No início deste ano, as companhias dinamarquesas Novozymes e Chr. Hansen anunciaram a conclusão de seu processo de fusão, dando origem a uma nova empresa, batizada de Novonesis, com faturamento total de quase 4 bilhões de euros ou cerca de R$ 22 bilhões.

Os negócios envolvem 30 segmentos diferentes e atuação em mais de 100 países. As maiores fatias do faturamento vêm de produtos usados na indústria de alimentos e bebidas e também dos insumos para grãos e agroindústrias, especialmente a fabricação de biocombustíveis.

Há também soluções para a agricultura como inoculantes e biocontrole, além de produtos na área de nutrição animal.

O AgFeed conversou com Fabrício Leal Rocha, líder de um dos negócios mais promissores da Novonesis no Brasil, a área de bioenergia, que produz enzimas e leveduras, principalmente para a fabricação de etanol de milho.

“O Brasil é líder mundial na produção de bioenergia, já produz etanol de cana há muito tempo, mas o etanol de milho tem tido um grande êxito nos últimos 7 anos”, lembrou o diretor do negócio de bioenergia da Novonesis.

A empresa, antes como Novozymes, está no Brasil há mais de 30 anos, já trabalhava com bioenergia desde o começo, de forma pontual, mas o “boom” do segmento ocorreu a partir de 2016, segundo o executivo, com o surgimento dos grandes projetos de usina de etanol de milho no Centro-Oeste do Brasil, com grupos como FS e Inpasa.

A América Latina responde por 12% do faturamento global da Novonesis, com peso maior para o Brasil. A nova empresa está atualmente dividida em dois pilares principais, um deles chamado “alimentos e nutrição” e outro de “soluções para o planeta saudável”, na tradução dos termos usados no inglês.

É neste segundo pilar que está a área de bioenergia. Dentro do segmento, segundo Rocha, o Brasil responderia por aproximadamente 20% da receita. Mas o que anima os dinamarqueses é o potencial brasileiro. Enquanto nos Estados Unidos já há mais de 200 usinas de etanol de milho em operação, por aqui são cerca de 25, de maior porte.

“Na safra 2016 se produzia 1 bilhão de litros de etanol de milho e chegamos, este ano, a 6 bilhões de litros, com previsão de alcançar 7,5 bilhões no ano que vem, quer dizer, o Brasil vem incorporando 1 bilhão de litros a mais a cada ano”, ressaltou Fabrício Rocha.

A expectativa agora é de que o crescimento desacelere um pouco. Ainda assim deve ficar entre 10 e 15% nos próximos anos, reforçando as previsões de que até 2030 poderá dobrar, com o etanol de milho passando a responder por 30% de toda a produção do biocombustível no Brasil – atualmente essa participação está em 20%, a maior parte ainda é produzida a partir da cana.

A produção da Novonesis acompanha exatamente este ritmo do mercado. As enzimas e leveduras fazem a conversão do amido ou do açúcar do milho em etanol.

A empresa até fornece insumos chamados “melhoradores” para as usinas de cana, mas é no milho que seu produto faz a diferença, sendo imprescindível na fabricação do biocombustível. “A sacarose, na cana, já está pronta para virar etanol”, explica Rocha.

A fusão da Novozymes com a Chr. Hansen não trouxe mudanças significativas para o setor de bioenergia, isso porque a segunda não atuava no segmento. Nas outras áreas, porém, a expectativa é de ampliação de portfólio, principalmente em grãos, biocontrole e na conversão em proteína animal, com probióticos e outros ingredientes. A Chr. Hansen é considerada, por exemplo, líder global em lácteos.

Empresa vai dobrar produção de leveduras

Os executivos da Novonesis revelaram ao AgFeed que o cenário promissor para o segmento encorajou o grupo dinamarquês a decidir investir mais no Brasil.

A fábrica de leveduras da Novonesis em Araucária, no Paraná, nem chegou a completar dois anos e já vai passar por novas obras para que a capacidade de produção seja duplicada.

“Aprovamos um investimento para mais que dobrar nossa capacidade local de produção de leveduras, um insumo chave para aumentar a produtividade das plantas”, anunciou, animado, o head de estratégia regional e desenvolvimento de negócios da Novonesis, Ivan Roccon.

A empresa não revela qual a capacidade atual e nem o valor do investimento que está sendo feito. Informou apenas que as obras serão iniciadas e que a capacidade máxima será atingida no início de 2025.

“Como o mercado vai dobrar nós já estamos prontos para esse futuro, que não está muito longe, queremos dizer para o setor que ele pode crescer, porque vamos investir antes”, reforçou o diretor de bioenergia, Fabrício Rocha.

A fábrica de Araucária é a única planta de enzimas e leveduras da empresa na América do Sul. A Novonesis conta também com escritórios e unidades de outros segmentos, em 8 localidades diferentes.

Perguntado sobre a possibilidade de investir na produção mais próxima ao Centro-Oeste, onde estão as maiores usinas de etanol de milho, Rocha disse que chegaram a avaliar, porém, as vantagens da fábrica do Paraná, com estrutura já montada, “ainda faz mais sentido”.

O executivo destacou que uma outra decisão estratégica foi apostar no desenvolvimento de novas leveduras específicas para o mercado brasileiro. Ele admite que parte dos insumos ainda é importada, mas o foco é expandir a “produção local”, o que seria um dos diferenciais em relação aos concorrentes, cada vez mais presentes.

De qualquer forma, segundo os executivos, de cada 10 litros de etanol de milho produzidos hoje no Brasil, 9 utilizaram soluções da Novonesis, que pretende seguir como líder absoluta no mercado.

A companhia também aponta como diferencial no segmento o fato de participar dos “startups” no etanol de milho, ou seja, as plantas que são construídas do zero e passam a produzir volumes significativos, um processo sempre mais desafiador no começo.

Nos últimos 18 meses, a Novonesis participou do início das operações de todas as seis novas usinas inauguradas no País. Até 2026, possivelmente atuará no “start” de mais seis, pelo menos. Duas delas da Inpasa – uma em Sidrolândia e outra no Maranhão, além dos projetos da Agrícola Alvorada (Mato Grosso), da Coamo (Paraná), da Be8 (Rio Grande do Sul) e da 3tentos (Mato Grosso),

A Novonesis também aguarda com expectativa os próximos passos da FS. Como mostrou o AgFeed, a empresa tem planos para construir mais três plantas de etanol, mas aguarda sinalizações do mercado internacional e um movimento de desalavancagem.

Fabrício Rocha explica que, ao contrário dos EUA, onde as usinas tem muito tempo de vida, no Brasil as novas unidades são o que se chama “state of the art”, unidades com que há de mais moderno no mundo para produzir etanol de milho. É mais um motivo para que a empresa invista em pesquisa e desenvolvimento de leveduras específicas para as características brasileiras.

Segundo ele, duas características fundamentais são buscadas nesse processo: a robustez, para que as leveduras fiquem mais resistentes a determinadas condições de stress, como o clima. E também o rendimento, para que garantir que se produza o máximo de etanol possível com a mesma matéria-prima. “Assim ajudamos a reduzir o retorno sobre o investimento, o payback desses novos projetos do Brasil, algo também muito diferente dos EUA”, explicou.

Receita cresce

O primeiro balanço trimestral divulgado pela Novonesis, após a fusão das duas empresas, mas ainda sem alguns trâmites necessários, indicou alta de 6% nas vendas, globalmente. Para o setor de bioenergia, o documento diz houve “crescimento de dois dígitos”, com bons resultados na América do Norte e na América Latina.

“Sabemos que o mercado (brasileiro) sofreu viés de baixa no fim do ano passado, em função do preço do etanol, mas nós não fomos afetados porque os investimentos já estavam contratados”, diz o diretor de bioenergia.

Ivan Roccon também lembrou que o cenário era de margens apertadas “poucos meses atrás”, mas que os projetos que estão pela frente mostram “a robustez do mercado”.

Ele diz que os insumos representam 4% dos custos variáveis de uma usina de etanol de cereais e que as empresas preferiram manter o padrão tecnológico, adquirindo os produtos da Novonesis, para o “o barato não acabar saindo caro”.

Neste cenário a previsão é manter o crescimento de dois dígitos no negócio em 2024, porém em níveis mais modestos, em função da base, que vai ficando maior. Enquanto até ano passado cresciam acima de 20%, desta vez o avanço pode ficar em no máximo 15%.

No modelo atual, após a fusão, a Novonesis não divulga o valor exato de faturamento somente da bioenergia. Mas no resultado da Novozymes, no ano passado, o segmento bioenergia respondeu por 25% da receita total da empresa, cerca de 600 milhões de euros. Se a fatia brasileira realmente ficou em cerca de 20%, o AgFeed estima que o segmento teria rendido cerca de R$ 690 milhões por aqui.

Alguns fatores serão determinantes nos próximos anos. Entre eles está a expectativa de exportações de etanol de milho para produzir o SAF – combustível avançado de aviação – e o uso de outros cereais de inverno para produzir o biocombustível.

Rocha garantiu que o uso do sorgo, por exemplo, que já está virando realidade em alguns projetos, como na Inpasa, também demanda as enzimas e leveduras da Novonesis, sem diferença de custo ou quantidade, “apenas com pequenos ajustes na produção”. No Rio Grande do Sul há projetos previstos para produzir etanol a partir do trigo e do triticale.

“Já estamos preparados para esse tipo de matéria prima, já temos experiencia com esses grãos em outros países, por isso estamos tranquilizando a indústria em relação a isso, teremos produção local para atender”, reforçou o diretor.