Era para ser por alguns meses. “Não sei se serão quatro meses, seis meses, oito meses...”, disse Welles Pascoal ao AgFeed em julho passado, pouco mais de um mês depois de reassumir o posto de CEO do grupo AgroGalaxy, dono de uma das maiores redes de distribuidores de insumos agrícolas do País.
Ele retomava a cadeira com a missão de “arrumar a casa”, em meio a uma crise que afetou todo o setor, pego com estoques historicamente altos em um momento em que preços dos insumos e commodities derretiam, afetando diretamente o caixa das empresas.
Naqueles dias, Pascoal dizia, literalmente, que “não estava com vontade de voltar ao dia a dia da empresa”. Retirado do mundo corporativo, ele se dedicava ao projeto de produzir vinhos em sua fazenda no município de Senador José Bento, no Sul de Minas.
Desde então, o sonho andou mais devagar. A comercialização das primeiras garrafas de seu rótulo inicial, que estava prevista para acontecer ainda no segundo semestre de 2023, ficou para o início de 2024.
E a permanência na AgroGalaxy vai se estender por mais tempo, pelo menos mais um semestre. “Vou ficar”, disse Pascoal ao AgFeed na semana passada. “Meu acordo com os sócios é ficar até o fim do processo de reorganização e de identificação de um possível sucessor”.
O executivo não trata esse novo período como um fardo. Ele admite ter gostado de voltar a sentir o sabor da “adrenalina” do mundo dos negócios. “Entre a adrenalina e os vinhos, fico com os dois”, afirmou.
Welles Pascoal demonstra ter entusiasmo e energia para a dupla jornada. Ele transformou a fazenda da família, onde em breve passará a receber visitantes na Vinícola Alma Mineira, em um posto avançado da AgroGalaxy.
Em parceria com uma grande operadora de telecomunicações, ele investiu para puxar até lá uma rede de fibra óptica, que lhe garante conexão perfeita para fazer a gestão da companhia.
Os últimos 4 quilômetros de fibra ficaram por sua conta, em um acordo em que o cliente antecipava o custo da infraestrutura, depois ressarcido em serviços.
Assim, a adrenalina chega lá em tempo real – em média ele passa dois dias da semana em São Paulo, onde fica a sede da AgroGalaxy. E, nos momentos vagos, pôde acompanhar as obras das instalações da vinícola e, nos últimos meses, a finalização dos processos comerciais que vão permitir que, já em janeiro, ele comece a vender a primeira safra do Felício, vinho produzido com uvas Syrah e que leva o nome de seu pai.
Outros três rótulos devem estar disponíveis em breve, com cortes de diferentes variedades cultivadas em 5 hectares da propriedade.
Pascoal acredita que terá um pouco mais de tempo para os vinhos em 2024. “Será um ano de mais estabilidade para o setor”, previu. “Vai voltar a haver uma normalidade muito boa, inclusive para o produtor”.
Normalidade, nesse caso, significa algo diferente da euforia vivida entre os anos 2019 e 2022, quando uma confluência de fatores positivos permitiu aos agricultores produzirem bem e venderem suas colheitas por preços excepcionalmente altos.
A mudança repentina de preços e humores, na entrada de 2023, fez a onda boa virar um maremoto, expondo dificuldades em todos os elos das cadeias do agro. Produtores receosos, empresas excessivamente alavancadas e com inventários gigantescos geraram uma nuvem de apreensão que demora em se dissipar.
A AgroGalaxy foi uma das primeiras marcas a ser exposta na vitrine das dificuldades. Foi também a primeira a falar abertamente sobre o assunto e a agir para reorganizar os negócios.
Após a volta de Welles, mudanças importantes se sucederam em várias frentes da companhia. O “de novo” CEO mudou peças chaves no alto escalão, trazendo o antigo companheiro de Dow Agrosciences Axel Jorge Labourt como diretor de operações (COO) e substituindo o então CFO, Maurício Puliti, por Eron Martins.
A partir daí, medidas duras foram tomadas para reduzir despesas, incluindo cortes de pessoas e benefícios, em cerca de R$ 50 milhões. As negociações com os fornecedores foram intensificadas, usando como principal argumento a capacidade da AgroGalaxy de gerar demanda.
Experientes executivos com passagens pela indústria de insumos, Pascoal e seu time sabem que, para os fornecedores, é melhor um bom acordo que preserve os canais de distribuição do que fechar a porteira com empresas como a AgroGalaxy.
Segundo o CEO, com o ritmo de novos lançamentos, as fabricantes de agroquímicos têm cada vez menos tempo para recuperar o valor investido em seus produtos. “Não existe mais blockbuster”, afirmou Pascoal. “As grandes empresas do setor têm portfólios muito parecidos e a cada dois anos tem uma nova molécula competindo”.
Esse discurso, argumentou, ofereceu vantagens à empresa na mesa de negociações visando a redução de estoques, que hoje, disse, estão em níveis saudáveis, em torno de 15% -- chegaram a bater em 30%. “Esse foi um dos grandes aprendizados desse ano”, disse.
O foco das equipes comerciais foi fechado em aumentar o desempenho em linhas de maior margem. “A gestão de portfólio tem sido e continuará sendo uma das principais preocupações”, disse Pascoal.
Nesse quesito, Axel Labourt completou, elas passaram a ser orientadas em se empenhar mais em convencer os clientes a adotarem recomendações dos centros de tecnologias agronômicas da empresa, que avaliam o desempenho de diferentes combinações de produtos e sugerem diferentes opções aos produtores, embaladas em pacotes.
Somente neste ano, segundo Labourt, foram testados mais de 200 protocolos, mas ainda são poucos clientes que seguem essas recomendações. A empresa afirma que esses pacotes podem trazer resultados melhores aos agricultores. De outro lado, garantiriam um ticket maior e margens mais elevadas à AgroGalaxy.
“Queremos criar uma dependência, no bom sentido da palavra, do agricultor, fazer com que ele veja que a nossa recomendação é a melhor pra ele produzir, tanto em custo-benefício quanto em produtividade. E entregar a ponta da tecnologia a custo compatível”, afirmou Pascoal.
Todos os protocolos possuem pelo menos um insumo biológico em sua composição. Além de ser a linha que mais cresce em vendas, são produtos com margens de duas a três vezes superiores às dos químicos.
A crença no modelo é tamanha, que o diretor de operações contou ter analisado até mesmo a possibilidade de oferecer uma espécie de “garantia de produtividade ao produtor que seguir à risca o que estamos recomendando no protocolo”.
O cliente mudou, é preciso se adaptar
A ideia é agregar cada vez maior valor à relação das revendas com os produtores, que Welles Pascoal considera como um valioso ativo do setor. Ele entende que qualquer empresa de qualquer segmento que queira acessar as propriedades rurais para oferecer produtos ou serviços, pode ter seu caminho encurtado se usar a rede de distribuição já existente como veículo.
Isso vale para empresas de tecnologia, de serviços como de conectividade ou mesmo para a oferta de crédito. A equipe que hoje comanda a AgroGalaxy enxerga sua posição como estratégica nessa área, por conhecer os históricos e a realidade dos produtores, além dos números.
“É diferente quando você tem um cara na região, que toma cerveja no bar local e ouve as histórias de quem está lá”, disse Pascoal.
Compreender o humor do cliente e se adaptar a ele é algo especialmente importante em um momento em que, segundo o próprio Pascoal, há uma transformação na forma como o produtor tem se comportado.
“Nunca vi o produtor com o pé tão fundo no freio como este ano na hora das compras”, afirmou. “Ele está mais cauteloso, prefere esperar para ter cenários de preço e de clima mais claros antes de tomar as decisões”.
Essa espera impacta no fluxo de comercialização do varejo de insumos e também na originação de grãos, outra frente importante dos negócios do setor.
O que se viu em 2023, com ritmos de vendas de insumos mais lentos e de plantios mais tardios, provocados também pelo clima, pode indicar uma tendência que veio para ficar.
“Há um amadurecimento do produtor na gestão”, afirmou Pascoal. “Isso vai criar novos hábitos, ele vai sentir a força que tem”.
A estratégia da AgroGalaxy para os próximos anos, assim, é reforçar seu papel como veículo de negócios. “Temos uma jornada a percorrer para depois entrar mais fundo nos serviços”, afirmou Eron Martins, o CFO da empresa.
A distribuidora se enxerga no futuro em um modelo mais próximo das revendas americanas, que, mais que produtos, vendem soluções completas aos produtores, inclusive com serviços como irrigação ou aplicação dos defensivos.
No Brasil, o modelo do setor está muito mais associado ao financiamento da operação do cliente. “Nosso negócio é dar crédito para o produtor e se financiar com os fornecedores”, resumiu Martins. “Quem faz esse balanço bem feito, tem sucesso”.
Em 2024, com taxas de juros começando a ceder, Martins vê um espaço maior para uma oferta maior de crédito por parte de agentes do mercado financeiro. E entende que devem se intensificar modelos alternativos de financiamento do setor, sem passar pelos bancos tradicionais.
“As fintechs é quem vão bancar o crescimento do crédito agrícola”, afirmou. Para ele, as revendas estarão próximas, oferecendo capilaridade e o conhecimento do mercado. “As
plataformas consolidadoras podem ser veículo muito atrativo para elas. Passando esse momento de equalização do setor, com a Selic caindo, vai dando mais apetite para dar crédito”.
Consolidação segue firme, mas em marcha mais lenta
As doses de adrenalina serão mais moderadas para Welles Pascoal também no campo das aquisições. Com o DNA do fundo Aqua Capital, seu controlador, a AgroGalaxy tem sido uma das principais consolidadoras do setor, ao lado de nomes como Lavoro (do Patria Investimentos), Agro Amazônia (do grupo japonês Sumitomo) e Syngenta.
O executivo disse acreditar que, depois do maremoto de 2023, é preciso esperar que as águas baixem para avaliar as reais condições de ativos para possíveis compras. E, para 2025, sim, a consolidação voltaria com tudo.
“Vai dar uma diminuída agora, por tudo que a gente tem visto no mercado. Mas tenho visto muita empresa sondando para comprar. Eles querem ver o melhor momento, esperar baixar essa poeira toda que tá aí. E vai voltar com força, Tem muita gente ainda nesse mercado no Brasil”, avaliou.
De acordo com Pascoal, são mais de 4 mil pontos de venda de insumos no País, entre cooperativas e distribuidores. “Os, consolidadores são um número pequeno, se comparado com os outros”, disse.
Do total do mercado de insumos agrícolas no País atualmente, segundo a AgroGalaxy, as vendas diretas da indústria para grandes produtores representam uma fatia entre 26% e 30%. Os grandes grupos de revendas, como a AgroGalaxy, somam de 15% a 20%, variando conforme a safra.
Pascoal acredita, porém, que esse número vai saltar para 60% em um prazo de no máximo uma década. “É um caminho sem volta, não vai ficar essa quantidade de gente que está aí”, disse.
Ele imagina essa consolidação resultando em cerca de 10 a 15 grupos controlando a distribuição de insumos, inclusive com a chegada de novos players ao mercado, entre fundos e investidores asiáticos e americanos.
Pascoal citou nomes como o da japonesa Marubeni, que tem feito investimentos em HF “e tem apetite para grãos”, e as americanas CHS e Helena Chemicals, como potenciais competidores no mercado brasileiro.
Da mesma forma, tem gente que está atualmente no negócio atenta aos movimentos. “Há empresas boas se preparando para serem adquiridas”, afirmou Pascoal. “Isso leva tempo, de dois a três anos até que tenha sistema de governança, de gestão... Vem uma onda boa depois”.
“No início de 2024 vamos ter conhecimento mais preciso do nível de dificuldades das revendas. Para quem tem atuação mais concentrada no Cerrado e no Norte, onde vai ter desafio climático grande, vai ser muito complicado. Isso pode ser um facilitador para compras”, completou.
Welles Pascoal parece pronto para entrar na disputa por esses ativos, ao mesmo tempo em que trata da escolha de um sucessor para ser indicado ao conselho do AgroGalaxy e ao Aqua Capital. Sem pressa, no entanto. Com a casa arrumada, ele terá tempo para combinar o blend certo de adrenalina e vinhos.