A mais conhecida e tradicional fabricante de silos, armazéns e demais equipamentos de pós-colheita vive um dilema.
De um lado, nunca se falou tanto na necessidade de investir nesta área, à medida que o Brasil colhe uma nova safra recorde, muito superior à capacidade de armazenagem no país. De outro lado, produtores rurais vivenciam um momento de cautela, com preços de commodities mais baixos, taxa de câmbio menos favorável e menor disposição para fazer investimentos expressivos.
Em entrevista exclusiva ao AgFeed, o atual CEO da Kepler Weber, Piero Abbondi, mostra como a empresa está lidando com este cenário, fala das estratégias de crescimento e promete registrar "o segundo melhor resultado de sua história em 2023".
Durante boa parte da conversa, Abbondi esteve acompanhado de outro executivo da Kepler Weber, o diretor comercial Bernardo Nogueira, que já recebeu indicação do conselho da companhia para assumir o cargo de CEO, o que só deverá ocorrer no início do ano que vem.
"O ano de 2022 foi excepcional, mas 2023 também será muito bom, com ventos mais favoráveis, já que a demanda de pedidos foi recorde e os fechamentos começaram a chegar, mostrando que os negócios foram destravados", afirmou Piero Abbondi.
Os números do segundo trimestre, divulgados após o fechamento do mercado nesta quarta-feira, 2 de agosto, mostram os motivos do otimismo dos executivos. A receita líquida atingiu R$281,2 milhões, uma queda de 21,9% em relação ao mesmo período do ano passado. Porém, a empresa destacou em relatório que este foi o segundo melhor faturamento para o segundo trimestre da história da companhia, perdendo apenas para o mesmo período de 2022.
Para seguir crescendo, apesar dos altos e baixos da rentabilidade dos produtores, um dos segredos é a diversificação, com novos projetos de portos e terminais e com a abertura de centros de distribuição para se aproximar do cliente e ganhar também com a modernização das estruturas de pós-colheita com tecnologias mais antigas.
Além disso, os silos e secadores “monitorados em tempo real” mostram que o segmento segue atento às oportunidades da digitalização.
Para o diretor Bernardo Nogueira, a revolução que foi iniciada há alguns anos em tratores e colheitadeiras, por exemplo, está acontecendo agora no segmento em que a Kepler atua.
"Com a aquisição da Procer, que é líder em internet das coisas (IoT) de conexão de unidades, juntando com a nossa empresa, que é líder de armazenagem, estamos realmente entrando numa era de plantas conectadas", disse Nogueira.
A receita dos negócios digitais está na área que a Kepler chama de "RS”, reposição de serviços, que hoje já representa entre 10% e 15% do faturamento.
Confira a entrevista do AgFeed com o CEO da Kepler Weber, Piero Abbondi.
A Kepler Weber é uma das empresas mais tradicionais do agro brasileiro, mas tem sido bem atuante em tendências consideradas mais recentes no setor como digitalização e mercado de capitais. Como é isso?
Sim, a Kepler nasceu onde nasceu a agricultura brasileira, que é o Noroeste do Rio Grande do Sul. Ali foram plantadas as primeiras lavouras de soja do país. Somos bem "raiz" mesmo, sem dúvida. E ao mesmo tempo estamos sempre nos modernizando. Estamos há 40 anos listados na bolsa brasileira. Nossas ações agora começam a ser negociadas no Novo Mercado da B3. Somos uma quase "corporation", no sentido que o nosso maior acionista tem 20%, o segundo 11% e o terceiro 8%. Temos mostrado nosso projeto ao mercado, buscando os investidores de referência, que acreditam na nossa tese. Eles sabem que é uma empresa que tem gás para 10 anos.
Foi uma decisão ousada, para uma empresa do agro, abrir o capital na década de 1980...
Eu estou há cinco anos na empresa e é até um pouco difícil falar de como foi essa decisão há 40 anos atrá. Mas queremos inclusive resgatar toda esta história, agora que estamos próximos dos 100 anos. Acho que foi um bom caminho escolhido. Evidente que também passamos por vários altos e baixos. Se há 20 anos tivéssemos a seca que tivemos nestes últimos três anos no Rio Grande do Sul, a situação seria de miséria.
A presença na bolsa ajuda a amortecer efeitos de eventos como esse?
Hoje a agricultura é muito robusta, tanto a tecnologia quanto a gestão agrícola. Neste cenário acredito que o mercado de capitais levou a Kepler a uma maior robustez. Estamos construindo uma empresa que tem uma preocupação evidente com a rentabilidade. Ela tem que dar lucro, porque senão, não acontece nada, desde remunerar os acionistas para ter capital, reconhecer os colaboradores e permitir que eles cresçam em termos de carreira. Hoje em dia um dos desafios grandes para todos os setores é ter pessoas, é a área de recursos humanos. Queremos ser uma empresa que atrai, nos últimos três anos fomos certificados pelo GPTW como uma excelente empresa para trabalhar.
Como chegar lá?
Além da rentabilidade e visão de negócios, temos também a sustentabilidade em todas as frentes. Sustentabilidade do lucro e sustentabilidade ambiental são todas muito interligadas e a sustentabilidade em ter pessoas que farão a próxima geração da empresa. Essa é trajetória da Kepler, estamos cada vez mais fortalecendo isso, ser uma empresa institucional. Ou seja, se daqui a quatro anos eu não estiver aqui, a empresa, a sua estrutura, a sua governança, vai garantir a continuidade das operações dentro destes moldes.
"Se há 20 anos tivéssemos a seca que tivemos nestes últimos três anos no Rio Grande do Sul, a situação seria de miséria"
Estamos falando de processos, políticas e cultura também. Não queremos perder a excelente cultura do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e a região Cerrado que está no mesmo caminho. É uma cultura muito voltada ao trabalho sério, um pessoal que veste a camisa da empresa. Lá em Panambi devemos ter uns 1200 colaboradores e o pessoal brinca que corre sangue laranja nas veias da turma. Acho que tudo isso é muito positivo para a empresa. Cabe à gente continuar construindo para seguir nesta trajetória.
Algumas empresas do agro ainda dizem sofrer com a “falta de conhecimento" do mercado de capitais sobre as peculiaridades do setor. Vocês concordam?
Penso que sim, tem um desafio. Se você olhar empresas listadas do agro, são realmente poucas, está longe de corresponder à realidade econômica do país, já que 30% da economia é o agro. No futuro vamos ter um crescimento de empresas do agro na bolsa, porque é um caminho também para crescer e ter capitalização. Quando somos os primeiros, como a Kepler, um dos desafios é ter um esforço maior em educar, como dizem nos Estados Unidos, no sentido de explicar o nosso negócio para essa turma.
Qual a maior dificuldade nesse sentido?
A questão é que realmente somos diferentes. No varejo é mês a mês, o nosso ciclo é anual. Qualquer decisão é mais longa. Este ano, por exemplo, foi mais desafiador, por uma série de razões, desde a questão da eleição, no ano passado, a questão do PCA (linha de crédito do Plano Safra voltada à armazenagem), a própria rentabilidade do produtor em função dos insumos na época, mas hoje está normalizado. Mas cabe a nós explicar isso, porque não é o assunto que está na mesa da Faria Lima. Porém, temos visto que as pessoas que começam a nos acompanhar criam interesse, porque são pessoas capacitadas. Temos cada vez mais visto interesse de investidores brasileiros e internacionais no agro e na nossa empresa.
Por que decidiram ir para o Novo Mercado?
Temos buscado cada vez mais gerar liquidez. Nós somos uma small cap, então temos tamanho limitado e também liquidez diária limitada. Mas temos aumentado muito a nossa liquidez no sentido de estar na mesa de vários investidores. Temos investidores internacionais, sim, mas é evidente que para ter acesso a maior número de investidores no exterior, o Novo Mercado é o selo que permite isso. É como ocorre com o país, que aos poucos vai melhorando o rating e tendo acesso a mais investimentos. Acreditamos que com o Novo Mercado teremos uma visibilidade maior, tanto de investidores mais institucionais brasileiros quanto de investidores estrangeiros que tenham interesse.
O setor de armazenagem vem ganhando mais importância?
Estamos diretamente ligados com a segurança alimentar. O país precisa ter estoques de pós-colheita, porque depois da safra tem o momento da entressafra. E a questão dos estoques não é apenas quantitativa. São estoques reguladores, porque quando há falta, mesmo que seja pouco, o preço explode.
Vivemos o cenário inverso hoje, com preços em queda...
Este ano passamos a prêmios negativos no Brasil porque não tinha armazenagem. O pessoal estava colhendo e tinha que vender. Portanto, o pós-colheita tem uma função muito importante, justamente de servir como esse amortecedor, garantir a qualidade e a quantidade ao longo do tempo, mas também ajudar nessa normalização de preços. Não viver entre céu e inferno. Vale lembrar que em 2023 a produção da primeira safra brasileira pela primeira vez passou a capacidade de armazenagem do país. Como disse o Bernardo Nogueira, isso gera uma ineficiência e uma dor na nossa cadeia e acabou elevando o status deste segmento. De algo "muito necessário" para o sucesso do cliente, passou a ser "crítico".
"A produção recorde gerou uma dor na nossa cadeia e acabou elevando o status deste segmento. De algo 'muito necessário' para o sucesso do cliente, passou a ser 'crítico'"
As metas de crescimento estão relacionadas a este cenário?
Nós temos um plano, estamos trabalhando bastante nele e temos potencial grande de crescimento. Primeiro em relação ao nosso próprio mercado, que é o que estamos vendo, uma safra de mais de 300 milhões de toneladas, está crescendo 4% ou 5% ao ano. Portanto, vai para 400 milhões, depois para 500 milhões, quer dizer, isso vai demandar o nosso mercado, sem sombra de dúvida.
Qual o tamanho dessa demanda?
Estamos vendo as dificuldades e os desafios que os produtores estão tendo agora com a colheita do milho. Até para comercializar, estocar, fazer a safra escoar, pela logística. Tem esse déficit imenso, que é de 110 milhões de toneladas, que é a produção comparada com a capacidade de estocagem, de cerca de 200 milhões de toneladas, mais ou menos. Chamamos de déficit porque considera-se que teríamos que ter uma vez a produção em capacidade de estocagem, para você conseguir estocar toda uma safra. Nos Estados Unidos é assim e seria um bom benchmark para nós, porque é o grande produtor, consumidor e grande exportador de grãos. E o Brasil é muito parecido, mas não tem esta capacidade.
Além de atender o déficit, quais os outros planos de crescimento?
O segundo vetor de crescimento é que temos 17 mil plantas instaladas de pós-colheita no Brasil. Estimamos que aproximadamente metade delas são Kepler, pelo histórico, já que temos mais tempo de mercado e somos líderes. Hoje temos um market share de aproximadamente 40% e esse é um mercado imenso. É como se fosse uma frota de veículos. Eles estão andando e consumindo alguma coisa, como peças de reposição, pastilha de freio, pneu. Temos uma área, que chamamos de "RS", reposição de serviços, que inclui a assistência técnica, mas queremos dar uma dimensão maior para ela.
Como assim?
A modernização das estruturas já instaladas é importante. Uma unidade de 20 anos atrás, por exemplo, foi concebida para uma safra onde a soja ou o milho no verão eram colhidos com calma, no tempo certo, com uma umidade baixa. Atualmente, o nosso cliente, o agricultor brasileiro, está fazendo a segunda safra de milho, vai colher a soja no verão, lá no meio de janeiro, com uma umidade de 28, em vez de 14, na colheita. Como a janela é pequena, ele precisa ser rápido, por isso vende-se muita colheitadeira.
"É necessário dar fluxo para as milhares de toneladas que estão sendo colhidas. As duas safras criam a necessidade de uma velocidade maior"
Mas do outro lado, você cria um novo gargalo, que é o recebimento disso numa unidade. É necessário dar fluxo para as milhares de toneladas que estão sendo colhidas. As duas safras criam a necessidade de uma velocidade maior. Estimamos que, das 17.000 unidades no Brasil, pelo menos 7.000 delas estejam com uma capacidade de colher de um momento anterior a essa necessidade. Os nossos equipamentos, antes, na média, eram vendidos com uma secagem de 50 toneladas por hora. Hoje você tem equipamentos com 300 toneladas/hora.
Então esse vira um novo pilar estratégico do negócio?
Sim, para fazer esta modernização estamos criando nos últimos anos uma rede de centros de distribuição, uma rede de atendimento, de proximidade do cliente. Acabamos de anunciar este mês a abertura do oitavo centro, em Sorriso, ponto muito importante em Mato Grosso. Vemos essa expansão e a possibilidade de os clientes fazerem esse atendimento com peças de reposição e modernizações. A cada 10 reuniões que fazemos com clientes, 10 reclamam de mão de obra. Esse ano levamos esse treinamento dos funcionários que operam as unidades de armazenagem. Teve mais de 800 profissionais treinados em todo o Brasil para a segurança da armazenagem, para bom uso da unidade, boa conservação do grão. É um trabalho constante de proximidade e de desenvolver toda a cadeia.
E já há ganhos financeiros?
Se você olhar o nosso recorte financeiro, este segmento chamado RS tem crescido significativamente ano a ano. E não é só peças. Os centros de distribuição são o ponto físico que permite isso, mas ali temos uma série de entregas para o cliente, que ele valoriza. Portanto, não é só o equipamento, queremos também ter todo esse pacote de serviços, por várias razões. Uma delas é que o produtor, se for comprar uma picape, por exemplo, quer uma revenda perto. Isso também ocorre conosco. Quer dizer, estando presente, ele tem a garantia de ter um atendimento rápido.
"Queremos estar junto com o cliente durante o tempo todo. Para o negócio, isso cria receitas recorrentes, uma visão de uma empresa mais premium"
A relação de proximidade permite mais ganhos no longo prazo?
O cliente compra a planta e ela está funcionando. Mas depois essa planta vive 30 anos, precisa ter esse suporte. Olhando do nosso lado de negócios, nós originalmente somos uma empresa de bens de capital. Ou seja, você vende e esquece o cara e vai se preocupar quando ele for comprar de novo, daqui a três anos. Mas nós estamos mudando isso. Queremos estar junto com o cliente durante o tempo todo. Para o negócio, isso cria receitas recorrentes, cria uma visão de uma empresa mais premium, com serviços melhores.
É uma forma de fidelizar o cliente?
Você sabe que o agronegócio é muito relacional, um exemplo são as cooperativas, onde as pessoas estão lá por muitos anos. Nós já temos este relacionamento, mas acreditamos que com essa assistência, treinamento, suporte ao longo do tempo, vamos ficar ainda mais próximos, não só no momento da venda, mas também durante a operação da planta.
O digital é outra oportunidade de crescimento?
Exatamente. Nosso lado digital começou com a nossa plataforma lá em 2019, muito ligada com automação, com sensoriamento na planta. Esse ano adquirimos a Procer, que é uma empresa especializada em serviços de monitoramento. Mais do que monitorar, ela ajuda a gerir a planta e a gerir o controle dos grãos. E sabe que quanto melhor gerida a armazenagem, menores são as perdas e maior ganho tem o produtor.
A aquisição já impactou nos negócios?
Esta empresa estava mais adiantada que nós, principalmente nos serviços. Nós somos uma companhia mais de bens de capital e aí nós adquirimos e vamos concentrar os nossos serviços digitais do pós-colheita nessa empresa. Temos 50% mais 1 das ações, estamos no controle, mas nós queremos manter os três empreendedores que iniciaram a empresa pela dinâmica. Nesse mundo digital, a turma é rápida e empreendedora. Então queremos manter esse espírito da empresa de empreendedorismo.
Há outras apostas?
Além do core business, do mercado que está demandando mais armazenagem, há uma segunda via de crescimento que está relacionada a novos equipamentos e novos negócios de valor agregado, dentro do pós-colheita. Vou dar um exemplo pequeno: nós compramos uma marca de projetos chamada Seletron, uma selecionadora ótica de grãos. Ela basicamente tira uma foto digital dos dois lados do grão, quando ele está passando. A tecnologia compara o banco de dados digital e na saída ela expele os grãos que não estiverem de acordo com o padrão definido. Esse equipamento é muito usado em áreas mais nobres, como sementes, café, grãos alimentícios, arroz e feijão, quando precisa ser feita uma seleção maior do que numa commodity como soja.
"A expectativa é que seja o segundo melhor ano da história da empresa. O ano de 2022 foi excepcional e esse ano vai ser muito bom"
A ideia é prestar serviços nessa área também?
Acreditamos que cada vez mais a seleção vai ser mais sofisticada. No futuro teremos talvez seleção por conteúdo de proteína, teor de óleo e tudo mais. Tem lá o silo, o recebimento, a secadora, um valor agregado bastante importante, mas o que mais se pode entregar para esses produtores? Com isso podemos ajudar a garantir margens boas e também ampliar nossa área de atuação.
O que esperar do ano de 2023? Os últimos anos foram excelentes, mas desta vez temos ouvido muitas preocupações. Qual a sua visão?
Penso que está longe de ser uma crise. Tivemos um pequeno ajuste, foi um ano mais desafiador, algo que começou já no segundo semestre do ano passado. A eleição e a questão dos preços dos insumos colocaram um pouco de dificuldade, porque o próprio financiamento do PCA, o programa de construção de armazéns, que faz parte do Plano Safra, veio bem o ano passado, mas não foi todo dinheiro liberado. Esse ano é um recorde, são R$ 6,6 bilhões, que foram aprovados. Estamos aí agora, já em processo de liberação de protocolo de pedidos. Portanto, eu diria que teve um pouco de uma turbulência. Mas essas nuvens estão passando, se a gente olhar a projeção de rentabilidade do produtor na próxima safra já é bastante boa, vem no ritmo normal. A questão de financiamento veio bem.
Como está a demanda?
Sentimos que nos últimos meses teve muita procura, até quase recorde em relação aos anos anteriores. Agora o que nós estamos vendo é que o pessoal está vindo para o fechamento. Por quê? Porque acaba ficando clara a questão da safra dele. Está havendo volume e precisa planejar para a próxima safra 2023/24. Tem que plantar, aí começa a destravar os negócios. Nós somos bastante otimistas. A expectativa é que seja o segundo melhor ano da história da empresa. O ano de 2022 foi excepcional e esse ano vai ser muito bom.
Qual o motivo para o otimismo?
Estamos vendo aí os fechamentos, com timing agora de planejar a nova safra, com a aprovação do PCA, com o começo de liberação desses financiamentos... Acredito que o mercado mais desafiador está ficando para trás. Acho que daqui para frente começamos a entrar num rumo de melhores ventos para o setor. Se você olhar, com todo esse estoque de milho a céu aberto, esses prêmios negativos, o produtor vai ter que tomar uma atitude para ele não viver, no ano que vem, a mesma situação que ele viveu agora. Esse é um argumento nosso de venda. Mostramos que ele precisa comprar. O remédio para não passar as mesmas dores deste ano é uma planta da Kepler instalada lá. Desta forma você estoca, vende só o que o teu caixa necessita. O resto vende três, seis meses depois, no ponto melhor de mercado.
"O produtor vai ter que tomar uma atitude para ele não viver, no ano que vem, a mesma situação que ele viveu agora"
Como foi possível passar pelo momento mais difícil?
A Kepler tem uma característica muito importante de estar em toda a cadeia. Na época que fizemos o orçamento de 2023, já percebíamos que o agricultor ia sair dos melhores anos da sua história, até 2021/22, e ia voltar para, no mínimo, uma normalidade. Ou até um pouco mais apertado do que o normal. Por isso nos organizamos para estar mais presente no CNPJ, na indústria, nas cooperativas e no restante da cadeia, nos portos e terminais. É um trabalho que estamos fazendo há cinco anos, de estar presente em todos os segmentos, o que possibilita acelerar naqueles que estão com oportunidade.
Como está a divisão de receita entre esses segmentos?
Um terço do nosso volume é produtor rural, que está mais ligado com a rentabilidade. Os outros são agroindústrias, desde a cooperativa, que está mais ligada com a ração animal por causa da proteína, até o etanol de milho, o biodiesel, entre outros. O produtor pode não estar ganhando dinheiro, mas esse pessoal tem volume, tem a fábrica para produzir, está vendendo etanol, já tem contrato e está vendendo. Nos portos, vai ter que exportar, os chineses vão continuar comendo. Então talvez o produtor seja um pouco mais modesto nos investimentos, mas o porto vai continuar exportando. Com a presença em toda a cadeia, conseguimos trazer resiliência para a companhia.
A diversificação também é geográfica?
Sim. Temos procurado diversificar segmentos e também territórios. É importante a nossa presença cada vez maior no Cerrado. Temos feito isso, acompanhando a agricultura. Isso também dá resiliência, porque tivemos a seca no Sul, mas quando tem seca lá muitas vezes o Matopiba vai super bem, porque chove mais. A diversificação também é um seguro contra problemas climáticos.
Qual segmento tem maior peso atualmente?
Atualmente, cerca de um terço é o produtor rural do Brasil. Outro terço são as agroindústrias. O último terço são os os terminais, a área de assistência técnica e os negócios Internacionais. Nossa exportação atende a América Latina e outros países. Temos projetos no mundo todo, em regiões como Oriente Médio e África. Vendemos um projeto na Indonésia e estamos bastante de olho nessas oportunidades em outras regiões também.
Será possível crescer este ano?
Como 2022 foi excepcional, fora da curva, não seria algo realista dizer que vamos superar 2022. Mas dá para dizer que alguns dos indicadores sim, são melhores que 2022. Por exemplo, o resultado do trabalho que a gente vem fazendo com a área de serviços. Nós queremos atender mais clientes em 2023 do que tivemos 2022, por exemplo. Existem 20 mil agricultores com mais de 500 hectares no Brasil, que são nosso alvo.
Qual o tamanho da carteira de clientes?
A Kepler no ano passado faturou para mais de 4 mil clientes, desde uma peça de R$ 4 até uma unidade de R$ 100 milhões. Queremos em 2023 aumentar o número de clientes atendidos, por exemplo. O faturamento, o EBITDA não serão iguais a 2022. Estamos no segundo melhor ano, mas em outros indicadores que são importantes do negócio de diversificação, de resiliência, esses sim, nós estamos conquistando.
E qual segmento tende a crescer mais?
Pelos números que já foram divulgados até agora, o que temos de fato, o número 1 foi o de portos e terminais, já que grandes projetos foram fechados. RS em segundo lugar. Na
Agroindústria, os projetos ainda são mais longos. O ano passado foi muito bom, realmente está sendo um pouco menor, mas as vendas estão muito bem. A procura está muito grande e nos próximos dois meses elas devem voltar. Já o agricultor vai estar um pouco abaixo.
Qual a perspectiva para o setor de portos?
Cerca de 40% da produção de soja brasileira é exportada para a China. Isso vai continuar e vai crescer. Se a gente fala em safra de 400 milhões de toneladas, parte do adicional que vai se produzir também vai para a China. Então vai haver uma onda de investimentos importante nos próximos anos, principalmente pensando em logística. E nós somos parte da logística.
"Vai haver uma onda de investimentos importante nos próximos anos, principalmente pensando em logística. E nós somos parte da logística"
Temos que olhar também o crescimento que o Brasil está tendo na região Norte. Boa parte da produção ainda vem para o Sul, acaba congestionando. Por isso na região tem um grande desenvolvimento de manutenção. Já o maior desenvolvimento de novos projetos está no Arco Norte, que envolve o Norte de Mato Grosso, todo o Matopiba. Vai sair por lá esse crescimento e vai ter que ter porto. A Ferrogrão, por exemplo, vai ser um movimento intenso de crescimento para o Arco Norte.
Já há novos contratos sendo negociados com as tradings para os portos, já que algumas dizem que o tamanho da produção já está ultrapassando a capacidade logística?
Sim, os portos começam a trabalhar nos seus gargalos. Tem vários projetos em andamento, não só com as tradings que têm as plantas delas, mas também a Rumo, de transportes ferroviários. Dois anos atrás ela pegou a concessão da Ferrovia Norte-Sul, a parte norte da ferrovia é a VLI, que leva para o porto do Itaqui, no Maranhão. Goiás para o Sul, vem para o Porto de Santos, pela Rumo. Depois dessa concessão ela investiu em dois terminais. Nós construímos a parte de equipamento, um terminal em Rio Verde e o outro terminal em Rondonópolis, justamente para originar grãos para a ferrovia dela, para trazer para Santos. Estamos falando desta porque é um ramal, mas também temos falado da Ferrovia Leste-Oeste, ali na Bahia, que vai terminar no Porto de Aratu, tem a Ferrogrão, em Mato Grosso. A logística brasileira vai ter que acompanhar esse desenvolvimento.
A Kepler também pretende priorizar investimentos no Arco Norte?
Não necessariamente, porque nós estamos falando de portos e terminais, não estamos falando dos outros segmentos. O déficit grande de armazenagem nos produtores é mais no Cerrado do que no Sul, sem dúvida. Atualmente, 14% da capacidade de estocagem do Brasil está nas fazendas. Nos Estados Unidos, esse número é de 60%. Isso é um potencial imenso, por isso acreditamos que o produtor rural vai ser um vetor de crescimento para nossa empresa nos próximos anos. Em logística, portos e ferrovias, é algo mais de longo prazo. Por isso, a importância da diversificação.
Como foi a experiência com o Fiagro para financiar o segmento?
O setor de bens de capital é sempre dependente de financiamento, apesar de que, com o produtor capitalizado, também temos visto muito investimento com recursos próprios. No financiamento, uma linha evidente vem dos recursos do Plano Safra, do governo, que são importantes. Os últimos três anos foram uma loucura, inflação alta, juros para cima, no Brasil e no mundo todo. Mas acreditamos que vindo um momento no mercado mais normal, mais estável, onde a inflação vai estar mais controlada, a taxa de juros mais adequada, o crédito privado também terá um espaço relevante nesse financiamento de bens de capital.
É por isso que nós criamos o nosso Fiagro, que é um fundo, justamente, para financiar os nossos clientes. Ele está avançando, mas é evidente que a taxa de juros está, digamos, longe do potencial que poderá ser no futuro. Estamos nos preparando para capturar as oportunidades quando elas aparecerem. Se no ano que vem o juro estiver mais atrativo, é uma baita oportunidade para a gente realmente alavancar e crescer.
Então ele poderá ser ampliado?
Nós temos recursos, o fundo pode ir a R$ 300 milhões. Nós vamos chamando os recursos conforme a necessidade. Temos a oportunidade de, nos próximos três anos, surfar uma boa onda. As nossas vendas têm uma boa parte financiada com recursos próprios dos produtores, tem o financiamento pelo BNDES, que é o PCA, e também por esse nosso fundo, que é uma parte menor, mas também tem financiamentos nessa linha.
O financiamento com as linhas do Plano Safra tende a crescer?
Eu acho que esse ano o PCA vai ter um papel relevante no setor de pós-colheita, porque veio bem e a taxa de juros é atrativa, está em 8%. Mesmo que chegue no final do ano com a taxa básica de juros mais baixa, deve descer para 12%, ainda tem um incentivo grande para o PCA. Mas eu não acredito que a gente vai ficar com uma taxa de juros tão alta no longo prazo. Por isso precisamos ter as diferentes alavancas para financiar e uma delas é justamente o Fiagro que você mencionou.