A Atvos é uma empresa relativamente jovem, ainda mais considerando sua posição como uma das protagonistas no mercado de açúcar e álcool no Brasil. Fundada em 2007, a companhia já deixou para trás a marca de 20 milhões de toneladas em moagem de cana de açúcar. E já viveu também as dores de um endividamento gigantesco, que culminou com um pedido recuperação judicial.
Foi em meio a esse processo que Bruno Serapião assumiu em maio o cargo de CEO da companhia, encontrando uma dívida de R$ 12 bilhões. Segundo ele mesmo classifica, “não cabe uma empresa como a Atvos ter uma dívida desse tamanho”.
Quatro meses depois, Serapião começa a enxergar um novo horizonte. Na semana que começou com o anúncio do fim da recuperação judicial, ele sentiu-se à vontade para falar ao AgFeed sobre novos projetos, olhando para o futuro.
E a mensagem é que a Atvos deve ampliar suas áreas de atuação. Nesse sentido, três frentes devem ser exploradas, segundo o executivo. “Vamos trabalhar na produção de biometano, de etanol de milho e no combustível para aviação”, afirma Serapião.
Isso sem deixar de lado as metas de crescimento em etanol e açúcar. “Nós fechamos a safra passada com 22 milhões de toneladas em moagem de cana. Devemos chegar nesta safra a algo entre 26 milhões e 27 milhões de toneladas. E a meta para os próximos anos é atingir 32 milhões de toneladas”, diz o executivo.
Juntamente com esta meta de moagem, vem o objetivo de produzir 700 mil toneladas de açúcar, e 2,5 milhões de metros cúbicos de etanol.
Um aporte de R$ 500 milhões do Mubadala, fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos, foi fundamental para a conclusão da recuperação judicial, de acordo com Serapião.
“Se pensar somente no valor, não é tão grande para uma empresa que fatura R$ 8 bilhões em um ano. Mas eles tiveram um papel importante na negociação com os credores e trouxeram, inclusive, tranquilidade para os colaboradores”, diz.
Anunciada em janeiro, a injeção veio com a entrada do Mubadala no quadro societário da empresa, assumindo 31,5% do capital.
Serapião afirma que as dívidas com fornecedores não-financeiros estão resolvidas. Em junho, a empresa anunciou a transferência de R$ 6,4 bilhões em dívidas para a Soneva Energias Renováveis, do fundo FIP Agroenergia, controlador da Atvos Bioenergia.
Assim, a companhia conseguiu equacionar 50% da sua dívida bruta, alongando vencimentos para 2043, com taxas de juros reduzidas e carência de três anos para início dos pagamentos.
Novos caminhos se abrindo
A partir da resolução das dívidas, a Atvos começa a dar os primeiros passos para entrar em novas frentes no segmento de bioenergia.
Uma delas é o biometano. Serapião conta que atualmente, a vinhaça – subproduto da moagem de cana – é utilizada somente para fertirrigação. “Não conseguimos direcionar toda a vinhaça para este fim, então, vamos começar a produzir biometano. Metade para abastecer a nossa frota de transporte, metade para uso nas cidades próximas às usinas”, conta o executivo.
A Atvos tem oito usinas localizadas nos estados de São Paulo, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A ideia é usar a estrutura das próprias usinas para a produção de biometano.
Segundo Serapião, a produção começa a ser testada em duas unidades, na safra 2024/25. “Por isso, ainda não temos ideia do volume de investimentos”, diz o executivo.
Em outra frente, a Atvos planeja começar a produzir etanol também a partir do milho. “Você não consegue fazer etanol de cana sem ter canaviais. No caso do milho, não é necessário ter produção própria, podemos comprar”, explica Serapião.
Questionado sobre essa aposta no aumento da produção de etanol, mesmo em um momento de baixa dos preços, o CEO da Atvos afirma que esta é uma aposta de longo prazo.
“Muitos países em desenvolvimento terão que aumentar drasticamente a produção de energia de matrizes limpas. Então, a demanda por etanol vai aumentar muito”.
Ele aponta o exemplo da Índia, que proibiu a exportação de açúcar, algo que provocou forte alta nos preços internacionais do produto, porque vai precisar elevar a produção de etanol.
“A Índia tem 80% de sua energia gerada por carvão. Eles vão precisar utilizar mais etanol, que será o grande combustível da descarbonização para os países”, diz Serapião.
O CEO da Atvos aponta o etanol como fonte mais limpa inclusive que a energia elétrica, quando se fala em automóveis. “Do nascimento até a morte, o carro a etanol emite muito menos carbono que um elétrico”.
Serapião acredita que o milho, como matéria-prima, está à frente dos subprodutos da cana usados na produção de etanol de segunda geração, chamado de E2G, grande aposta da Raízen, do grupo Cosan, por exemplo.
“O Brasil tem que liderar essas conversas sobre etanol. Nós temos o menor custo de produção, tanto no milho quanto na cana. E temos o RenovaBio, um programa que realmente incentiva a produção de biocombustíveis”.
Outro ramo em que a Atvos quer começar a entrar e ser protagonista é no combustível sustentável de aviação, ou SAF. “Ainda é um mercado que está começando, tem muita coisa para desenvolver. Mas queremos estar presentes e ter posição de liderança”, afirma Serapião.
Ele faz um paralelo com o Proálcool, programa lançado pelo governo brasileiro na década de 1970 de incentivo à produção e ao uso do etanol como combustível.
“Na época, poucos empresários tiveram a visão do que se tornaria o mercado de etanol nas próximas décadas. Acredito que o Brasil tem lugar na mesa para direcionar o mercado global de combustíveis, e essa é mais uma oportunidade”, afirma Serapião.
Ele explica que, tecnicamente, o etanol é a única solução viável para substituir o querosene de aviação. “Mas o desafio ainda é muito grande. Temos muito a desenvolver, inclusive em tecnologia para converter o etanol em combustível para aviões”, explica.
Nessa corrida, tem gente grande já na frente - a própria Shell, sócia da Raízen, é uma delas. Mas a Atvos tem agora o apoio do Mubadala, que já sinalizou ter na empresa a sua plataforma para transformar petrodólares em biocombustíveis.