Brotas (SP) - Em sua já conhecida estratégia “anticílica”, a BrasilAgro, uma das poucas companhias do agro listadas na bolsa e especializada na comercialização de propriedades agrícolas, vendeu terras sem parar nos últimos anos, aproveitando a liquidez e o apetite do mercado.

Agora, a ideia é aproveitar a nova inflexão de mercado, com a queda dos preços das commodities, cenário macroeconõmico difícil e condições climáticas desfavoráveis. A empresa seguirá sendo uma vendedora de terras, mas pensa em comprar cada vez mais.

“A gente começa a ver uma série de oportunidades de estresse financeiro, que não se tinha há dois anos, quando trabalhávamos com uma soja a R$ 180. Todo mundo ganhou dinheiro, todo mundo achando que era maravilhoso. E isso inverteu”, disse André Giullamon, o CEO da BrasilAgro.

Nos últimos cinco anos, a BrasilAgro alcançou a marca de R$ 1,8 bilhão em vendas de propriedades, com uma média de R$ 369,1 milhões por ano. Esse volume tende a recuar à frente, segundo Giullamon.

“É de se esperar que, nos próximos 5 anos, (a BrasilAgro) não venda R$ 1,8 bilhão, venda R$ 500 (milhões), R$ 600 (milhões), venda menos fazendas”, afirmou. “A gente deve investir mais volume em compra de terra.”

A comercialização de propriedades (literalmente) salvou a lavoura da BrasilAgro neste ano, que fechou seus resultados de 2024 com um lucro líquido de R$ 226,9 milhões, carregado principalmente pelo segmento imobiliário.

Em março, a empresa anunciou a venda de 12.335 hectares da Fazenda Chaparral, na Bahia, comprada em 2007, numa transação de valor nominal de R$ 364,5 milhões.

Mais recentemente, no mês passado, a BrasilAgro também fechou, por R$ 36,4 milhões, a compra da Companhia Agrícola Novo Horizonte, próxima a Primavera do Leste (MT), que possui um contrato de arrendamento de uma área de 4.767 hectares, com aptidão para grãos e algodão.

“Parece que nós vamos ser uma companhia mais compradora do que vendedora”, acrescentou ele, em entrevista a jornalistas durante o BrasilAgro Day, evento anual da companhia para investidores e analistas do mercado financeiro.

A edição deste ano foi diferente. Se, no ano passado, o evento foi feito em um cinema, com direito a pipoca e poltrona reclinável, a companhia dessa vez recebeu seus convidados em uma fazenda no interior paulista, em Brotas, a 235 quilômetros de São Paulo.

“Isso não tem na Faria Lima”, repetiu Guillaumon por diversas vezes aos analistas presentes, acompanhados pela reportagem do AgFeed.

A propriedade de 7 mil hectares – sendo 4 mil hectares inicialmente operados pela companhia, número que deve ir crescendo paulatinamente até 2029 – foi arrendada em março pela BrasilAgro e marcou a entrada da empresa no mercado de cana para açúcar.

O investimento deve chegar a R$ 70 milhões quando toda a área estiver operando.

Nas demais unidades produtoras de cana da BrasilAgro, em propriedades no Maranhão e em Mato Grosso, o cultivo é destinado apenas para etanol. Ao todo, somando com a unidade de São Paulo, são 24.038 hectares de cana.

A chegada ao mercado paulista faz parte da estratégia de diversificação da companhia, que pretende se beneficiar do mix de preços de açúcar e etanol.

“Uma hora, o etanol está com preço melhor e eu estou garantindo uma rentabilidade. Em outra hora é o contrário, é o açúcar (com preço melhor). Eu consegui ter um equilibrio e melhorar a precificação da cana da companhia”, afirmou Luiz Otavio Longo, gerente de cana na BrasilAgro.

A primeira colheita da propriedade de Brotas está sendo feita neste momento. Até agora, já foram colhidas quase 300 mil toneladas de cana, segundo Guillaumon, e ainda restam 50 mil toneladas.

“Estamos contentes com a cana. Começamos com a operação em fevereiro, tem um monte de coisas operacionais que você vai calibrando. Eu até brinquei com a turma da Raízen que tem um gostinho de ‘quero mais’... Você traz prestador novo, compra máquina nova, tem toda uma adaptação”.

O bom desempenho da cana não deve, no entanto, levar a BrasilAgro a priorizar esse cultivo em particular na busca por novas áreas daqui para a frente.

Guillaumon disse que a empresa está interessada em duas propriedades do tipo greenfield, em que o projeto é feito do zero, mas atenta para as particularidades do setor canavieiro.

“A cana normalmente está em uma região consolidada. E em região consolidada, você só consegue comprar por estresse financeiro. A gente sempre vai ficar atento. Se tem estresse financeiro e o cara precisa vender fazenda - e a usina precisa vender parte da fazenda -, nós vamos comprar, nós somos compradores”, afirmou Guillaumon . “Mas. majoritariamente, não é o lugar que a gente vê que vai encontrar muita oportunidade.”

Dessa forma a BrasilAgro deve voltar seu foco para propriedades de grãos. “É o setor que está sofrendo mais”, dissse Guillaumon.

No passado, o CEO da companhia disse que a empresa adquiria ativos com necessidade de transformação de muitos hectares, o que tomava muito tempo.

Hoje, a intenção é buscar ativos menores e com capacidade mais rápida de mudança – afinal, o tempo é o inimigo de um negócio agro de capital aberto, com investidores exigindo retorno para já.

“Nós compramos fazenda que tínhamos (a necessidade de fazer) 27 mil hectares de transformação. Tinha uma fazenda que tinha 24.600 mil tocos de eucaliptos, caso da Fazenda Jatobá [localizada na Bahia]. Eram fazendas que demoraram praticamente seis, sete anos para a gente convertê-las inteiramente”, disse Guillaumon.

Não há uma receita pronta para a forma de adquirir novas propriedades, de acordo com o CFO da empresa, Gustavo Javier Lopez. Se antes as aquisições eram feitas apenas à vista, hoje existem outras possibilidades, segundo ele.

“Comprar uma fazenda com dívida era um pouco dificil de capitalizar rápido. Hoje se criou um mercado de capitais de dívida como CRA, Fiagro, que permite comprar parte com cash e parte com emissão de dívida de quatro, cinco anos, ou também com follow-on.”

O amargor da safra

Muito franco em seus comentários, o CEO da BrasilAgro não teve receio de dizer aos investidores que o lado operacional da companhia deixou um gosto “amargo” na boca.

Segundo ele, a BrasilAgro penou na safra 2023/2024, com os resultados afetados pela falta de chuvas no período inicial do ciclo, levando a replantios em suas propriedades na Bahia e no Mato Grosso.

Com isso, houve uma redução de 8% na área plantada em relação às estimativas iniciais, que projetavam plantio em 185.691 hectares. A produção de grãos e algodão ficou 33% abaixo do esperado no ciclo, totalizando 300.712 toneladas, ante previsão de 446.028 toneladas.

A companhia projeta um aumento de 4% na área plantada na safra que se inicia, passando a 178.909 hectares, com avanços de 10% em soja (70.613 para 77.545 hectares), de 14% em milho (13.018 hectares para 14.898 hectares), 61% em algodão (7.129 hectares para 11.469 hectares) e 6% em pasto (15.374 hectares para 16.307 hectares).

Guillaumon diz que é ainda “cedo” para trazer perspectivas mais concretas sobre o novo ciclo, mas projeta que o plantio da soja em Mato Grosso comece no início de outubro.

“No ano passado, a gente começou a plantar em Mato Grosso no 22 de setembro. Neste ano, o que está acontecendo? Está sob efeito de uma La Niña de fraca intensidade, que faz com que as chuvas atrasem um pouco o começo (do plantio).”

Num cenário menos provável de acontecer, na avaliação de Guillaumon, as faixas de terra afetadas por um atraso poderiam ser destinadas para o plantio de algodão.

O repórter viajou a convite da BrasilAgro.