Pierre Santoul aguarda ansioso por esta quinta-feira, 01 de junho. É dia de anúncio de resultados pela Tereos na França e a expectativa não podia ser maior na filial brasileira do grupo, um dos maiores produtores de açúcar e etanol do mundo.
Os números, que fecham o ano fiscal encerrado em 31 de março passado, devem confirmar uma expressiva virada nas contas da empresa, que no início da década viveu uma profunda crise.
Em 2021, por exemplo, o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) da companhia bateu no patamar inferior a 400 milhões de euros. Agora, espera-se que venha positivo – e muito --, atingindo 1,1 bilhão de euros.
“Vivemos um período doloroso”, afirma o CEO da Tereos Brasil ao AgFeed. “Mas cumprimos à risca um plano de recuperação e estamos colhendo os resultados”.
Foram cerca de 30 meses focados na reversão do resultado. O movimento que começou em 2020, quando, endividada por conta de um malsucedido processo de diversificação de negócios para novas regiões, a Tereos decidiu fazer uma reformulação total de seu conselho de administração.
Cooperativa de agricultores franceses com atuação global, a empresa escolheu novo gestores e iniciou um processo de desalavancagem, com venda de ativos e o encerramento de operações em países como China, Romênia e alguns territórios africanos.
“A expansão exigia muito caixa, sem entregar rentabilidade”, explica Santoul. Além disso, as operações europeias, que ainda representam a maior fatia da receita, vinham sendo afetadas pelo final da política de cotas de açúcar no continente.
Assim, a decisão foi focar nos negócios já consolidados, como os de açúcar e amido na Europa, as usinas brasileiras e operações na Indonésia e em parte da África.
Segundo Santoul, a estratégia permitiu gastar mais energia em extrair valor da produção advinda dessas áreas, buscando mais eficiência e produtividade, além de benefícios com a chamda economia circular, com aproveitamento comercial dos resíduos da produção. Os preços do açúcar e do etanol, principais produtos da companhia, ajudaram, reconhece o CEO.
O Brasil – responsável por cerca de 15% das receitas e 25% dos lucros da Tereos – foi parte importante desse processo. A comemoração pela virada aqui tem um sabor especialmente doce, já que a recuperação exigiu a superação de um problema adicional.
Em 2021, em função de problemas climáticos, a quebra na produção de cana-de-açúcar fez com que a moagem nas usinas do grupo caísse 25%. A decisão da empresa foi manter equipes e apostar no futuro, com a reconstrução dos canaviais.
“Foi um ano especialmente difícil”, diz Santoul. “Os custos fixos para manter a operação estavam lá, mas havia menos produto a processar e entregar”.
Já no ano seguinte, com a normalização das colheitas nos canaviais, a melhora foi significativa. E para 2023 a perspectiva, segundo o executivo, é mais uma vez positiva.
A saúde dos canaviais da empresa foi conferida in loco, recentemente, por conselheiros do grupo que fizeram uma visita ao Brasil. De acordo com Santoul, agricultores que são, eles gastaram a maior parte do tempo nas lavouras.
Ali, puderam entender alguns trunfos e vários desafios que a empresa tem para manter uma rota de crescimento por aqui. A expansão agrícola através da ampliação das áreas de cultivo, por exemplo, é hoje um dos gargalos do setor sucroenergético.
As melhores terras, evidentemente, já estão sob controle das usinas ou de fornecedores fiéis. Resta aos grupos partir para aquisições de concorrentes – como fez a Raízen ao incorporar as operações da Biosev – ou tentar avançar em territórios antes destinados a outras culturas, como laranja e soja.
Com a citricultura vivendo dias difíceis, algumas oportunidades podem surgir nesse campo. A redução nas cotações da soja também deve inibir a intenção de alguns produtores do centro-sul de substituir canaviais por lavouras do grão, tendência que vinha se acentuando nos últimos anos.
Mesmo assim, a Tereos deve ampliar em apenas 1% a área de seus canaviais este ano. “A competição por novas áreas é muito acirrada”, explica Santoul.
Dessa forma, a busca por mais cana se dá no terreno da elevação da produtividade. E resultados melhores precisam ser extraídos da maior eficiência operacional e em novas frentes de negócios.
Segundo o CEO, a Tereos fez a lição de casa em todos esses quesitos. Nos últimos seis anos, a empresa evoluiu de 42% para 57% de canaviais próprios através da recuperação de áreas que pertenciam a fornecedores que estavam abaixo dos padrões de produtividade considerados ideais.
E investiu em tecnologias, sobretudo o manejo de variedades para encontrar a planta ideal para cada talhão cultivado. Nessa área, a empresa possui mais de 300 áreas de testes e desenvolveu um sistema de inteligência genética que, cruzando dados de cada uma delas com as informações históricas do local do cultivo, indica a melhor escolha.
O sistema é alimentado, desde 2017, com o Galileu, plataforma de coleta e análise de dados desenvolvida no Brasil para conectar máquinas, drones, satélites, mais de 100 estações meteorológicas e tablets na captura de informações de campo.
“Foi um investimento pesado” afirma. A tecnologia é uma aliada, mas coadjuvante nas decisões que, segundo ele, será sempre humana. Por isso, a empresa manteve e capacitou seus times de campo para tentarem tirar melhor proveito dela.
“O mais complicado não é o algoritmo, mas como aplicá-lo”, dz Santoul. “Somos agricultores, sempre nos baseamos na agricultura. É um diferencial diante de concorrentes com mindset de trading. Acreditamos que as empresas que dão certo não são as maiores, mas as que têm maior controle do que acontece no canavial”.
Com esse controle, os resultados apareceram no campo. A produtividade média das lavouras próprias na safra 2022/23 deve ficar em 83 toneladas de cana por hectare – a média nacional fica na casa de 70.
Na cana de primeiro corte, a Tereos é, entre as grandes do setor, a empresa que obtém melhore resultado. “Podemos fazer ainda melhor”, afirma.
Entre canaviais próprios e de terceiros, a empresa moeu cana oriunda cerca de 300 mil hectares na safra 2022/23. Mais de 17 milhões de toneladas de cana foram processadas nas suas usinas.
A operação em campo é importante, mas as decisões tomadas quando a cana chega às usinas são cruciais para o resultado financeiro da empresa. A indústria sucroenergética tem como peculiaridade a possibilidade de determinar, no processo industrial, se vai apostar mais na produção de açúcar ou de etanol, buscando tirar melhor proveito dos preços das commodities no mercado.
Flexibilidade e oportunidades
]“Nosso modelo de negócio é baseado na flexibilidade”, afirma Santoul. A Tereos tem sido mais açucareira nos últimos anos. Na última safra, o mix da empresa ficou em 68% para o adoçante, contra 48% da média do mercado.
Segundo o CEO da empresa, a tendência é permanecer assim, já que a demanda pelo produto no mercado internacional deve continuar alta.
As projeções da companhia indicam que haverá espaço para a indústria adicionar mais 10 milhões de toneladas ao mercado global de açúcar nos próximos anos. E, com Índia e Tailândia, dois importantes produtores, já tendo atingido quase o limite da sua capacidade de entrega, a oportunidade fica com o Brasil.
Já o etanol deve ficar concentrado no mercado interno, na visão do executivo. Ele diz que a empresa se manterá atenta a oportunidades, como a que aconteceu no ano passado, quando a Europa demandou um volume extra do combustível.
Operações de exportação de etanol, no entanto, são apenas pontuais, mas bem vindas. “Por sermos uma empresa global, temos capacidade de atender rapidamente”, afirma Santoul. Segundo ele, o comércio internacional representa apenas 5% da produção mundial do combustível. Já para o açúcar, são 65%.
O recente “ciclo virtuoso” da Tereos, para usar as palavras de Tereos, permitiu também sintonizar a produção para os mercados tradicionais com as novas oportunidades surgidas com a busca por alternativas energéticas mais sustentáveis.
“É hora de quebrar paradigmas do setor e usar a economia circular para extrair mais valor da produção”, explica Santoul. A co-geração de energia nas usinas do grupo já é uma realidade e a nova frete nessa área é o biogás.
A empresa mantém uma planta piloto para a produção do metano resultante da biodigestão de seus resíduos na Unidade Cruz Alta, no município de Olímpia (SP). O investimento inicial de R$ 15 milhões deve ser multiplicado nos próximos meses, com a expansão da iniciativa.
Segundo Santoul, o “business case” da produção de biogás já foi finalizado e a empresa agora estuda como será feita a expansão, que permitirá à Tereos descarbonizar parte de sua operação, usando o biogás como combustível para a sua frota de máquinas agrícolas.
A empresa trabalha junto com as montadoras na adaptação desses veículos e Santoul acredita que essa mudança deve ser concluída em até três anos.
Além da produção de combustível, a planta produzirá fertilizantes a base de vinhaça, que serão usados nos canaviais do grupo, com o sistema de fertirrigação. Com isso, ganha-se em custo, com a redução da compra de insumos, e em sustentabilidade.
No radar da empresa está também a produção de combustível sustentável para aviação (SAF, na sigla em inglês), derivado do etanol que surge como uma forte e lucrativa tendência do setor nos próximos anos. E até mesmo a entrada do grupo no segmento de etanol de milho, que cresce em taxas elevadas no Brasil.
“Estamos de olho”, afirma o francês, que há oito anos vive no Brasil. “Sabemos que aqui os investimentos são muito grandes”. E a Tereos aprendeu que deve crescer sempre, mas com os pés no chão.