Pierre Santoul, CEO da Tereos no Brasil, não tem dúvida: entre açúcar e etanol, segue no time que está ganhando. Olhando para trás, com os resultados da última safra, e para a frente, com futuros investimentos, o adoçante é quem dita os rumos da gigante francesa no País.
Foi a produção recorde nas usinas da companhia em um ano de cotações e câmbio favoráveis, que, segundo ele, permitiu à Tereos comemorar o melhor resultado dos 24 anos da empresa no Brasil.
Receita líquida de R$ 6,7 bilhões (30% superior à safra 2022/2023), lucro operacional de R$ 1,3 bilhão (120% maior pelo critério EBIT, antes de juros e impostos) e lucro líquido de R$ 719 milhões fizeram do ciclo 2023/2024 um período histórico para a empresa.
Na apresentação do balanço aos jornalistas, ele ressaltou ainda como a geração de caixa impactou na alavancagem – uma redução expressiva do endividamento, que ficou em 1,1 vez o Ebitda – e permitiu a reserva de capitais para investimentos em áreas que vão dos tratos culturais e equipamentos (citou especificamente sistemas de irrigação centralizada) às linhas de produção.
E, então, não fez rodeios sobre qual o objetivo para a safra 2024/2025 e mesmo para as seguintes: produzir mais açúcar. “Vamos aumentar o mix açucareiro de 67% para 70%, atentos aos preços muito positivos do açúcar em relação ao etanol”, afirmou.
“É uma especificidade da Tereos ter esse índice bem acima da média do mercado, que está em 49%”.
No “radar estratégico” dos investimentos futuros da empresa, segundo Santoul, elevar a participação do açúcar na produção total de suas unidades é a meta prioritária, bem à frente de outras possibilidades que, assim como os concorrentes, são avaliadas, como aquisições, etanol de milho, ou SAF, por exemplo.
“Temos possibilidade de puxar o mix para cima de 75%”, afirmou. “Se considerarmos que os fundamentos do mercado de açúcar continuam do mesmo jeito, podemos fazer investimentos nesse sentido. São investimentos pesados, mas temos conhecimento e capacidade de executar bastante rapidamente”.
A Tereos vislumbra que há espaço, nos próximos anos, para uma demanda adicional de 8 milhões de toneladas de açúcar no mercado global. “Esse volume tem de vir de algum lugar”, disse.
Com a pouca disponibilidade para a abertura de mais áreas apropriadas ao plantio de cana no Brasil, não haveria, na visão da Tereos, espaço para a construção de novas plantas. Assim, as unidades atuais precisarão produzir mais para suprir essa demanda. “Tem mais espaço para mix”, afirmou;
Safra do El Niño
O desafio da Tereos, segundo Santoul, será manter o nível de moagem, que ficou em 21,1 milhões de toneladas de cana na safra encerrada.
Com perspectivas menos favoráveis de clima e ainda sofrendo efeitos do fenômeno El Niño, ele diz que o novo ciclo começou com déficit hídrico nas principais regiões produtoras. E mesmo assim, diz, acredita ser possível manter o mesmo volume sendo processado nas usinas.
“Houve algumas chuvas em março, que ajudaram a recuperar um pouco os canaviais, mas eles já estão bastante secos e há grande probabilidade de revisão das previsões de safra brasileira”, disse.
Na Tereos, porém, destacou que a cana vem mostrando bastante resistência, o que permite manter, por enquanto, a expectativa de repetir o resultado da safra anterior.
Além disso, diz, em 2023/2024 os canaviais da empresa produziram mais de 1,2 milhão de toneladas acima do que foi processado, o que oferece uma margem para, mesmo com menos cana sendo colhida, a área industrial continue com resultados significativos.
“Fizemos um esforço muito forte no lado agronômico para melhorar nossa capacidade de enfrentar a seca e isso nos faz acreditar que temos uma base sustentável para manter a moagem na casa dos 21 milhões de toneladas no médio prazo”, afirmou.
A dúvida é se, com o clima desfavorável, será possível obter a mesma qualidade da cana, que ofereceu 12,7 toneladas de açúcar por hectare na safra passada, “um dos melhores índices da companhia e do Brasil”, segundo Santoul.
Com essa produtividade, a Tereos produziu um total de 1,9 milhão de toneladas, posicionando-se como a segundo maior produtora de açúcar do País. Também nesse quesito, Santoul mantém o discurso otimista, com previsão de bater a casa de 2 milhões de toneladas de açúcar produzidas.
Para o mercado brasileiro como um todo, no entanto, Santoul tem visão diferente. Segundo ele, a Tereos já trabalha com uma perspectiva de safra abaixo de 500 milhões de toneladas de cana, resultando em um cenário com menos de 40 milhões de toneladas de açúcar produzidas, abaixo das atuais previsões que estão entre 41,5 milhões e 42,5 milhões de toneladas.
“Isso certamente terá impacto sobre os preços”, avaliou. “O único lugar onde pode acontecer algo positivo ou negativo para o mercado é no Brasil. Por isso que todo o foco do mercado é sobre a safra brasileira”.
De acordo com Santou, o cenário atual – em que as usinas têm acelerado a moagem e o ritmo dos embarques, justamente para fugir da degradação dos canaviais provocada pela estiagem – pode dar a falta impressão de que teremos outro ciclo forte.
Santoul acredita, no entanto, que nos próximos meses essa visão ficará mais clara. Então, as cotações internacionais do açúcar, que chegaram a cair diante do bom desempenho dos canaviais brasileiros na safra passada e já vinham em recuperação, devem ganhar novo impulso.
Incertezas no etanol
O que não deve mudar no curto prazo, segundo Santoul, é a visão da Tereos em torno do etanol. A produção de etanol da Tereos na safra 2023/2024 ficou em 570 milhões de litros, um volume pouco expressivo, nas palavras do próprio CEO da empresa no Brasil. E não deve crescer.
“Não estamos em condições de fazer qualquer anúncio de investimento nesse sentido. Tem muitas incertezas nesse mercado”, afirmou o executivo francês.
Enquanto seus principais concorrentes, como Raízen e BP Bunge, fazem apostas bilionárias e se posicionam para ocupar espaços no mercado de biocombustíveis avançados, com novas plantas e certificações para a produção de etanol de segunda geração (E2G) e combustível sustentável de aviação (SAF), ele descarta qualquer movimento da companhia nesse sentido no curto prazo.
As estratégias são claramente distintas. Raízen e BP olham para o mercado global com otimismo e já possuem parcelas relevantes de sua receita com etanol provenientes de exportação.
A Tereos entende, segundo Santoul, que o mercado do biocombustível é “bem complicado, local e influenciado por interesses políticos”. E com rentabilidade baixa, “segundo apontam inclusive os números de nossos competidores”.
“Toda a nossa estratégia foi realmente montada em torno do mix açucareiro e com um nível de exportação de 85% da nossa produção de açúcar, para dolarizar o nosso negócio”, disse.
Santoul afirmou que a Tereos vem observando sobretudo o mercado de SAF, que tem alto potencial em virtude dos objetivos de descarbonização do transporte aéreo, mas entende que há outros caminhos para o setor antes de recorrer ao etanol. Um deles seria a produção de SAF a partir de óleos usados.
“Hoje é muito difícil saber como a coisa vai evoluir”, analisou. “Nos Estados Unidos, por exemplo, houve alguns anúncios de investimentos, mas está tudo parado em função das eleições no fim do ano”.
De acordo com o executivo, a Tereos tem monitorado o mercado e, como uma companhia global, conversado com players importantes do setor em vários países.
“Não sou capaz de apostar que vai acontecer como muitas pessoas estão acreditando”, disse. “O SAF tem potencial, mas é muito cedo para se construir um modelo viável de negócio em torno dele”, disse.