Quem compra a batata chips da marca Lay’s, produzida pela Pepsico, tem se deparado com a foto e o nome de agricultores na embalagem. A campanha “do campo ao pacote” foi lançada no final do ano passado e tem como objetivo reforçar a origem e qualidade do alimento, “humanizando” o produto, na relação entre consumidores e produtores, segundo a empresa.
Esta parceria com o produtor rural é algo que a PepsiCo mostra levar muito a sério, especialmente na diretoria de “agribusiness”, focada nas culturas da batata e do coco.
Foi em 1997, quando o engenheiro agrônomo, formado em Viçosa (MG), Ricardo Galvão ingressou na empresa que o modelo de parceria com o produtor passou por uma reformulação.
“Naquela época, havia muita dificuldade de negociar preço de batata com os agricultores e a batata semente representava 35% do custo. Eu mostrei que precisava gerenciar esta cadeia, para não correr o risco de não ter matéria-prima”, contou Galvão ao AgFeed.
Ele coordenou um projeto que começou com 50 hectares de batata, em áreas de pivô, com duas variedades da planta, a alemã Panda e a americana Atlantic.
A partir dali, a companhia percebeu que não valia a pena seguir comprando a batata de atravessadores e passou a estabelecer contratos diretamente com agricultores, em um modelo que desse mais segurança para ambas as partes.
Hoje 100% das 110 mil toneladas de batata que a Pepsico compra por ano são adquiridas via contrato, com 25 produtores rurais, que estão em seis estados brasileiros.
“O agricultor, assim como a Pepsico, quer ter uma segurança, então temos uma visão de médio e longo prazo. Tem produtor de batata do nosso programa que já está na terceira geração, mantendo essa relação com a empresa”, ressalta Galvão.
O diretor diz que o sistema é baseado no “custo mais margem”. Ou seja, antes mesmo de produzir a batata, são atualizados os custos de produção e é estabelecida uma margem de lucro que o agricultor vai ter, o que define, antecipadamente, o preço que será praticado.
Neste cenário, Galvão diz que os produtores e a empresa acabam sendo menos afetados por períodos de instabilidade, como ocorre atualmente em commodities como soja e milho.
“Levantamos o custo de produção para cada região e garantimos uma rentabilidade para o agricultor ganhar dinheiro, reinvestir e ir crescendo conosco. Tem que ser sustentável a relação comercial, com muita transparência”, afirmou.
Ele diz que “o negócio da PepsiCo não suporta batata a R$ 250 reais o saco de 50kg e que também não tem interesse de comprar a R$ 30 abaixo do custo de produção, porque o produtor vai quebrar”.
Por outro lado, se o preço explodir, o contrato já está assinado, nada muda na relação. O mesmo ocorre quando a cotação da batata cai. “Tem funcionado muito bem, apesar de ser um produto extremamente perecível, mas conseguimos organizar essa cadeia”.
Sobre as exigências cada vez maiores em termos de sustentabilidade, Galvão afirmou o que consumidor está mais exigente.
Segundo ele, a PepsiCo implantou o monitoramento dos campos de produção, por satélites e drone, para a rastreabilidade em 300 campos de produção, “e cada um está mapeado por satélite, com fica de campo online”.
Ele admite que o desafio agora é escalar e fazer chegar a outras culturas.
Perguntado se a companhia poderia ajudar o produtor rural financeiramente, neste sentido, ele respondeu que sim: “Recurso se consegue. É uma tendência e não tem volta, tem que ter essa rastreabilidade e o agricultor é sócio estratégico”.
Demanda estável
No Brasil a PepsiCo compra 450 mil toneladas de matérias-primas, como coco, milho, batata, aveia, entre outros. O maior volume é batata, para sua linha de salgadinhos, com cerca de 110 mil toneladas.
Galvão admite que desde 2022 a produção está praticamente estável e “cresce menos do que nós gostaríamos”. Para 2024, o volume projetado são as mesmas 110 mil toneladas.
O executivo garante, porém, que há uma expectativa de crescimento no médio e longo prazo. “Investimos R$ 1,2 bilhão em 2023 para melhorar capacidade produtiva e nos projetos de sustentabilidade”.
A PepsiCo global divulgou seu balanço na última sexta-feira, 9 de fevereiro. Enquanto mundialmente houve uma queda na receita de 0,5% no quarto trimestre de 2023, na América Latina o faturamento líquido aumentou 18% na comparação com o mesmo período de 2022.
Se considerado o resultado do ano inteiro, globalmente houve avanço de 5,9% e na América Latina o crescimento foi maior, chegando a 19%.
O relatório global de resultados da empresa não menciona dados específicos sobre o Brasil. A empresa justificou a boa performance na América Latina em função dos preços mais altos. Sobre a região, o relatório destaca que “o lucro operacional aumentou 38%, refletindo principalmente o preço líquido efetivo, ganhos de produtividade e um impacto da taxa de câmbio favorável.”
No Brasil a Pepsico também compra 22 mil toneladas de milho para fabricar o salgadinho Doritos e 25 mil toneladas de aveia, mas Galvão destaca que os segmentos não estão na diretoria de agronegócio, por isso não deu detalhes sobre como está o resultado neste setor.
Sobre a batata, diz que o segmento “chips” é pequeno dentro do mercado total de batatas (entre 85% e 90% da produção de batatas é destinada ao mercado de french fries e mesa) e que a PepsiCo responde por 35% do volume adquirido nesse mercado.
Perguntado sobre a possibilidade de entrar no mercado de batata pré-frita, que vem crescendo dois dígitos no Brasil nos últimos anos, o executivo diz que “é outra variedade, outro processo industrial, outra cadeia, muito diferente do mercado de chips”. Reforçou que a PespsiCo segue com foco em snacks, foods e bebidas.
Ele acredita que haverá um aumento na demanda pela batata chips, mas não pode revelar quais suas projeções. No balanço global, a PepsiCo projetou que a receita da empresa como um todo seja, em 2024, 4% inferior ao que foi registrado em 2023 e também inferior ao que esperavam os analistas.
Para agricultores interessados em passar a fornecer a PepsiCo, Galvão diz que é feito um cadastro para avaliar qual a infraestrutura disponível. De qualquer forma, pondera que “o custo de entrada para a batata é muito alto, assim como o custo de saída, mas se o volume vier a aumentar nos próximos anos, temos interesse em ampliar os fornecedores”.
Sobre a possibilidade de fazer parcerias em outros produtos agrícolas, Galvão admitiu que o negócio do amendoim está crescendo muito. “Vamos entender este mercado, ver se faz sentido”.
Enquanto isso, ele diz que o foco tem sido desenvolver novas regiões para a batata. Há anos não havia parceiros no Rio Grande do Sul e agora já contam com 20 mil toneladas vindas do estado gaúcho e de Santa Catarina.
Novas tecnologias e sustentabilidade
O executivo da Pepsico conta que a companhia sempre buscou trazer inovação para a cadeia produtiva.
“Fomos pioneiros em vários pontos. Um deles é o transporte a granel. Há alguns anos, eram sacos de 50kg, em caminhões de 15 toneladas. Hoje, são carretas de 30 toneladas, a granel”, lembra.
A prioridade no momento tem a ver com a busca das melhores práticas agrícolas, segundo ele. A Pepsico lançou, globalmente, diversas ações relacionadas à agricultura regenerativa e práticas ESG na produção de alimentos.
Em 2022, por exemplo, anunciou que investiria US$ 27 milhões, para práticas agrícolas regenerativas em 11 países, inclusive no Brasil, até 2026.
Um dos projetos é o PepsiCo Positive, uma agenda ESG da companhia. Na batata, uma das ações é o “Cover Crop”, com foco em cultivos para fazer cobertura de solo.
Trata-se de uma parceria da PepsiCo com a Syngenta, Instituto Federal Goiano e Embrapa, para testar várias coberturas de solo e ver como podem diminuir a Incidência de pragas e doenças nos próximos cultivos de batata.
“Os resultados preliminares são bem animadores. Algumas culturas têm resposta melhores que outras. Estamos trazendo o projeto para São Paulo, Minas Gerais e Paraná, para abranger mais agricultores. São 5 anos e estamos entre o segundo e o terceiro”, disse o diretor.
Outras iniciativas estão conectadas ao programa global como o Bee Pepsico, com o incentivo aos agricultores para que instalem um hotel de abelhas em área protegida. O objetivo é colaborar para reduzir o programa global de diminuição na população das abelhas, importantes polinizadores.
“Plantamos o pasto apícola, mix diferente de flores onde a abelha vai ter alimento para aumentar a população. Há duas dessas na nossa fazenda de Petrolina, tem parceria com universidades para entender que espécies tem em cada bioma”, diz Galvão.
A empresa conta com produção de batata em seis estados brasileiros, de forma que tenha abastecimento garantido o ano inteiro. Nos estados do sul o volume se concentra no primeiro semestre do ano. Já São Paulo, Minas Gerais e Goiás são fortes fornecedores no segundo semestre. As fábricas que processam batata estão em Curitiba (PR), Itu (SP) e Sete Lagoas (MG).
“Planta-se todo o dia, de 12 hectares a 15 hectares por dia. É sempre fresquinha e crocante porque produzimos no sistema just in time. Tem um volume em câmara fria para abastecer as fábricas”, explica.
Ele se empolga ao descrever o projeto: “A batata é colhida fresquinha e no máximo em 48h está sendo empacotada para ser vendida. É só batata, óleo e sal, natural, sem conservante.”
No caso da batata brasileira, Galvão diz que as chamadas “Demo Farms”, fazendas em que se demonstram as inovações para que sejam replicadas pelos agricultores, já testaram 25 novas tecnologias e que, destas, 15 já estão em escala comercial.
Entre as ações estão, por exemplo, o incentivo ao maior uso de insumos biológicos, a utilização de drones para mapear pragas e doenças, sensores de solo e manejo de irrigação.
Há também um programa de sementes, que foi introduzindo variedades de batata e fazendo a adaptação para o clima tropical.
“A batata é oriunda dos Andes e produzir no Brasil é um grande desafio. Com as variedades que se tinha no passado, vimos que não ia alavancar a produtividade. Nesse programa, introduzimos variedades dos EUA. Lá tem um centro de pesquisa. Trouxemos mais de 300 variedades para o campo, até ter hoje 5 variedades qualificadas e registradas no Ministério da Agricultura, o que é nossa vantagem competitiva”, revelou Galvão.
Atualmente, nas áreas que atendem a Pepsico, 80% são variedades proprietárias e 20% são públicas. O planejamento contempla também a batata semente.
O executivo da PepsiCo conta que desde 2019 a produção de batatas faz parte do “Sustainable Farms Program”, que inclui auditorias e 150 indicadores ligados aos pilares social, econômico e ambiental. Ele diz que 100% das batatas hoje já têm esta rastreabilidade.
“Já o coco está em 97%, porque tem o desafio de que a grande maioria são pequenos agricultores, mais pulverizados. Por isso criamos as Demo Farm, para que conheçam e procurem implementar as práticas necessárias”, explica.
Entre as práticas recomendadas estão a cobertura de solo, que evita erosão, e a rotação de culturas, para melhorar a vida no solo, reduzindo o uso de químicos e ampliando insumos biológicos.
“No aspecto social o objetivo é estar seguro de que empregados têm condição digna, que o produtor segue leis trabalhistas. São vários os requisitos”.
Galvão explica que a maior parte dos produtores de batata, atualmente, são empresários, capitalizados. “Muitos falam inglês, viajam para o exterior, diferente do perfil do produtor de coco, mais familiar”.
Um próximo passo no programa de sustentabilidade está relacionado ao uso mais racional da água na agricultura. “Criamos um programa agora que é o 2 pra 1. Ele é mais localizado na região Sul”, menciona.
Segundo ele, “a PepsiCo entra com uma parte e o produtor entra com duas outras partes”, porém o valor total investido não é revelado.
A empresa constatou que o uso do “canhão de irrigação” é pouco eficiente, joga a água de maneira desuniforme e decidiu incentivar os produtores a implantar equipamentos de microaspersão.
“É um sistema fixo onde você controla a quantidade de água, joga no momento certo e na dose certa, de acordo com o crescimento da cultura e utilizando sensores de solo”, diz o diretor.
A expectativa é de que o projeto se pague porque, de acordo com ele, está aumentando em torno de 10% a produtividade. “Com duas safras já paga todo o sistema, porque tem de 8 a 10 anos de vida útil”.
“Recurso a gente sempre consegue de algum lugar”, repete o executivo, dizendo que o financiamento vem tanto da PepsiCo global, quanto da região ou do próprio Brasil.
Outra aposta tecnológica é ampliar o uso de drones na cultura da batata. A PepsiCo fez uma parceria com uma empresa israelense para desenvolver um software específico para a cultura.
“Um drone detecta pragas e doenças, depois vem outro e só faz a pulverização pontual”, explicou Galvão.
Segundo ele, uma pessoa no campo em 20 min consegue atingir entre 150 e 200 plantas. “Esse mesmo drone, com a inteligência artificial, faz 5 mil plantas em 20 min de voo”.
Coco e cacau
Outro produto importante da área de agronegócio da PepsiCo tem sido a compra anual de 120 mil toneladas de coco verde – a empresa é proprietária da marca Kero Coco, que vende água de coco em embalagens longa vida.
O projeto inclui 80 pequenos agricultores que fornecem 70% da matéria-prima que a empresa precisa. O restante vem de fazendas próprias, na região de Petrolina, Pernambuco, e também na Bahia.
Das 4 “Demo Farms” que a PepsiCo possui, 3 são de batata e 1 é de coco. E o passo mais recente é o consórcio do coco com a produção de cacau, que foi iniciado em 2022.
“Plantamos 30 hectares de cacau debaixo do coqueiro. O cacau é oriundo da Amazônia e precisa de sombra pra se desenvolver”, explicou Galvão.
Ele diz que já existem variedades mais adaptadas ao sol, mas que não produzem tanto como cacau sombreado.
“Fizemos esse teste, com 4 configurações para não atrapalhar cultivo do coco e está indo super bem. É muito conectado com o PepsiCo Positive, porque ele gera mais empregos, principalmente para a agricultura familiar”, destacou.
Há também vantagens agronômicas, já que o cacau produz muita folha, que cai no chão e cria uma matéria orgânica adicional, melhorando o solo.
No aspecto financeiro, a empresa diz que o produtor “pode ter de 60% a 70% mais renda colocando cacau junto com o coco”, algo já demonstrado na fazenda modelo.
Outro ganho é que a companhia utiliza o cacau é matéria-prima indireta na produção do achocolatado Toddy, que também é da PepsiCo.
“Já existe uma demanda, queremos organizar essa cadeia. Estamos em parceria com uma das empresas que fornece chocolate para o nosso negócio e eles têm interesse de alavancar isso e levar para outras regiões”, revela Galvão.
Ainda é desafio no projeto do coco a falta de mão de obra para determinadas atividades.
“Fomos pioneiros na mecanização da cultura da batata e agora estamos testando um protótipo, em acordo com uma empresa espanhola, para testar uma máquina que cata o coco do chão. É o serviço mais pesado. Ela vai tirar, colocar no big bag e transportar para a fábrica. Aí você usa essa mão de obra para fazer outras coisas, o que traz mais eficiência”, afirma o agrônomo.
No dia 21 de março haverá mais um evento demonstrativo na fazenda de Petrolina para apresentar o uso de tecnologias.
“Estamos testando drone também para o coco. O alvo não é muito fácil de ser atingido, mas testamos 20 hectares e comparamos com a pulverização pulverizada, está indo bem”.