Uma família tradicional do setor de cana-de-açúcar é o melhor exemplo que vem ocorrendo com o setor sucroenergético como um todo: após um período de altos e baixos, que incluiu um processo de recuperação judicial, a Energética Santa Helena conseguiu acessar o mercado de capitais e anuncia investimentos em práticas mais sustentáveis.

A quarta geração da família Coutinho, que produzia cana na região Nordeste, mas comprou a usina Santa Helena em Mato Grosso do Sul na década de 90, se diz orgulhosa de ter superado o período de crise e se tornar a primeira empresa do segmento que, após uma recuperação judicial, consegue emitir um Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA).

Em 2010 o grupo estava em plena expansão, chegando próximo de processar 2 milhões de toneladas de cana, mas querendo chegar a 4 milhões de toneladas. Porém, houve um período de perda de competitividade do etanol em relação a gasolina e uma série de empresas do setor, durante o governo de Dilma Roussef, voltaram a enfrentar dificuldades financeiras.

Diretor financeiro da Santa Helena e um dos membros da família, Marcelo Coutinho explica que no caso da empresa o pedido de recuperação judicial apresentado em 2015 foi mais uma prevenção do que uma reação.

"Não tínhamos um passivo muito grande, mas ele estava concentrado no curto prazo, metade com bancos e metade com fornecedores, desta forma optamos pela RJ porque seria possível renegociar com os bancos e não correríamos o risco de interromper as operações", explicou Coutinho.

A dívida da Santa Helena nessa época era R$ 127 milhões, um pouco mais da metade da receita líquida, segundo o executivo.

Já a partir de 2015, de acordo com a empresa, o mercado do etanol começou a melhorar de forma significativa, à medida que foi aplicada a política de paridade de exportação na Petrobras e o biocombustível recuperou sua competitividade.

As operações da usina seguiram somente com o caixa que era gerado, mas sem acesso ao mercado financeiro. O processo de recuperação judicial foi encerrado em 2021 e atualmente a capacidade de moagem da Santa Helena está nos mesmos patamares, próxima de 2 milhões de toneladas de cana.

A negociação com os fornecedores também foi facilitada porque 95% da cana vem de terras arrendadas, mas com operação agrícola feita pela própria usina. Somente os 5% restantes são adquiridos de fornecedores.

Ao recuperar a saúde financeira, a Santa Helena mostrou interesse em adquirir uma usina falida que, no passado, pertencia a família do empresário José Carlos Bumlai. Porém, acabou não tendo a proposta aprovada e perdeu a disputa para a Pedra Agroindustrial.

Mesmo assim, decidiu manter o road show já iniciado para captar recursos para sua expansão. O auge foi a emissão de seu primeiro CRA no primeiro trimestre deste ano, quando captou R$ 165 milhões em duas séries de até 10 anos.

"A Santa Helena não tinha um problema de alavancagem, era um problema de liquidez", explica Murilo Moura, sócio da Möbius Capital.

Ele diz que este cenário, aliado à postura dos acionistas ao longo de todo o processo de recuperação judicial – sem atrasar pagamentos aos funcionários e arrendatários – deu mais credibilidade ao grupo para captar recursos no mercado de capitais.

Moura afirma que o objetivo inicial era captar R$ 150 milhões, mas em função do excesso de demanda, acabou ajustando para o valor maior.

O custo da série sênior foi de CDI + 4,0% aa e contou com garantia de recebíveis da Raízen, que é o principal parceiro comercial da Santa Helena.

Novos investimentos

Os recursos captados pelo CRA serão investidos prioritariamente na busca de maior produtividade das lavouras e de práticas mais adequadas ao modelo ESG, ou seja, com sustentabilidade social e ambiental.

No plano está a ampliação das áreas em que utiliza fertirrigação, por exemplo, que deverá subir de 8 mil hectares para 14 mil hectares, de um total de 40 mil hectares cultivados.

O diretor Marcelo Coutinho também destaca os investimentos em cogeração de energia elétrica a partir da biomassa, com investimentos de R$ 35 milhões para que a partir do ano que vem a empresa possa passar a exportar energia, além de estudos para produzir biogás.

Outro projeto é a construção de uma fábrica de açúcar, commodity que vem registrando demanda mundial crescente e preços em patamares elevados. "Mas não vamos aumentar nossa moagem de cana, o objetivo é a diversificação", explicou Coutinho.

Murilo Moura, da Möbius, lembra que a maior parte das emissões de CRA que bancos distribuem via plataformas está relacionada a investidores pessoa física, amas que, no caso da Santa Helena foi exclusivamente para investidores institucionais. A Möbius estruturou a operação que, em grande parte dela foi adquirida por cinco grandes gestoras, segundo ele.

“Está em linha com a intenção da Santa Helena de estar mais próxima do mercado de capitais de novo e ter uma relação mais forte, porque são investidores que, se ela decidir crescer e fazer algum outro investimento, podem suportar a companhia nestas novas captações", acrescentou.