir trilhas por onde muitos outros vão passar depois. Por esse motivo, é sempre aconselhável ouvir o que tem a dizer Guilherme Scheffer, atual diretor comercial e financeiro, um dos herdeiros de Eliseu Maggi Scheffer, fundador da empresa, e um dos líderes de uma nova geração de produtores rurais cada vez mais conectada com os mercados globais.
Aos 42 anos, ele foi um dos pioneiros na aproximação das corporações agrícolas com novos mecanismos de financiamento nos mercados de capitais – em 2017, liderou a primeira emissão de um CRA feita por um produtor pessoa física.
Também vislumbrou, antes das outras, uma guinada dos modelos tradicionais de produção para a chamada agricultura regenerativa, baseada em práticas que aproveitam melhor os recursos naturais, que agora começa a ser adotada em larga escala.
Ao olhar para o futuro enxerga que, mais do que produtividade, os grupos agrícolas buscarão “densidade nutricional” nas suas lavouras. Um conceito novo, como tantos outros que os Scheffer adotaram ao longo das últimas décadas.
"No início, optamos por arrendar terras e não comprar, para não imobilizar o patrimônio e ter foco na operação”, contou, em entrevista ao AgFeed, sobre os primeiros anos das operações do grupo no Mato Grosso.
Ele diz que chegaram a ter 27 mil hectares só com arrendamento, modelo que, ao longo do tempo, foi se mostrando bem-sucedido.
"Muitos quebraram, principalmente aqueles que compraram muita terra no começo. Sobraram produtores que foram mais eficientes”, diz.
A empresa tem hoje 215 mil hectares cultivados, incluindo as duas safras anuais, e nos últimos anos atingiu faturamento "bilionário" (os números não são revelados, mas o mercado estima em R$ 1,7 bilhão em 2021) investindo principalmente na agricultura regenerativa.
O modelo vem sendo mantido, já que apenas 35% da área plantada é própria. A produção da Scheffer é de 413 mil toneladas de soja, 200 mil toneladas de milho e 97 mil toneladas de algodão, além de 16 mil cabeças/ano no gado de corte.
Mas a quebra de paradigma veio mesmo na geração de Guilherme, quando, em suas palavras, "percebemos que nós mesmos estávamos causando a próxima praga na lavoura".
Entre 2007 e 2015 o número de aplicações químicas no algodão, por exemplo, havia aumentado de 8 para 40. “A produtividade tinha dobrado, mas a quantidade de químicos cresceu cinco vezes. Quer dizer, algo precisava ser feito", lembra.
Guilherme Scheffer começou então a se dedicar a modelos mais sustentáveis e se aproximou do empresário Leontino Balbo Junior, criador da marca de açúcar orgânico Native.
“Nós estudamos a agricultura orgânica e procuramos adaptá-la ao modelo convencional, chegando nesta agricultura regenerativa”, explica Scheffer.
Um dos pilares do modelo é o uso de biológicos e a redução das aplicações de defensivos químicos.
"Antes a gente usava um defensivo que matava o inseto que a gente queria, mas ele era abrangente e matava também o outro, que era o inimigo natural de um terceiro, que a gente nem sabia que existia. No ano seguinte a praga que era secundária virava primária", explica.
O empresário conta animado que, aos poucos, foram voltando as minhocas, as joaninhas e também a vida do solo.
"Mas a agricultura regenerativa não é ficar usando biológico para o resto da vida”, continua. “É criar um sistema tão equilibrado que até biológico você vai usar menos também, pois se você para de matar os inimigos naturais e os fungos, eles vão permanecer lá e você não vai precisar aplicar eles de novo. É trabalhar com a natureza, usar a natureza a nosso favor e não contra", diz.
Produtividade x custos
Scheffer diz que o modelo permitiu uma redução de 30% nos custos com defensivos e de 15% no custo total das lavouras. Do ponto de vista ambiental, o ganho é maior, já que a redução do uso em ingredientes ativos é de 45%, segundo ele.
Já a produtividade é considerada equivalente nas áreas que seguem o modelo regenerativo e naquelas convencionais.
"Porém, em momentos de estresse, quando ocorre uma seca como no ano passado, por exemplo, a produtividade da agricultura regenerativa foi maior do que a convencional”, conta o empresário.
Dos 215 mil hectares cultivados, atualmente 50% correspondem ao modelo de agricultura regenerativa. A meta da Scheffer é chegar a 100% das áreas até 2030.
As próximas ondas
Outro pilar da agricultura regenerativa é o manejo nutricional. Por isso, um dos focos de Scheffer agora são as tecnologias recentes para reduzir o uso de nitrogênio na lavoura, um fertilizante químico ainda importante em diversas culturas.
"É a próxima evolução de redução de custos, sem perder qualidade e sem perder produtividade”, afirma Guilherme.
Ele conta que os testes com estas tecnologias já estão sendo feitos em diversos talhões, ainda em áreas menores, mas que a redução do uso de nitrogênio alcançada ficou entre 30% e 50%.
Quando perguntado sobre em que pretende investir no futuro, Scheffer afirma que "o carbono é um mercado, mas vai ser uma receita à parte. Talvez vai ser melhor (rentabilizar) dentro do produto”.
E reflete: “O carbono não tem que ser só uma perseguição pelo crédito, mas tem que ser quase uma consequência, se você faz uma coisa direita, o carbono é consequência".
Neste sentido, o herdeiro da família Scheffer diz que "pensando no futuro da agricultura, nós vamos ter que começar a pensar em densidade nutricional para a comida, em produtos como soja e milho, por exemplo".
Ele afirma que talvez seja melhor produzir a mesma quantidade, com mais densidade nutricional, "do que produzir o dobro, aumentar a produtividade, mas a densidade nutricional cair".
Scheffer diz que pesquisas vêm mostrando que a densidade nutricional dos alimentos caiu nos últimos 30 anos e que ferramentas tecnológicas estão sendo desenvolvidas para medir isso.
"O que as pessoas comem é quantidade, é peso, mas o que elas absorvem é nutrição. Então o próximo passo é como eu consigo influenciar o meu manejo e a minha gestão, a minha genética de planta, para produzir mais densidade por quilo de produto. Essa deve ser a métrica do futuro, um pouco distante ainda, mas eu acho que é possível, falta investimento, falta pesquisa, falta olhar para isso", destaca.
Ele faz uma analogia com a cultura da cana, na qual já se mede o teor de açúcar para a produtividade. Em outras culturas, acredita, isso também pode acontecer.
"Vai ser a mesma coisa para tudo, vitaminas, carboidratos, proteína. A sustentabilidade faz parte do seu core business. Então o que você vai fazer a mais, além do carbono?”, indaga.
A tese ainda não é uma ação concreta no grupo, diz ele. “Por enquanto estamos focados na planta, mas depois poderemos ir para os frutos”.
Plano de negócios
Um dos investimentos recentes da Scheffer foi a construção de uma biofábrica com capacidade para produzir 2,6 milhões de litros/ano.
Além de ampliar as áreas de agricultura regenerativa internamente, a busca de novos produtos biológicos e novas combinações com químicos é também uma estratégia para a expandir a comercialização.
Nesse sentido, a Scheffer fechou recentemente uma parceria de 10 anos com a Syngenta.
"Hoje temos o 'on farm’, de uso imediato. Vamos transformar em produto que seja viável para prateleira, transporte, que poderá chegar como algo comercial aos produtores rurais em 2025”, afirmou Scheffer.
As lavouras da Scheffer do Brasil estão nos estados de Mato Grosso, Pará e Maranhão. Desde 2020, a empresa investe também na Colômbia, com o plantio de soja e milho.
Segundo Scheffer, por enquanto não haverá aumento dos investimentos em solo colombiano. Não apenas pelo momento econômico e político do país vizinho, mas também em função do atual cenário, de preços mais baixos para as commodities.
“É um momento de passar bem, não crescer tanto, pelos preços das commodities, então estamos segurando", diz.
O cenário, no entanto, não chega a trazer preocupações para os negócios do Brasil. "Claro que afeta todo mundo, mas já temos 60% do algodão vendido para o ano que vem, 50% da soja, e este ano está tudo vendido, quase 90%”, revela.
É mais um motivo para trabalhar a agricultura regenerativa e reduzir custo. “É uma animação para a gente intensificar esta transição, porque ela reduz custo”, acrescenta.
Sobre os planos de um dia abrir o capital na bolsa de valores, que já esteve no radar do grupo, o economista Guilherme Scheffer afirma que “o investidor da Faria Lima não sabe valorizar as empresas do agro".
Segundo ele, pelo fato de a bolsa ter "mentalidade de balanço trimestral, não consegue ver o agro direito, já que é um negócio de dois anos no mínimo, entre a compra do insumo ate o fim da colheita e da comercialização".