Ainda este ano a John Deere, maior fabricante mundial de máquinas agrícolas, começará a oferecer a seus clientes, no Brasil e nos Estados Unidos, um novo serviço para conectar seus equipamentos em áreas remotas e sem serviço de internet.
O serviço faz parte de um acordo com a Starlink, companhia de telecomunicações do bilionário Ellon Musk, anunciado nesta segunda-feira pela montadora.
Quando a parceria sair do papel, produtores rurais poderão instalar em suas máquinas John Deere kits portáteis com antenas ligadas às constelações de satélites da Starlink, que viabilizarão a transmissão de dados colhidos nas operações de campo em tempo real.
A assinatura do acordo conclui um esforço de cerca de um ano e meio da fabricante para identificar um parceiro que permitisse ajudá-la a levar conexão a grandes áreas rurais desatendidas por esse tipo de serviço.
O processo de deleção foi iniciado em setembro de 2022, quando a empresa reuniu, em um evento na fazenda de testes em Des Moines, no estado americano de Iowa, cerca de 60 potenciais fornecedores de soluções de conexão, incluindo gigantes como OneWeb, Hughes Network Systems, Intelsat e Lockheed Martin, além da própria Starlink. Na ocasião, executivos da companhia explicitaram os requerimentos técnicos que pesariam nessa escolha.
Ao longo dos meses seguintes, a Deere recebeu e avaliou propostas. No final daquele ano, restringiu o grupo a um número não especificado de finalistas, que passaram por uma reavaliação mais rigorosa durante o ano passado.
As soluções utilizando conexão via satélite dominaram o processo de escolha. Durante oito meses elas foram testadas pela empresa, até que houve a definição em torno da Starlink.
Na reta final, a empresa teria superado a operadora de satélites Intelsat, segundo revelou o The Wall Street Journal. A concorrente havia vencido, pouco antes, uma corrida para fornecer internet via satélite para centenas de jatos regionais da American Airlines.
Os principais diferenciais da Starlink, segundo disse Jahmy Hindman, diretor de tecnologia da Deere, foram a velocidade com que seus satélites de baixa órbita transmitem sinais e a capacidade da SpaceX, dona da empressa, de construir satélites e lançá-los com seus próprios foguetes.
Isso dá à companhia de Musk mais capacidade de escalar sua oferta em velocidade que nenhuma concorrente consegue atualmente. "Essa é uma distinção única na indústria de satélites", disse Hindman ao WSJ.
Com o acordo, a John Deere espera dar um novo impulso aos seus negócios de agricultura digital. Na semana passada, a empresa reforçou, durante a CES 2024 – maior feira de eletrônicos do mundo, realizada em Las Vegas (EUA) – sua estratégia de ampliar a oferta de serviços de software as a servisse (SAAS).
A meta da montadora é obter, até o fim da década, pelo menos 10% de suas receitas anuais a partir da cobrança pela utilização de serviços de softwares instalados em suas máquinas. No seu ano fiscal mais recente, a empresa acumulou US$ 55,6 bilhões em vendas de equipamentos.
Nos últimos anos, a empresa tem feito investimentos maciços no desenvolvimento de soluções digitais e na aquisição de empresas com produtos de agricultura de precisão. A companhia segue um modelo de inovação proprietário, semelhante ao da Apple, que busca oferecer em suas máquinas apenas suas próprias aplicações, sem permitir interação com sistemas concorrentes.
Hoje, a empresa oferece serviços que permitem aos agricultores amplo monitoramento remoto dos equipamentos, assistência técnica à distância e sensores que enviam, em tempo real, dados sobre solo, plantio, fertilização, colheita e outras operações em campo.
Suas estimativas são de que o uso de ferramentas baseadas em inteligência artificial, machine learning e autonomia de máquinas podem destravar um mercado endereçável de US$ 150 bilhões.
O grande gargalo do modelo é que, para que funcione de forma ideal, as máquinas precisam operar em ambientes com alguma cobertura de internet sem fio para que possam se conectar ao serviço de nuvem da companhia, de onde os clientes podem extrair informações a respeito de suas lavouras.
Entretanto, cerca de 30% da área cultivada nos EUA e quase dois terços no Brasil, os dois maiores mercados da empresa, não têm serviço Wi-Fi suficiente, de acordo com a Deere.
]Com um serviço como o da Starlink, capaz de cobrir a integridade de territórios de 70 países – entre eles Brasil e EUA –, a empresa acredita poder superar essa limitação.
"Isso nos leva a um passo mais perto da conectividade onipresente em qualquer lugar do mundo", afirmou Hindman. "A maior oportunidade para nós é expor as tecnologias existentes a mais clientes."
A empresa tem a expectativa de chegar a 1 milhão de máquinas conectadas a seu centro de operações na nuvem até 2026. Dessas, a Deere espera que cerca de 100 mil o façam via satélite.
Segundo a John Deere, as antenas fabricadas pela SpaceX, que os revendedores instalarão em cima das cabines dos veículos, serão adaptadas para condições de uso em lavouras, onde os terrenos são irregulares e há muita poeira em suspensão.
A empresa ainda não definiu os valores a serem cobrados dos produtores que desejarem instalar os equipamentos e assinar o serviço da John Deere.
A Starlink foi econômica ao tratar do acordo. Publicou apenas uma postagem na rede social X afirmando que seu serviço é “ideal para a agricultura”, prontamente compartilhado pelo dono da empresa. Elon Musk tem mais de 150 milhões de seguidores na rede.
Sua empresa, por sua vez, é dona da maior frota de satélites do mundo, com cerca de 5.300 equipamentos em órbita. Também ela deve ser beneficiada pela parceria, aproveitando a grande capilaridade das revendas John Deere em ambos os países para expandir sua base de clientes.
No Brasil, onde a empresa desembarcou em 2022, a busca por parceiros no agro para vender seus serviços foi revelada pelo gerente sênior da companhia no País, Vicente Barsted, durante evento com produtores em novembro, na cidade de Campinas.
Na ocasião, Barsted disse que a empresa já contava com cerca de 100 mil clientes no Brasil. Além disso, seus serviços devem começar a ser comercializados pela operadora Vivo, como parte de um acordo global com a espanhola Telefonica.
Em relatório recente, a Starlink afirmou ter, globalmente, mais de 2,3 milhões de clientes, que geraram uma receita anual de US$ 1,4 bilhão em 2022 – um salto de quase sete vezes ante os US$ 222 milhões no ano anterior.