Diante das dimensões da pecuária nacional, a venda de 61 touros pode parecer um fato insignificante – esse é o tamanho do plantel comercializado no leilão que o grupo paulista VPJ realizou no sábado, 26 de outubro, em Jaguariúna, no interior de São Paulo.

Essas poucas dezenas de animais representam, no entanto, apenas o ápice de um processo que se repete há três décadas e que envolve um dos cases mais emblemáticos da pecuária de corte no Brasil.

As três letras da marca são as iniciais de Valdomiro Poliselli Junior, empresário que, ao longo desse período, ganhou notoriedade por comandar uma das poucas operações que, literalmente, começam no pasto e terminam no prato do consumidor.

Quando pouco se falava em um mercado premium de carnes no País, ele investiu na construção de um negócio que partia da seleção e melhoramento genético da raça Aberdeen Angus, de origem americana, passava pela cria, recria, engorda e abate de um rebanho de alta qualidade e desembocava em produtos nobres, embalados com a sua marca e vendidos, inclusive, em lojas próprias.

O grupo VPJ faturou cerca de R$ 450 milhões em 2023 com diferentes negócios – além da pecuária, que inclui bovinos, ovinos e suínos, atua com imóveis e eventos. E Poliselli se mantém entusiasmado como um principiante cada vez que um leilão se aproxima.

Anima-se, da mesma forma, com as oportunidades que se abrem para os próximos anos. Até junho de 2025, ele deve inaugurar uma expansão de cerca de R$ 100 milhões para quintuplicar a capacidade do frigorífico próprio, de onde saem as carnes que levam sua marca.

E elas devem ir longe. A unidade de abate e processamento da VPJ acaba de receber habilitação para exportar seus produtos para países das Américas Central e do Sul e mercados do mundo árabe.

Atualmente, cerca de 35 mil animais passam pela planta do grupo em Pirassununga (SP). Mas, segundo Poliselli, o espaço ficou pequeno para os seus planos.

“A gente vem se dedicando há 30 anos a esse projeto de melhoramento genético, sem fugir da regra, sem sair da rodovia”, afirma em conversa ao AgFeed.

“Muita coisa aconteceu e a gente continua focado nisso, acreditando nesse sangue Angus como sendo um grande divisor de águas na pecuária nacional”.

A VPJ tem sido, ao longo de sua existência, uma das principais portas de entrada da genética da raça americana, conhecida pela qualidade da carne, no Brasil.

No leilão do sábado, por exemplo, ele colocou à venda três touros que são descendentes diretos dos animais mais valiosos do mercado americano: o Poss Deadewood, que foi vendodo nos EUA por mais de R$ 5 milhões, o Var Power Play, negociado a R$ 4,1 milhões, e o Gar Hometown, avaliado em R$ 2,7 milhões.

Para ter acesso a essa genética, a VPJ mantém uma fazenda própria no estado americano do Texas, um dos principais centros de criação de Angus. Ali, segundo Poliselli, estão os animais com mais rusticidade do rebanho americano – que seriam, por isso, mais adaptáveis às condições climáticas encontradas na pecuária brasileira.

“Estamos buscando essa genética americana do Texas por ser uma região mais árida, mais difícil, muito quente e de pastagens escassas. Então, é um gado que tem se adaptado muito bem aqui”, diz Poliselli.

Na propriedade do Texas, a VPJ mantém um grupo de 15 vacas de altíssima performance para qualidade da carne, que, inseminadas com o sêmen de touros campeões, atuam como doadoras de embriões que são depois trazidos para o Brasil.

“A ideia é ter um rebanho como se fosse um satélite, mandando genética para cá”, explica. “A gente vai medindo o que é bom, o que é ruim, o que dá certo. A vantagem é que lá você tem um universo muito maior de opções genéticas de qualidade de carne, coisa que você não tem em nenhum outro lugar do mundo”.

Com isso, a VPJ tem conseguido também fazer com que os seus touros “brasileiros” tenham uma espécie de dupla nacionalidade, já que são também registrados no programa de avaliação genômica americano.

Esse “pedigree” garante maior valor de mercado tanto para os animais quanto para o seu sêmen, comercializado através de centrais genéticas.

“Então, logo nós vamos ter essa genética sendo trabalhada no campo, produzindo bezerros de qualidade”, diz Poliselli, referindo-se aos novos touros levados ao leilão.

O mercado de Angus puro é limitado no Brasil, mas o olhar da VPJ e de outros criadores vai muito além. A raça foi uma das que obteve melhor resultado no cruzamento industrial com o Nelore, gado predominante no Brasil, dando origem a animais com qualidade de carne premium e manejo mais rústico, como as condições brasileiras exigem.

Segundo Poliselli, o mercado para a genética Angus é “muito promissor” não apenas pelo fato de haver uma demanda maior pela carne certificada da raça, que tem crescido com a sofisticação do consumidor, mas também pelo número maior de criadores buscando trabalhar com Brangus e Ultrablack, raças desenvolvidas a partir do cruzamento entre Angus e Nelore.

No Brangus, a proporção genética é de 60% e no Ultrablack, 80% de sangue Angus.

“Temos aí uma cesta de oportunidades para atender a demanda do Sul, Centro-Oeste, Norte e Nordeste, aumentando ou diminuindo o grau de sangue Angus”, diz Poliselli.

“É uma equação que está se dando muito bem,com a possibilidade de um pecuarista lá no Nnordeste poder usar um Brangus, um touro que aguenta o calor, que sabe que tem a habilidade, tem qualidades de pelagem, de adaptação para tolerar uma região mais quente”.

Além do modelo de venda de material genético pelas centrais, a VPJ mantém um rebanho específico para comercialização de touros para cobertura. Eles são negociados em leilões à parte. Para este ano, foram separados 300 animais. Para 2025, segundo Poliselli, serão 500.

Os clientes desse mercado podem ser, na outra ponta, os fornecedores de bezerras para a recria ou dos animais que o frigorífico VPJ abate.

Por atuar na comercialização da genética, a empresa conhece de perto o trabalho dos criadores e, assim, sabe exatamente onde encontrar os animais de melhor qualidade.

“A gente tenta sempre fazer essa ponte com o produtor do bezerro, com o confinador, para que a gente tenha garantia de entrega do animal terminado”, diz.

Ciclo fechado

No programa de recompra de gado gordo da VPJ, a genética fornecida pela empresa no começo do ciclo é valorizada. A empresa paga um prêmio de 1% pelo animal que tiver, comprovadamente, sangue de seus touros na origem.

Atualmente, segundo Piliselli, 15% dos animais abatidos pela marca são oriundos da sua genética. “Nossa intenção é aumentar essa proporção”, diz.

“Aqui eu fecho o ciclo, porque jogo a genética no mercado e depois recompro e transformo em carne. Nós estamos bem dentro do mercado, entendendo a demanda, o que o mercado busca”.

Poliselli enxerga hoje novas oportunidades também na ponta final da cadeia. Segundo ele, a frente industrial do seu negócio “chegou no limite”. E, por isso, o momento é de investimento no frigorífico.

Com a ampliação da planta, a ideia é aumentar a capacidade de processamento de mil toneladas de carne para 6 mil toneladas mensais.

De acordo com o empresário, a demanda para produtos premium no mercado consumidor está em alta, tanto no Brasil como no exterior.

O mercado externo é um dos principais focos da VPJ para 2025. Poliselli criou recentemente um departamento de exporação dentro do grupo, que tem como objetivo abrir mercados para seus produtos sobretudos em países do continente e no mercado árabe.

“Queremos fazer um trabalho igual a gente faz no Brasil, fazendo a exportação de produto final, não de commodities. Queremos fazer uma exportação para restaurante, de produtos embalados”, diz, informando que já há negociações iniciadas.

O aumento da demanda interna, por sua vez, mantém de pé um projeto de varejo iniciado há mais de uma década pelo empresário. Com a marca Steak Store, ele voltou a investir com mais vigor, nos últimos anos, na ampliação desse modelo.

Atualmente, são 12 lojas com sua grife – a mais recente foi inaugurada na cidade de Americana, no interior de São Paulo. Brasília e Rio de Janeiro devem ser as próximas cidades a contar com uma operação.

“Essa operação de varejo é mais complexa, depende de fatores como mão de obra”, afirma Poliselli. “E eu não sou muito de arriscar aonde eu não tenho controle, por isso estamos indo de forma mais cautelosa”.

Segundo ele, o projeto prevê a abertura de duas a três lojas por ano, sobretudo em cidades que estão na rota da logística do negócio frigorífico.

Ele exemplifica com o caso da capital federal. “Estamos agora com uma ação forte de atacado em Brasília”, diz. “Então, surgiu a ideia de ter também um varejo em Brasília. No Rio de Janeiro é a mesma coisa”.

“O projeto de varejo ele é para ser um complemento, para justificar a rota, baratear o custo. Não é para ser algo muito grande, porque é nicho. Nosso produto é um produto de valor muito agregado”.

Outras carnes no caminho

O modelo que tem dado certo para as carnes bovinas, com o Angus, tem sido replicado em outras frentes, como a de suínos e ovinos. Também nelas a VPJ aposta sempre na elite da qualidade da carne, investindo em genética para formar um rebanho de alto valor agregado.

O grupo mantém hoje uma operação de abate de ovinos em Jundiaí (SP), onde processa 100% dos cordeiros produzidos pela empresa e os transforma em produto de exportação.

A operação ainda é pequena, com apenas 5 toneladas mensais sendo exportadas para países vizinhos com fluxo crescente de turistas, como a Guiana Francesa.

A VPJ começou a fazer seleção genética da raça Dorper há cerca de 20 anos, também voltada para a produção de reprodutores. E depois investiu no cruzamento com a Santa Inês, para chegar a um produto com carne de qualidade superior e boa adaptação às condições brasileiroas.

“Esse meio sangue Dorper com Santa Inês é um cordeiro que não tem em nenhum lugar do mundo”, afirma. “Fazemos um produto de duas raças deslanadas. É uma coisa espetacular. E é mais ou menos igual ao resultado do cruzamento de Angus com Nelore”, compara.