Delair Bolis, presidente da MSD Saúde Animal para o Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia, voltou há poucas semanas de uma viagem ao Vale do Silício, na Califórnia. Ele liderou uma missão com 23 dos maiores pecuaristas do Brasil.

O tema principal do tour pela Califórnia, desta vez, não foram as inovações em biofarma da multinacional americana que fatura US$ 5,5 bilhões por ano no mundo e lidera o mercado de saúde animal no Brasil. A conversa e as apresentações estiveram focadas sobretudo em tecnologias digitais, novo vetor de crescimento da MSD no setor.

“Nos últimos anos investimos globalmente US$ 4 bilhões em aquisições de empresas de tecnologia”, afirma Bolis, em entrevista ao AgFeed. “Esse é o grande futuro e onde mais vamos investir nos próximos anos no Brasil”.

Foram pelo menos seis empresas compradas desde 2020. Bolis levou seus convidados até San Diego, na parte Sul da Califórnia, para conhecer a Vence, mais recente dessas aquisições, anunciada em dezembro passado.

A empresa desenvolveu um sistema de cercas virtuais que servem como base para a gestão de pastagens, eliminando a necessidade de uso de arame farpado e colocando o poder de mover o gado de um local para o outro apenas com a delimitação do perímetro desejado na tela do computador ou celular.

Os produtos de tecnologia representam hoje cerca de R$ 100 milhões em um total de quase R$ 2 bilhões de receita da MSD no Brasil. Mas Bolis vislumbra saltos rápidos, inclusive com a chegada, nos próximos anos, de um novo modelo de negócios que, por enquanto, a empresa oferece apenas nos Estados Unidos e em Israel: a venda de serviços por assinatura.

“Imagine algo como uma Netflix da gestão pecuária, em que, de acordo com o pacote de serviços desejado, o pecuarista paga um preço mensal”, explica. “Estamos nos preparando para isso, talvez ainda não para 2024, mas certamente até 2025”.

Preparar-se significa investir. Chamada internamente de “Motor 2” – o “Motor 1” da companhia é e continuará sendo a área de biofarma, que representa 95% das receitas --, á área de soluções e serviços estratégicos recebe hoje 20% dos aportes em pesquisa e desenvolvimento realizados.

No Brasil, assim como em outros países em que a MSD atua, isso significa 4% do faturamento – a política da empresa é investir anualmente 20% das vendas em P&D. Ou seja, algo em torno de R$ 80 milhões anuais, um uma estimativa feita a partir dos dados divulgados por Bolis.

Grande parte desses recursos têm sido canalizados para uma nova fábrica localizada em Joinville (SC). A unidade já recebeu mais de R$ 10 milhões para garantir o aumento da escala de produção de equipamentos de identificação visual e eletrônica e coleta de dados individualizada para os rebanhos bovinos.

As tecnologias de identificação são o carro-chefe da área tech no Brasil, representando cerca de 95% da receita desse segmento. “Acreditamos muito na importância da individualização do monitoramento, pois traz o dado ao produtor e auxilia a ter mais informações para a gestão da propriedade”, afirma.

A linha de identificadores traz a marca IdentiGEN, uma das empresas compradas recentemente. Ela dá condições, segundo Bolis, para que seja feita toda a rastreabilidade dos animais, do nascimento ao frigorífico. “Isso é um grande trunfo para atender às demandas na exportação de carne”, diz.

A solução IdentiGEN inclui também a rastreabilidade por DNA, feita a partir de material genético dos animais, colhido no momento da aplicação do identificador. Esse material é analisado e permite que seja traçado seu histórico “até um hamburguer”, como definie Bolis.

Os 5% restantes da receita com produtos de tecnologias vêm dos serviços de monitoramento de rebanhos, frutos de outra aquisição. Com a marca SenseHub, ela permite acompanhar em tempo real as condições de saúde e bem-estar animal nas propriedades, oferecendo ao produtor a possibilidade de agir imediatamente se algo estiver fora dos parâmetros desejados.

Bolis acredita que há grande potencial para o crescimento desses serviços no Brasil, com o aumento do interesse dos pecuaristas por tecnologia e pela constatação que podemos evoluir muito na eficiência dos rebanhos leiteiro e de corte.

“Hoje a relação entre a quantidade de animais e a de leite ou carne produzidos é desproporcional, porque não houve a democratização da tecnologia no campo”, diz. “Por exemplo, temos 16% das vacas do mundo, mas produzimos apenas 4% do leite”.

Com os novos serviços – e futuramente a ampliação da SenseHub como a “Netflix da pecuária” – Bolis acredita que é possível ampliar a participação dos negócios de tecnologia no mix de receitas da MSD. Toda a força de vendas da empresa, que envolve mais de 300, está voltada também para isso.

O mesmo raciocínio vale para as áreas de aves e suínos. Versões do SenseHub para as duas cadeias – que hoje representam cerca de 10% e 11%, respectivamente, nos negócios da empresa, enquanto ruminantes concentrar cerca de 55% e a aquicultura, 1% -- estão sendo lançadas.

No segmento Pets, para animais domésticos, a MSD também tem uma linha de sensores, que ajudam os donos a acompanhar o comportamento dos bichinhos. Atualmente, 23% das vendas da MSD estão nessa área.

Carro-chefe ligado

Enquanto acelera o “Motor 2”, Bolis diz que a MSD mantém o “Motor 1” ligado em alta rotação. “Sempre seremos empresa para controlar e prevenir doenças” diz. “Lideramos na produção de vacinas e somos referência em bem-estar animal, mas queremos ser pelo uso da tecnologia e inteligência de dados para saúde, longevidade e produtividade animal”.

De certa forma o movimento realizado na área de soluções digitais repete o esforço feito em busca da liderança na área de biofarma. Aquisições como a da Vallée, em 2017, por erca de R$ 1,2 bilhão, fizeram com que a empresa ganhasse musculatura – além de estrutura fabril e de desenvolvimento – para ir além do crescimento orgânico que vinha obtendo.

Nos quatro últimos anos, por exemplo, a média de incremento das receitas no Brasil ficou acima de 30%. “Dobramos de tamanho em quatro anos”, comemora Bolis. “Isso foi fruto de investimentos estratégicos com o objetivo de chegar à liderança de mercado, o que ocorreu em 2022”.

Apenas no Brasil, foram investidos mais de R$ 2 bilhões desde a aquisição da Vallée, sobretudo na ampliação das três fábricas e nas unidades de P&D – que continuam recebendo 80% dos aportes em inovação. Com isso, diz, a empresa tem condições hoje de manter um ritmo de lançamento de 10 a 12 produtos por ano.

Essa capacidade é o que garante, segundo o CEO, a manutenção de uma boa velocidade na ampliação de negócios. Em 2023, não será possível repetir os anos anteriores, mas Bolis acredita que será possível manter a casa dos dois dígitos na taxa de crescimento.

“De certa forma, voltamos à normalidade, depois de anos exponenciais”, afirma o CEO. Mesmo os impactos de um mercado desfavorável para o gado de corte, com cotações em baixa, não devem ser representativos, de acordo com Bolis.

“Fomos impactados no início, mas já começamos a ver o mercado em recuperação. Acreditamos em uma retomada no segundo semestre”, diz. As perspectivas para 2024, analisa, são positivas, dentro do ciclo natural da pecuária.

Segundo ele, os gastos com sanidade animal representam apenas entre 2% e 2,5% dos custos dos pecuaristas. Então, mesmo em momentos de redução de despesas, não compensaria cortar nessa área estratégica.

Na área de aves, a ameaça da gripe aviária também não trouxe modificação relevante nos negócios. Para Bolis, o fato de que a doença ainda não atingiu granjas comerciais “comprova que o Brasil tem um programa de biossegurança muito bem estabelecido, sólido”.

“Temos que aprender com isso e aumentar ainda mais a vantagem competitiva lá fora”, diz Bolis. “O Brasil vende qualidade, segurança alimentar e escala. É o que o mundo precisa”.