Diferentes empresas que investem no setor de biológicos costumam defender a tecnologia como "complementar” ao tradicional manejo com agroquímicos. Mas a cinquentenária Vittia, uma das maiores do País em biológicos e fertilizantes especiais, quer mudar este discurso.
Em uma conversa com o AgFeed, o CFO da Vittia, Alexandre Del Nero Frizzo, se mostrou entusiasmado com testes que a empresa vem fazendo em diferentes culturas de um manejo “100% biológico".
Ele explica que como em herbicidas "ainda não há soluções biológicas disponíveis no mercado", esta “substituição total" está sendo testada para todos os demais químicos que seriam aplicados nestas lavouras.
"Com exclusão dos herbicidas, estamos conseguindo tratar lavouras com 100% de biológicos ou naturais atualmente", afirma Frizzo. “O pessoal ainda acha que é para alguns nichos ou um complemento, mas nós achamos que é um passo além”.
O executivo revela que na safra passada a empresa “foi desafiada” por um cliente para fazer esta substituição total em uma área de soja e outra de feijão.
Já neste último ciclo a experiência foi estendida para diversos clientes de soja e até para uma produção de café.
"Tivemos muito sucesso, nos casos em que não chega a 100%, a substituição ainda assim foi alta, de 80%”, diz.
A experiência citada pelo executivo é um projeto chamado "Biovittia", que deve ter seus primeiros resultados divulgados em breve.
Ao AgFeed, a empresa adiantou que são 51 campos experimentais com 100% de biológicos. E já trouxe alguns resultados preliminares: ganhos de 15% na produtividade em lavouras de grãos no Rio Grande do Sul, além de um incremento de 2 pontos na qualidade da bebida do café colhido nas áreas experimentais, se comparado ao cultivo tradicional.
Sobre o potencial do mercado de biológicos como um todo, Frizzo lembrou que os defensivos em geral (tradicionais) movimentam cerca de US$ 10 bilhões. Deste total, 30% são herbicidas, um mercado que ainda não pode ser substituído por biológicos.
"Portanto sobram 70% para trabalhar e há chances de se chegar a 50%, já que não é todo o agricultor que vai estar disposto a fazer o manejo 100% biológico, algo diferenciado", estima.
Na lupa da bolsa
A cinquentenária Vittia é uma empresa olhada com cada vez mais atenção por analistas e investidores na B3. Embora ainda com pouca liquidez para negociação de suas ações, trata-se da única companhia listada atuando no segmento mais promissor do agronegócio, o de insumos biológicos.
Recentemente, a venda, pelo fundo Aqua Capital, da concorrente Biotrop por R$ 2,8 bilhões para a belga Biobest, mostrou o potencial de valorização do setor. E a Vittia entrou ainda mais no radar.
Um relatório da XP Investimentos, por exemplo, apontou que a transação com a concorrente indicava uma sinalização de alta para os papeis da empresa. A justificativa estava no preço pago pela Biotrop, com múltiplo estimado entre 12 e 14 vezes o Ebitda previsto para 2023.
Segundo os analistas Leonardo Alencar e Pedro Fonseca, da XP, os papeis da Vittia estariam sendo negociados com base em 5,3 vezes o Ebitda estimado, portanto em níveis bem inferiores ao da operação.
“Vemos a Vittia como uma combinação de crescimento e qualidade devido ao encorajador oceano azul em insumos agrícolas biológicos, juntamente com baixa alavancagem, margens confortáveis e geração de fluxo de caixa”, destaca o relatório da XP.
Frizzo admite que apenas nos biológicos é possível afirmar que haverá crescimento na receita em 2023, já que o setor "é a bola da vez e até agora o mercado vinha crescendo 50% ao ano".
No caso da Vittia, a receita bruta somente com defensivos biológicos era de R$ 5,2 milhões em 2017, época em que a empresa começou a acelerar a expansão, adquirindo a Biovalens, que permitiu ampliar o portfolio. Outro momento importante já havia ocorrido em 2014, quando a Vittia passou a ter como sócio minoritário um fundo de private equity.
"Em 2022 a receita com defensivos biológicos chegou a R$ 151 milhões e, se considerarmos também os inoculantes, o valor chega a R$ 226 milhões”, informa o CFO.
Este último número representou 24% da receita bruta da Vittia em 2022, “fatia que vai aumentar este ano”, afirma Frizzo, considerando as dificuldades dos segmentos tradicionais.
Entre 2017 e 2022 o faturamento da Vittia com biológicos cresceu em média 96% ao ano, enquanto as vendas totais, considerando também todos os produtos de nutrição, avançaram 18% ao ano.
"O segmento de biológicos seguirá crescendo, mas não nos mesmos patamares que vinha”, avalia. “Afinal este ano o vento estava soprando contra na agricultura, por isso o ritmo não é o mesmo, mas a receita cresce", avalia.
A expectativa do CFO é de que no médio ou longo prazo os biológicos passem a representar metade do faturamento da empresa. Ele lembra que as consultorias têm previsto um crescimento entre 15% e 25% ao ano para o setor na próxima década.
O desafio de 2023
Sobre 2023, em relação às outras linhas de produtos, que ainda representam a maior parte da receita da empresa, "o jogo ainda está aberto", diz Frizzo, admitindo que "se houver crescimento, será baixo".
A Vittia é uma empresa com 52 anos de atuação, que nas primeiras décadas se chamava Biosoja, porque tinha o negócio concentrado nas vendas de inoculantes para a oleaginosa, segmento em que é líder até hoje.
No segundo trimestre deste ano, a empresa registrou prejuízo de R$ 14,6 milhões. No mesmo período de 2022 havia reportado lucro líquido de R$ 5,3 milhões. A receita líquida também teve queda de quase 54% na comparação anual.
"Tenho visto muitos falando que é um ano de ajuste, sem dúvida, porém não acredito que o ano como um todo será tão crítico quanto foi o primeiro semestre", afirma Frizzo.
Ele lembra que a comparação semestral mostra “dois extremos”, já que o início do ano passado foi marcado pelos preços altos dos insumos e pelo medo da escassez, o que acelerou as compras.
"Já este ano a curva inverteu completamente, o agricultor viu que existia bastante oferta e apostou na estratégia de que quanto mais postergasse mais poderia ter vantagem", ressalta.
Frizzo diz esperar "um segundo semestre bem melhor e, no caso da Vittia, um quarto trimestre muito mais forte em comparação com o ano passado". De qualquer forma, admite que há muitas incertezas, entre elas a própria questão climática.
Depois de vários anos de La Niña, desta vez o efeito que vai influenciar o clima é o El Niño, que pode trazer menos chuva em algumas regiões.
Frizzo diz que, diferentemente dos fertilizantes tradicionais, a decisão de compra de foliares é muitas vezes tomada após o plantio, por isso o comportamento do clima acaba influenciando nesta opção do agricultor.
Ainda assim, o CFO relata que já houve uma movimentação no terceiro trimestre com os produtores e as revendas voltando à mesa. “Porém as compras estão ocorrendo de uma forma muito fracionada ainda, há muita cautela".
A chance de recuperar os resultados do ano pode ser uma melhora no preço médio, caso haja maior demanda nos últimos meses do ano, "mas é um cenário muito aberto ainda".
A análise da XP está alinhada com a de Frizzo. Embora pontuem que os resultados do primeiro semestre “não animem”, os analistas lembram que “a maior parte da geração de EBITDA da companhia ocorre no segundo semestre”.
“Esperamos que com a chegada da safra 23/24 as vendas ganhem força e os resultados da Vittia retornem aos trilhos”, projetam.
Próximos passos
Os investimentos previstos para este ano e para 2024 estão mantidos, apesar dos desafios atuais, garante o CFO.
Até o fim de 2023 devem ser investidos mais de R$ 60 milhões, o que inclui uma câmara fria e a conclusão da segunda fase de expansão da fábrica de biológicos em São Joaquim da Barra no interior de São Paulo.
Segundo ele, a fábrica já recebeu investimentos de R$ 150 milhões e "ainda terá mais, já que quando for concluída a terceira fase, a previsão é chegar numa capacidade de 10 milhões de quilolitros”, diz o executivo.
O CFO afirma que a empresa "pode se dar ao luxo" de manter os investimentos porque ficou bem capitalizada com o IPO e segue com alavancagem baixa, em menos de 1x a dívida líquida em relação ao Ebitda.
Além dos investimentos em produtos, a Vittia está ampliando equipes de vendas em campo e na área corporativa, segundo Frizzo. Ele afirma que o foco em serviço, para seguir “disseminando e educando” o setor sobre biológicos é um dos pilares.
Sobre a possibilidade de novas aquisições, Frizzo aponta que a empresa trabalha com duas estratégias, sendo uma delas a busca de tecnologias diferenciadas ou startups, algo que possa complementar o portfolio.
Nesta linha, está a aquisição feita este ano, por exemplo, da startup Agro21, de aplicação via drone, o que, segundo Frizzo, "se conecta com a área de macrobiológicos, que a Vittia está investindo e formatando".
Os chamados macrobiológicos são geralmente insetos, inimigos naturais que combatem pragas na agricultura, que são aplicados via drone.
A outra estratégia é o foco em possíveis aquisições de empresas de médio porte.
"Aí muito mais olhando a questão de acesso a mercado. Empresas que possam trazer maior capilaridade para as tecnologias da Vittia", explica o CFO.
Ele afirma que o relacionamento de confiança com o agricultor no Brasil não depende só de time, é algo que leva tempo, por isso adquirir uma empresa com este canal de acesso poderia ser interessante para acelerar a expansão da Vittia.
Perguntado se o alvo é uma empresa de biológico, ele responde que "apesar de ser este o foco, há oportunidades no segmento de fertilizantes especiais, olhando mais o canal em si do que o portfolio. Afinal, o portfolio de biológico a gente já tem, mas precisa daquele trabalho no campo, da disseminação para nossa tecnologia chegar ao produtor com qualidade". Portanto, “as conversas” podem envolver empresas que não necessariamente atuam em biológicos.
O executivo da Vittia vê oportunidades de crescimento não apenas para os defensivos biológicos baseados em micro e macro organismos vivos, mas também uma expansão no mercado de bioestimulantes, que ajudam no processo de defesa natural das plantas.