Nos tempos de faculdade de Agronomia, cursada na tradicionalíssima Esalq, de Piracicaba, José Roberto Assy teve uma conversa dura com um diretor da instituição. Diante de suas ideias pouco convencionais, o mestre disparou: “Você é um desequilibrado”.
O aluno primeiro tomou como ofensa. “Fiquei chateado, triste, por uns três dias”. Depois de refletir, diz, tomou aquilo como um elogio. “Me recuso a ser apenas um medíocre”, conta Assy.
A cena tem pouco menos de 40 anos. E Assy continua o mesmo. Ideias convencionais não atraem o empresário que construiu uma carreira no mínimo improvável.
A empresa que fundou e dirige até hoje, a fabricante de equipamentos para plantio J.Assy, é uma multinacional com prêmios por inovação, subsidiárias na Argentina e nos Estados Unidos e com planos já devidamente traçados para chegar ao Canadá e a Europa em 2024.
Filho de engenheiro, amante de música, Assy chegou a largar temporariamente a Esalq para cursar regência na Unicamp, em Campinas, por quase dois anos. Até que um colega foi claro com ele: “Como músico, você é um excelente agrônomo”, disse o amigo, segundo relato do protagonista dessa história.
E, como agrônomo, Assy é um empreendedor inquieto. Formado no final dos anos 1980, iniciou a carreira mudando-se para Caldas Novas (GO) em 1987, a convite do Nomura Securities, grupo japonês interessado em acompanhar o desenvolvimento, então ainda incipiente, da agricultura no Centro-Oeste brasileiro.
Foi um período de aprendizado, conta Assy, acompanhando testes com plantio direto e plantio de milho com espaçamento reduzido, que depois se tornariam práticas comuns. Ele assimilou e entendeu que queria mais.
Após quatro anos, a inquietude o pegou. Tinha 28 e as regras da empresa em que trabalhavam era de que uma promoção só seria possível aos 30 anos. Pediu para sair e abriu uma empresa para oferecer assistência técnica a produtores da região.
O embrião da J.Assy estava lançado, mas demorou a crescer. Nesse mesmo momento recebeu um convite da empresa de sementes Pioneer – hoje pertencente à Corteva – para ser representante comercial. Era um trabalho que envolvia vendas, mas também tinha um lado técnico, o que agradava ao jovem agrônomo.
Abriu uma empresa de assistência técnica, mas a Pioneer chamou para ser representante comercial. Fazia teste de híbridos que estavam começando. Consegui colocar tecnologia, era muito técnico, e vender, ganhar dinheiro e crescer.
Em 1996, já casado e com dois filhos, ele conta ter vivido o episódio que definiu seu destino. Na Pioneer, um problema com a secagem exigiu a troca de um lote de sementes de milho em cima da hora do plantio.
“Durante quinze dias, trabalhamos 24 por 7 para encontrar soluções junto aos clientes”, recorda. Um deles, no momento decisivo, optou por um disco errado na plantadeira. E 110 hectares foram plantados com falhas.
Assy ficou consternado. “Ia na caminhonete com uma grande dor no peito”, diz. Até que decidiu pensar em soluções para evitar que o problema se repetisse. “Soube usar a dor como alavanca e pensei: ‘aceito essa dor, mas vou sair disso no lucro’”.
Levou para casa um modelo do dosador de sementes, abriu um visor no equipamento para acompanhar seu funcionamento e chamou a esposa para ajudar, girando uma manivela.
Foram 45 dias de estudo e reflexão. Durante um mês, diariamente, ele saía de casa cedo, ia para o campo e subia em uma plantadeira. “Minha mulher me perguntava o que eu ia fazer lá e eu dizia: não sei!”, conta.
Ao final desse processo, Assy desenhou um novo conceito de disco dosador para plantadeiras, primeiro produto da J.Assy. Batizado de Titanium, é hoje um sucesso mundial, com mais de 1 milhão de unidades vendidas em dezenas de países em 2022.
Mais do que isso, desenvolveu uma filosofia para inovação, que chama de “Antropologia Criativa”.
Ele explica: “É uma maneira de desenvolver produtos, muito refletiva. Vou para o campo um mês, todo dia, sem pensar em nada a não ser refletir”. O que vai fazer? “Não sei!”
O sucesso não foi imediato. Durante pelo menos mais dez anos ele viveu dupla jornada entre a Pioneer e sua própria empresa. “Era um período de muito aprendizado sobre coisas como fluxo de caixa, propriedade intelectual, gestão, industrialização”.
Somente em 2008 é que, nas palavras dele, “a empresa saiu do lugar”, com o início de uma fase de tração na produção e o lançamento de novos produtos. E com uma missão clara: criar uma empresa focada em plantio, com liderança global e presença em nove pontos do mundo – Brasil, Argentina, Estados Unidos, Canadá, dois na Europa, África do Sul, Austrália e Ásia.
Nesses 15 anos, uma parte da missão foi realizada. A J.Assy já é uma multinacional com duas subsidiárias ativas, na Argentina e nos Estados Unidos. Alguns de seus produtos são reconhecidos e disputam liderança de mercado nesses países.
Além da linha de dosadores Titanium, desenvolveu os dosadores pneumáticos Selenium e uma linha de sensores para monitoramento de adubos, a Vision, entre outras inovações. Uma nova versão do Vision, a RF, capaz de medir o fluxo relativo de sementes e adubos, está em fase de lançamento.
“Acabei de chegar de duas feiras nos Estados Unidos e nosso sensor estava em todas as máquinas de plantio no sistema strip till, que eles usam lá para plantar depois do inverno. Somos os únicos nesse mercado de monitoramento de dosagem de adubo nessa modalidade”, diz.
“Isso é uma prova de que tecnologia desenvolvida aqui pode chegar lá”, ufana-se. “Do Interior de Goiás para a liderança nos Estados Unidos”.
Lições de gestão com Madre Teresa
Não há uma linha reta entre esses dois pontos na trajetória da J.Assy. Ele costuma evitar os caminhos mais óbvios e apostar em suas intuições.
Ao criar o primeiro de seus centros de pesquisa e desenvolvimento, por exemplo, desprezou recomendações de que o fizesse junto à fábrica, em Caldas Novas, e montou a instalação em São Paulo. “É lá que está o conhecimento, a tecnologia”, diz.
Hoje, são 110 pessoas, a maioria engenheiros, trabalhando no local. Outro centro de pesquisa foi aberto em Curitiba (PR), no ano passado, com mais 22 engenheiros.
A Antropologia Criativa é regra em ambos. De Curitiba, por exemplo, não há expectativa que saia nenhum produto comercial em até quatro anos.
“Aprendi com a Madre Teresa de Calcutá que é preciso ter inteligência de mercado”
A orientação de Assy é para que dali saia o futuro da empresa, com equipamentos projetados para permitir aos clientes – como as principais montadoras de máquinas para plantio do mundo – avancem na produção de equipamentos autônomos.
“Vai explicar para as pessoas que estou investindo em um centro para ficar quatro anos sem gerar receita, para só depois lançar produto, que tenho três engenheiros fazendo nada em uma fazenda. “O investidor nem sempre entende”.
As equipes fazem viagens constantes a outros países, observam o trabalho nas fazendas, conversam com clientes e fazem “nada” sob orientação do chefe, apenas para “se inspirar” e, no futuro, criar produtos adaptados à realidade local de cada mercado.
Ele mesmo vai aos EUA mensalmente. “Aprendi com a Madre Teresa de Calcutá que é preciso ter inteligência de mercado”, diz Assy, em mais uma tirada “fora da caixa”. “Ela mandava duas irmãs de cada vez para ver onde estavam os pobres que queria ajudar e entender a realidade deles antes de agir. Assim, quando chegava lá para ajudá-los, não era expulsa”.
R$ 2 por segundo
Assy, que não abre números de faturamento, tem prazer em contar o investimento feito em desenvolvimento. “Este ano, são dois reais por segundo, faça as contas”, brinca. E já responde com o resultado. “Até agora foram R$ 63 milhões”.
“Nada evolui se você não investir, até relacionamento pessoal, com filhos, vizinhos”, diz. Nos próximos cinco anos, serão R$ 500 milhões (que ele diz em dólar, US$ 100 milhões) investidos, 80% para P&D. Capital próprio, faz questão de ressaltar.
“Começamos do zero e sempre com recurso próprio. Fazemos caixa, temos margens altas”, explica.
O empresário entra então em um dos pontos mais sensíveis da cultura da J.Assy. Para ele, o sucesso da empresa está diretamente relacionado à sua independência. Por isso, prefere não buscar financiamentos externos e tem repelido propostas de aquisição ou mesmo de aportes de investidores.
Nesse capítulo, o discurso de Assy traz mais uma coletânea de frases pouco convencionais.
“O dinheiro faz diferença para uma expansão rápida, mas sei que é pura ferramenta. Não podemos arranhar nossa cultura, que é vitoriosa nessa área de P&D”.
“Investimento externo custa caro. A gente foi muito assediado até o ano passado, o que é natural. Tentei explicar, e acho que fui bem entendido, que a gente quer que as coisas funcionem. E só funcionam se formos independentes”.
“A J.Assy independente pode ajudar muito mais. Nada impede de ter aproximações maiores com um ou outro. Mas não aquisição. Não estamos abertos a isso”.
“Quem põe recursos próprios não dá satisfação para ninguém, vai rápido. Se precisar, muda. Ou então, vai ter de ficar explicando isso pra investidor, governo...”
“Tenho muito medo do capital. Eles são muito cegos, não enxergam o que vemos"
“Tenho muito medo do capital. Eles são muito cegos, não enxergam o que vemos. Não é crítica, mas provocação. Muitas empresas inovadoras querem dinheiro e os caras do dinheiro acham que vão resolver. Quero ver um fundo aportar por quatro anos em um negócio que não lança um produto”.
“A Faria Lima é muito materialista. O futuro está na espiritualidade, na intuição”.
“Posso fazer IPO? Muito difícil. Se a gente pegar um financiamento, passo um álcool gel, por que o que vem de coisa com isso aí...”
Pés no chão
A liberdade de tomar decisões sem ser cobrado por eventuais sócios tem feito Assy manter 100% do controle da J.Assy. Ele afirma que é conservador em termos de caixa e cultura da empresa, mas que as estratégias podem ser mudadas ao sabor do momento.
A expansão para o Canadá e a Europa, por exemplo, era um projeto para 2023. “Está atrasado”, diz, mas não em tom de cobrança. “Todo mês a gente revê e não temos data fixada”.
Ele também não se preocupa com os resultados financeiros de 2023, que devem recuar pela primeira vez na história da empresa, em função da retração dos mercados agrícolas globais. Desde 2008, a média de crescimento é de 35% ao ano.
“Estou muito feliz com a empresa, porque continuamos avançando”, diz. Segundo ele, há pequenos ajustes a serem feitos e a expansão internacional deve ser feita, literalmente, com os pés no chão.
Os lançamentos continuam sendo feitos, afirma, e, como as vendas têm sido muito boas, não haveria como suprir demandas em novas frentes.
“Posso fazer IPO? Muito difícil. Se a gente pegar um financiamento, passo um álcool gel, por que o que vem de coisa com isso aí...”
O desembarque em uma nova subsidiária vai além de uma simples presença comercial. “Nosso estilo é boots on the ground”, diz. Ou seja, pisando firme no terreno, com times de marketing de produto, de relacionamento com redes de revendedores e de montadoras locais.
“Temos de ter uma visão bem agressiva para competir com os gigantes internacionais”.
A produção, porém, continua toda no Brasil, na fábrica em Caldas Novas, que tem, segundo Assy, atendido aos padrões de exigência de mercados importantes como o americano.
“O Brasil não está em condições de criar tecnologias de fronteira da ciência, mas tecnologias inovadoras que reúnam tecnologias existentes, sim”, afirma. “Podemos ser muito competitivos”.
A J.Assy possui, na contabilidade atual, 132 patentes registradas. Mas, segundo o empresário, elas são apenas 25% dos seus segredos. “Tem muita coisa de cultura, de forma de produzir, de processos, que não está escrita. Por isso, não é fácil nos copiar”, afirma.
José Roberto Assy se orgulha sobretudo da primeira delas, a do disco dosador Titanium, que chegou a ser exposto em um museu de arte durante uma mostra de design. Em 2013, ela lhe rendeu também um prêmio nacional de inovação pela contribuição ao desenvolvimento.
Na justificativa pelo prêmio, a Finep indicou que, por conta da sua invenção foi possível aumentar em 3 milhões de toneladas a produção agrícola, o que alimentaria 10 a 12 milhões de pessoas.