Dos pilares estratégicos da Caramuru Alimentos, uma das principais empresas brasileiras de processamento de soja, milho, girassol e canola, um deles tem se destacado nos últimos tempos.

Para compensar valores de grãos em queda, os produtos chamados diferenciados têm sido cada vez mais importantes no faturamento - e estão gerando até novos negócios.

A empresa comunicou no começo do mês, por exemplo, que iniciou a comercialização do etanol hidratado de soja, que é produzido em seu complexo industrial de Sorriso, em Mato Grosso.

A iniciativa é pioneira, pois a indústria de etanol geralmente utiliza como matéria-prima a cana-de-açúcar, o milho ou a beterraba. Conforme comunicado da companhia, o etanol é produzido a partir do melaço de soja, resultante do processamento da Proteína Concentrada de Soja (SPC).

E ilustra bem o espírito da Caramuru nesses tempos de negócios mais difíceis. Segundo Júlio Costa, diretor-presidente da empresa, a decisão de comercializar o foi uma maneira de “agregar valor e reduzir custos”. “A Caramuru não está focando também no etanol, vimos um negócio de oportunidade”, afirmou ao AgFeed.

Costa explica que, da produção desse combustível – que fica em torno de 9 milhões e meio de litros por ano – 30% serão reutilizados nos próprios processos da empresa, enquanto os outros 70% serão comercializados.

O SPC é geralmente vendido na Caramuru como ração para peixe. “No processo normal do melaço temos 48% de proteína, enquanto que no SPC está acima de 60%.

Além disso, do melaço também é retirado a lecitina de soja, que funciona como emulsificante de chocolates, por exemplo. Nessa frente, a Caramuru tem a Lindt, a Ferrero e a Nestlé como clientes. A companhia ainda atua com a glicerina bidestilada, que fornece, por exemplo, para a Colgate.

Essa é só uma das frentes da empresa na agregação de valor às commodities. A Caramuru não planta, mas atua com processadora para os mais de 5 mil produtores parceiros da empresa.

“O foco da Caramuru é agregar valor e dar uma diferenciação das commodities”, diz Costa.

Tem sido uma espécie de estratégia de resiliência para a empresa, fundada em 1964, desde que a chamada Lei Kandir foi promulgada, nos anos 1990. Segundo ele, a legislação, que desonerava a exportação de grãos, trouxe prejuízos à indústria loca.

Na prática, a lei isentou do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) as exportações de produtos primários e semielaborados, ou seja, não industrializados.

Aposta em não transgênicos

Outra aposta da Caramuru foi na comercialização de grãos não transgênicos, valorizados em alguns mercados específicos da Europa e da Ásia, também como forma de agregar valor ao produto final. Esse segmento, que é chamado de “commodities diferenciadas” dentro da empresa, corresponde a pouco mais de 30% da receita.

Bem sucedida durante vários anos, contudo, essa linha de negócios enfrenta problemas no cenário atual. Segundo Júlio Costa, tem sido necessário um trabalho da própria Caramuru em convencer o produtor rural a plantar a soja convencional.

Ao mesmo tempo, esse produtor precisa utilizar melhores sementes para ter produtividades boas e, assim, garantir suas margens.

“Nesse sentido, temos parceria com a Universidade Federal de Viçosa, que possui um banco genético grande”, afirma Costa. “Investimos e estamos buscando variedades que sejam competitivas. Se não houver essa competitividade, o produtor não vai plantar”, comenta.

Do outro lado, o mercado internacional também tem que estar propenso a consumir e pagar por esse produto. “Tudo tem custo e lá fora os compradores estão passando por um momento de inflação alta pelas questões geopolíticas, o que acaba colaborando para um mercado mais complexo. Entendemos que tudo é ciclo e que esse mercado tem consumidores, mas tem esse momento mais difícil”.

Ainda nos produtos com valor agregado mais alto, os biocombustíveis já representam outros 30% da receita. No biocombustível B2, o diretor-presidente vê a Caramuru com uma posição estratégica e favorável na logística por estar próxima aos distribuidores que buscam biocombustíveis na planta.

Parceria na logística

Outro pilar de destaque na empresa é a logística. Segundo Júlio Costa, por ano, a empresa conta com um orçamento de R$ 700 milhões para investimentos no escoamento de produtos.
Anos atrás, a Careamuru foi uma das pioneiras no modal hidroviário, o que hoje a faz colher bons frutos.

“Temos um mix de modais para transporte que nos torna competitivos. Temos investimentos no Porto de Santos (SP), no Porto de Tubarão (ES) e no Porto de Santana (AP), tudo estratégico para escoar os produtos e nos dar uma independência portuária”, diz o executivo.

Costa explica que a planta da empresa em São Simão, no sul de Goiás, por exemplo, está localizada às margens da hidrovia Tietê Paraná, que vai até Pederneiras, no interior de São Paulo, onde a empresa possui uma parceria com a Rumo, que faz a ligação ferroviária até o porto de Santos.

Na ponta da planta, a Caramuru pode escolher atuar tanto por ferrovia quanto hidrovia e rodovia. “Temos uma rotatividade e escolhemos sempre o modal mais competitivo. Dentro da estrutura logística da hidrovia, aproveitamos sempre que podemos, mas se há um problema, temos a ferrovia como ‘plano B”.

Na ponta exportadora, a empresa possui um “investimento alto no Porto de Santos”, também junto com a Rumo, no terminal 39.

A projeção é ultrapassar, entre o final deste ano e o ano que vem, mais de 7 milhões de toneladas de produtos, não só da Caramuru, mas também de terceiros. “Isso nos traz uma fonte de receita importante no balanço”.

O terminal é de bandeira branca e a expectativa é que, até 2030, sejam 14 milhões de toneladas elevadas por lá.

A origem desses produtos que passam pela Caramuru e acabam sendo vendidos para fora é diversa. A companhia possui, atualmente, 59 pontos de originação nos principais polos do agro em Goiás e Mato Grosso.

“Isso nos garante matéria prima para os 12 meses do ano, até porque o agro tem uma sazonalidade natural para a colheita, por isso precisamos ter uma estrutura de armazéns”, comenta o CEO.

Resultados financeiros e Safra 2023/24

A estratégia e a “resiliência” da Caramuru, apontada pelo diretor-presidente, têm trazido números finais em alta nos balanços da companhia.

No ano de 2022, a Caramuru teve uma receita líquida de R$ 8,6 bilhões, um recorde para a companhia e aumento de 13% em relação a 2021.

O lucro líquido ficou estável na comparação anual, numa faixa de R$ 350 milhões, sendo o quarto ano consecutivo de crescimento nos resultados.

No primeiro semestre deste ano, a empresa acumula uma receita líquida de R$ 3,5 bilhões, 12% menor que o arrecadado no mesmo intervalo em 2022. Em contrapartida, o volume de vendas está 5% maior neste ano, com 1,08 milhões de toneladas.

A discrepância entre as vendas e a receita se dá, segundo ele, pela dinâmica de queda nos preços dos grãos ao longo deste ano.

Para 2023, Costa prevê um volume transacionado 10% maior do que no ano passado, mesmo com uma receita igual ou menor que em 2022, já contando com a baixa nos preços das commodities e do dólar frente ao real.

Para a temporada 2023/24, Júlio Costa vê um aumento na área plantada. Em uma visita recente pela área próxima da sede da empresa, em Itumbiara (GO), o diretor viu áreas que, segundo ele, sempre foram dedicadas à pastagem, passando por um processo para plantar soja.

“Todo ano abrem-se áreas novas por aqui, por isso acreditamos que vai ter aumento de área. Lógico que a produtividade vai depender de outros fatores, questões climáticas que não dependem da gente”, explica.

Segundo Costa, a operação da Caramuru é muito bem definida, o que traz uma certa previsibilidade ao mercado. “Você não vai ver uma mudança grande no volume de originação e de produtos com agregação. Você vai sempre enxergar esse mix parecido de um ano para o outro. A empresa sempre se pautou pela segurança, somos uma empresa conservadora que faz tudo com o pé no chão, tudo no devido tempo, devagar”, completa o diretor-presidente.