Hannover (Alemanha) - Não é incomum na vida do campo que pais transmitam sua atividade agrícola aos filhos, esperando pela sucessão familiar e com a continuidade da tradição construída. Isso, entretanto, nem sempre transcende a porteira.

Assim, é surpreendente ver um pai e um filho criarem juntos uma tecnologia com a proposta declarada de revolucionar a agricultura. É exatamente o caso da Nexat, conceito de máquina agrícola que nasceu do trabalho em família dos engenheiros mecânicos Klemens e Felix Kalverkamp.

Existem apenas 15 unidades da máquina desenvolvida pelos dois sendo usadas em lavouras em cinco países do mundo – uma delas, em Luis Eduardo Magalhães, na Bahia, depois de um período de testes em Rondonópolis, no Mato Grosso.

Inovadora e de dimensões que impressionam, porém, a "máquina-monstro" tornou-se protagonista de vídeos que viralizaram em redes sociais e grupos de WhatsApp, transformando-a em objeto de desejo de agricultores.

E chamou a atenção também na Agritechnica, uma das mais importantes feiras de máquinas agrícolas do mundo, realizada na semana passada em Hannover, na Alemanha.

Além da curiosidade pelo porte e pela abordagem diferente dos Kalverkamp ao manejo agrícola, a Nexat pela primeira vez falou em planos de produção em maior escala e anunciou ter recebido um aporte, de valor não revelado, do EW Group, conglomerado alemão com foco em genética para produção de aves, suínos e peixes e participações em dezenas de empresas em vários países do mundo, inclusive no Brasil.

Ao AgFeed, a empresa anunciou que, com os recursos, deve iniciar um projeto de expansão, que tem o País no seu mapa. “Força total para o mercado brasileiro para os próximos anos”, disse o CEO Felix Kalverkamp durante a Agritechnica.

A empresa acaba de contratar um country manager para o País, o engenheiro agrônomo Vinicius Marchioro, que fez sua estreia na feira alemã. E já trazendo boas notícias: a Nexat já estuda a instalação de uma fábrica no Brasil, provavelmente na região Sul, com potencial para produzir, até 2030, até 300 unidades por ano para atender o mercado sul-americano.

Apresentada como uma espécie de “máquina tudo em um”, a Nexat se define como “o primeiro sistema holístico completo de produção agrícola do mundo”. A premissa básica é simples, mas disruptiva: combinar todas as etapas de trabalho em uma cultura, que anteriormente exigiam uma variedade de máquinas agrícolas, em um único sistema.

O ponto-chave é o veículo transportador com potência suficiente e grande envergadura para suportar o acoplamento de múltiplos implementos intercambiáveis. Segundo explicou Marchioro ao AgFeed, o sistema Nexat pode realizar tarefas de preparo do solo, semeadura, proteção de plantas e colheita usando acessórios modulares.

Tudo vem em escala maior que os implementos tradicionais, mas a empresa garante que os equipamentos podem ser trocados por uma só pessoa em menos de 10 minutos. O transportador tem vão-livre de 14 metros, onde podem ser acoplados, por exemplo, um pulverizador de até 70 metros de comprimento e dois metros de vão-livre.

Além disso, apesar de o modelo atual possuir uma cabine para o operador, a Nexat pode ser programada para funcionar de forma autônoma.

Validação e vendas

A ideia dos Kalverkamp surgiu por volta do ano de 2010, quando pai e filho se perguntaram “como seria a agricultura do futuro”. Sua conclusão foi que o principal desafio a ser vencido na agricultura moderna era a perda de terra arável, um problema que só piora com as máquinas tradicionais que provocam compactação e erosão do solo.

Decidiram, então, partir para o desenvolvimento de uma tecnologia que traduzisse sua “filosofia de agricultura”. Foi aí que surgiu a ideia do sistema Nexat. Em 2013 eles criaram o primeiro protótipo e em 2018 a primeira máquina 100% funcional.

Klemens Kalverkamp, o pai, tem mais de 45 anos de experiência no mercado de máquinas agrícolas. Já ganhou cinco vezes o prêmio de medalha de ouro de inovação tecnológica na Feira Agritechnica, de Hannover, Alemanha, principal evento do setor na Europa e um dos mais importantes do mundo.

Em uma dessas das vezes, foi agraciado pela invenção da amplamente utilizada tecnologia Isobus, um protocolo de comunicação internacional e padronizado que permite que diferentes equipamentos agrícolas se comuniquem uns com os outros através de uma única língua comum.

Felix e Klemens Kalverkamp, fundadores da Nexat

Atualmente, é o filho, Felix Kalverkamp, quem assumiu o comando da Nexat como CEO, sendo responsável pela expansão da empresa pelo mundo – inclusive no Brasil.

A Nexat afirma que está atualmente em fase de “validação” e, portanto, opera no sistema de venda e manufatura sob encomenda direto de fábrica. Na Agritechnica, o estande da empresa fechou negócios para entrega em 2025.

“Atualmente temos máquinas operando na Alemanha, Ucrânia, Bulgária, Estados Unidos e Brasil. Temos mais cinco máquinas para serem entregues no início do ano de 2024”, relatou o country manager da marca no Brasil.

Os preços de comercialização dos sistemas Nexat ainda não são públicos, já que a empresa ainda não está homologada para venda no país. Ainda assim, o executivo afirma que a Nexat é “mais rentável porque é mais econômica no consumo de diesel” ao realizar as mesmas operações que demandariam a utilização de diversas outras máquinas.

Dependendo da operação, diz, a máquina é de 20% a 50% mais econômica no consumo do combustível para uma mesma operação. “E também mais eficiente, uma vez que ela produz de 20% a 30% mais do que qualquer máquina hoje encontrada no mercado”, garante ele.

De acordo com o fabricante, essa máquina se destina a produtores acima de mil hectares, sendo que uma máquina dessas performa bem de 1.500 a 2.000 hectares por máquina.

“Com todo o sistema, hoje essa máquina é capaz de operar com todos os tipos de implementos conhecidos no mercado, que podem adaptados e acoplados na Nexat para fazer essa operação”, explica Marchioro.

Como atualmente a máquina só pode ser adquirida diretamente da fábrica da Nexat, que ainda não possui rede de concessionárias, é possível tratar do financiamento diretamente com a equipe da empresa.

Para o futuro, estão em desenvolvimento já outros equipamentos e outra máquina de menor porte. O objetivo é proporcionar essa mesma experiência para propriedades menores, como é o caso da Região Sul do Brasil, bem como a maior parte da Europa.

Estande da Nexat na Agritechnica 2023: o monstro chamou a atenção (Foto: Leonardo Gottems)

A nova versão da máquina “tudo-em-um” da Nexat está sendo desenvolvida para cerca de 500 hectares – um modelo com metade do tamanho do atual, que na edição deste ano da Agritechnica levou o prêmio “Agrifuture Concept Winner 2023” da DLG (Sociedade Agrícola Alemã).

Prêmio maior, porém, foi o investimento do grupo da família Wesjohann, com sede na mesma região da Nexat. Para Klemens Kalverkamp, trata-se de “um investidor muito forte”.

“Estamos muito satisfeitos por ter convencido o Grupo EW a se juntar a nós. A associação com um grupo familiar orientado para o longo prazo, e com um excelente histórico no desenvolvimento de empresas inovadoras líderes globais, é uma excelente notícia”, disse o pai fundador.

Como contrapartida do investimento, o EW Group – que no Brasil atua na área de genética para piscicultura, com sua marca GenoMar – receberá uma participação acionária minoritária. “A parceria fortalece nossas oportunidades de desenvolvimento a longo prazo”.

Tecnologia a favor do solo

O discurso dos empreendedores alemães, tanto para conquistar os investidores quanto futuros clientes, é o de que, mais do que uma máquina, a tecnologia Nexat entrega todo um “sistema novo, uma nova forma e uma nova filosofia de se fazer agricultura”.

“A Nexat permite uma gestão de terras altamente eficiente e regenerativa em harmonia com a natureza, conforme esperado pelo futuro e pela sociedade”, afirmou Klemens Kalverkamp.

Curiosamente, o grande porte das máquinas modernas, cada vez maiores e mais pesadas, é apontado como um dos principais problemas da agricultura moderna. Ao transitar pelas lavouras, elas provocam a compactação do solo e, junto com isso, os problemas de baixa infiltração de água no solo.

O resultado é o escorrimento de água e erosão da terra, perda de nutrientes, matéria orgânica e, consequentemente, menor infiltração e menor volume de recarga de água nos lençóis freáticos, além, é claro, de menos água disponível para as plantas.

O veículo transportador em envergadura para suportar o acoplamento de implementos intercambiáveis

Consequentemente, o solo compactado vai impor um ambiente menos produtivo para as culturas. Todos os anos, até 39 mil milhões de toneladas de terras aráveis férteis são perdidas em todo o mundo devido à erosão eólica e hídrica.

A diferença apontada pela empresa é que o sistema Nexat é baseado numa máquina com 14 metros de vão livre. Assim, com menor área de contato com o solo, apenas 5% da área sofre compactação – ou seja, os outros 95% não sofrem essa pressão.

“Uma vez que você tem um sistema que não compacta mais o seu solo, todo o ciclo químico, físico e biológico do seu solo começa a se recuperar”, disse Marchioro.

“Com o solo devidamente bem estruturado, com aumento de matéria orgânica, as raízes das plantas são capazes de crescerem em maior profundidade e todo o sistema começa a se beneficiar, já que você vai ter maior disponibilidade de água para as plantas”.

De acordo com ele, o diferencial a Nexat é ser a “única máquina que possibilita um controle de tráfego em larga escala”. As concorrentes tradicionais com tráfego controlado provocam compactação de algo entre 20% a 30% da área pelo peso do rodado dos maquinários e implementos.

A máquina é acionada eletricamente. Dois motores a diesel de 550 CV de acionamento independente alimentam geradores que distribuem a potência para outros quatro motores localizados nas rodas. No entanto, o sistema em si é preparado para ser alimentado por células de combustível de hidrogênio verde.

À medida que cada módulo é integrado, seu peso é transferido para o veículo transportador e otimizado para que se torne essencialmente uma máquina autopropelida. Isso permite, segundo a empresa, que os implementos sejam guiados com maior precisão e menor deslizamento, reduzindo significativamente o consumo de combustível e as emissões de CO2 do veículo.