Durante muito tempo o setor de máquinas agrícolas contou - e muito - com as linhas subsidiadas de crédito rural voltadas para investimentos, principalmente o conhecido Moderfrota, que já tem mais de 20 anos.

O programa operado pelo BNDES existe até hoje e segue importante para o agronegócio. Mas segundo as empresas do setor, assim que os recursos são anunciados no Plano Safra, em menos de três meses, já estão praticamente esgotados. Afinal, enquanto a produção agrícola cresce, a capacidade do governo de liberar recursos para equalizar taxas de juros vem ficando cada vez mais apertada.

Para a família Merola, proprietária de um grande grupo concessionárias John Deere, a Maqnelson Agrícola, que atua principalmente em Goiás e Minas Gerais, o que seria um problema virou uma motivação para buscar uma alternativa.

“Há muito tempo já financiamos e parcelamos para os clientes, com recursos nossos, afinal 90% do que vendemos hoje depende de uma solução de crédito. Mas entendemos que era necessário ter uma linha mais abrangente, e entre as opções que estudamos achamos interessante a ferramenta do FIDC”, explicou Bruno Merola, presidente da Maqnelson, em entrevista ao AgFeed.

O empresário se refere ao Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), coordenado pelo Itaú BBA, que levantou R$ 100 milhões para o financiamento dos clientes da concessionária.

Para o diretor de agronegócios do Itaú BBA, Pedro Fernandes, além de ser o primeiro de FIDC de máquinas agrícolas do Brasil, ele promete “transformar a forma como o produtor rural financia máquinas, serviços e peças”.

Merola, da Maqnelson, concorda que o principal diferencial é o fato de atender também o pós-venda, ou seja, garante financiamento para todas as demandas “ao longo de todo o ciclo de vida da máquina”.

Ele explica que as linhas do governo se limitam a compra da máquina e depois o cliente precisa “se virar sozinho” com os gastos de manutenção e compra de peças, por exemplo. Nos bancos privados, até pode encontrar formas de financiamento para isso, mas a tendência é de que seja com juro elevado e com mais burocracia.

Criada em 1958, a Maqnelson atingiu um faturamento próximo de R$ 2 bilhões no ano passado, segundo Bruno Merola. São pelo menos 12 revendas John Deere espalhadas pelo Triângulo Mineiro e Sul de Goiás.

Os negócios do grupo incluem não apenas a venda de máquinas novas, mas também locação dos equipamentos, mercado de usados, irrigação, drones e corretora de seguros. Nestes três últimos segmentos a atuação vem avançando para outros estados, já que não há limitação.

“Esse foi primeiro fundo do Brasil que é hibrido, ele permite financiar maquinas, peças e até drones. Ele foi modelado de forma que atendesse todas estas linhas, por isso ficou diferente, também fomos pioneiros na própria rede John Deere”, reforçou Luciano Aguiar, gerente financeiro do grupo Maqnelson.

Usados em alta

Os primeiros resultados já estão sendo colhidos. Enquanto o mercado de máquinas agrícolas novas da região em que atua a Maqnelson estaria caindo pelo menos 20%, neste início de ano em relação a 2023, inclusive na própria empresa, os outros negócios estão ajudando a compensar estas perdas.

O FIDC também está sendo usado para financiar a venda de máquinas agrícolas usadas. No primeiro trimestre deste ano, segundo Merola, o faturamento com este tipo de produto aumentou 48% em relação ao mesmo período de 2023.

“A aceitação do nosso FIDC no mercado de máquinas usadas está muito grande. Até tem financiamento no mercado, mas com operação muito complexa, o nosso oferece muito mais flexibilidade e celeridade”, conta o executivo.

Na conversa com o AgFeed, o diretor de agronegócios do Itaú também destacou o momento diferente relacionado à criação dessa modalidade.

“Nos bons anos de preço da soja, especialmente, todo mundo renovou muito a sua frota de maquinas, mas agora, dois ou três anos depois dessa renovação, é hora de refazer o motor , fazer uma revisão completa, isso numa plantadeira grande, incluindo serviços, pode chegar a R$ 200 mil por ano, por máquina”.

Para Bruno Merola, no entanto, não é só a crise dos grãos que pode influenciar o cliente a optar pela máquina usada. Segundo ele, há cada vez mais confiabilidade de que os produtos passam por uma avaliação rigorosa de qualidade quando são adquiridos para depois ser revendidos pela empresa.

Pedro Fernandes, do Itaú BBA, disse que a preocupação foi “resolver essa dor”, a falta de financiamento mais facilitado para serviços, peças e implementos, por exemplo.

Sobre o motivo do banco ter optado pelo FIDC, ele diz que o instrumento é muito eficiente em termos de custo “quando se tem uma grande pulverização de devedores”, além de permitir uma taxa de financiamento mais atrativa.

Segundo a Maqnelson, os clientes que estão tomando recursos atualmente pelo FIDC pagam cerca de 14% ao ano na taxa de juros, acima dos 12,5% do Moderfrota, quando ele estava disponível em meados do ano passado.

“Quando compara taxa de juro, o cliente até pode achar algo parecido, mas no banco, além da burocracia, muitas vezes ele é convidado a fazer seguro, consórcio, ter as chamadas reciprocidades, e no nosso está livre disso”, disse Merola.

Fundo pode crescer

A Maqnelson diz que, com mais opções de financiamento, está conseguindo também ampliar o perfil de clientes atendidos.
O plano é, por exemplo, aumentar o market share em tratores de menor potência, já que na região em que atuam há grande número de médias e pequenas propriedades. “Mas até o produtor grande, dependendo da atividade, também usa trator menor”, ressaltou Merola.

A empresa informou que o fundo foi criado em agosto de 2023, mas por questões regulatórias, só está sendo divulgado agora. O gerente financeiro da Maqnelson calcula que no mínimo R$ 80 milhões do total de R$ 100 milhões já foram contratados.

Mas o total de operações já é realizadas é até maior, segundo os executivos, porque a medida que as parcelas vão sendo pagas o saldo do FIDC vai girando.

Com a demanda em alta, eles não descartam em, futuramente, ampliar o valor para até R$ 300 milhões, algo que ainda está sendo estudado.

A expectativa de crescimento também tem a ver com as movimentações da Maqnelson “além da John Deere”. Bruno Merola contou ao AgFeed que, recentemente, o grupo incorporou três revendas de equipamentos de irrigação da marca Valley, um setor que, na opinião dele, tem grande potencial de crescimento.

“Menos de 10% da área no Brasil é irrigada e os produtores estão buscando este investimento para ter mais segurança, valor agregado e diversificação”, afirmou.

Sobre o movimento de consolidação de concessionárias de máquinas, ele diz que é algo já ocorre há muitos anos, mas afirmou que, para a Maqnelson, não há planos neste sentido.

Em relação ao desempenho do grupo em 2024, disse estar otimista porém “sempre preparado para o pior”, já que uma mudança de cenário depende de uma maior oferta de crédito e, principalmente, de uma melhora nos preços das commodities.

Para Luciano Aguiar, a expectativa é que, eventos como a Agrishow, ajudem a alavancar a carteira de clientes.